São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 2002

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ENTREVISTA

Empresário reafirma apoio a Serra, mas acredita que petista vencerá e teme redução dos investimentos externos

Lula está longe de ser estadista, diz Ermírio

Ormuzd Alves/Folha Imagem
O empresário Antônio Ermírio de Moraes, durante entrevista à Folha em seu escritório na Votorantim, em São Paulo


GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O empresário Antônio Ermírio de Moraes, 74, presidente do grupo Votorantim, disse ontem que considera muito difícil uma recuperação do presidenciável tucano, José Serra. Ele dá praticamente como certa a vitória do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo assim, Ermírio de Moraes disse que irá manter seu voto em Serra. "Eu vou votar no Serra, mesmo que ele chegue no último lugar", disse o empresário.
Sobre a declaração de voto em Lula feita pelo empresário Eugênio Staub, presidente da Gradiente, Ermírio de Moraes disse que não tem nada contra, mas recrimina o fato de Staub ter chamado Lula de estadista: "O Lula está longe de ser um estadista".
Pessimista com a economia num eventual governo do PT, Ermírio acha que Lula irá encontrar muitas dificuldades, caso vença. O grande problema, na sua opinião, é que o Brasil precisa de US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões ao ano de capital estrangeiro. "Será que esse dinheiro virá com Lula?"
 

Folha - O que o sr. achou da decisão do empresário Eugênio Staub de declarar seu voto ao Lula?
Antônio Ermírio de Moraes -
Eu não tenho nada contra ele votar no Lula. Só não concordo com o fato de Eugênio Staub chamar o Lula de estadista. Isso é até uma injustiça com os estadistas que nós tivemos neste país. Ele pode votar em quem quiser, mas o Lula está longe de ser um estadista. Tem muitos empresários agora que, ao verem que o Lula está praticamente eleito no primeiro turno, estão mudando o voto. Eu vou votar no Serra mesmo que chegue no último lugar. Ele pode chegar até atrás do Ciro, mas eu vou votar nele. Isso é uma questão de princípio. Eu não sou vira-casaca nem oportunista.

Folha - O sr. considera oportunismo anunciar agora o voto no Lula?
Ermírio de Moraes -
Não sei. Cada um julgue por si mesmo, mas chamar o "nosso amigo" de estadista, eu discordo totalmente. Não é, e ele mesmo sabe que não é. Se perguntar ao Lula, que é um sujeito que tem experiência na vida, ele mesmo vai dizer que esse elogio é gratuito.

Folha - Staub chamou o Lula de estadista por considerá-lo o único nome capaz de aglutinar governo, empresários e trabalhadores em torno de um projeto para o país.
Ermírio de Moraes -
Só o tempo dirá. O Fernando Henrique é um estadista e não conseguiu. Não conseguiu nem fazer a reforma da previdência. E por quê? Porque o Congresso não deixa. A reforma da Previdência precisa ser aprovada no Congresso. Você acha que o Lula terá a maioria no Congresso?

Folha - Mas o Fernando Henrique conseguiu muita coisa no Congresso, até a reeleição.
Ermírio de Moraes -
Isso é uma injustiça que se faz. Sempre se fala isso, mas a verdade é que o Congresso é difícil. O Fernando Henrique é um sujeito capaz, um sujeito com uma capacidade de argumentação muito boa. Não é por estar saindo agora que vou fazer críticas ao governo dele. Esses oito anos foram razoáveis para o Brasil. O Brasil ganhou uma imagem muito melhor aqui e lá fora. O problema é que o mundo inteiro está em recessão. Não é só o Brasil. Começou no Japão, foi para os Estados Unidos e agora toda a União Européia está em recessão. O único que se salva, por enquanto, é a China. O crescimento do mundo inteiro está na faixa de 1% a 1,5%. Quando se cresce aqui nesse nível, todo mundo acha que o país está ladeira abaixo.

Folha - Como o sr. imagina o governo Lula, caso ele vença?
Ermírio de Moraes -
Eu não imagino nada. Só peço a Deus que, se ele for eleito, que o ilumine para governar o Brasil. O Brasil precisa de US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões por ano de dinheiro externo. Será que esse dinheiro virá? Se você precisa de US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões por ano e esse dinheiro não vem, o que vai acontecer? O dólar vai explodir, a inflação vai explodir, e aí você terá um problema sério pela frente.

Folha - O sr. acha que essa alta do dólar já é reflexo desse cenário?
Ermírio de Moraes -
Eu não sei o que está provocando essa alta do dólar. Na minha opinião isso é especulação pura. E isso é ruim. Pode até ser medo do Lula. Eu condeno isso. Esse pessoal está pensando apenas em ganhar mais dinheiro e não está pensando no país. Essa especulação é profundamente condenável. A nossa elite parece que não aprendeu nada. Continua egoísta.

Folha - O sr. responsabiliza a elite por essa alta do dólar?
Ermírio de Moraes -
Em boa parte, sim. A elite que comanda essa nação deveria ter muita responsabilidade pelo comando econômico e político da nação, mas parece que ela não consegue se unir. A especulação é mais forte. O interesse imediato é muito mais forte.

Folha - Para o sr., então, o Lula não tem influência sobre essa alta do dólar?
Ermírio de Moraes -
Não se pode dizer que ele é culpado. A especulação existe no mundo inteiro. Só que, no mundo inteiro, as regras são mais rígidas, e o especulador vai parar atrás das grades. Aqui, continua sendo homenageado. Eu só espero que quem for eleito pense mais no Brasil e menos no seu partido. Não é só o partido que vai salvar a nação. São os homens. O próprio Fernando Henrique não conseguiu no PSDB, apesar do prestígio todo. O Congresso não aceita. A primeira coisa que o próximo presidente tem de fazer é a reforma da Previdência. Por que razão um aposentado do governo tem que ganhar 14,8 salários mínimos de aposentadoria, enquanto nós ganhamos 2,4 salários mínimos ? Um aposentado do governo ganha 10 vezes mais do que um aposentado da iniciativa privada que trabalhou a vida inteira. Qual é a razão disso? A primeira coisa a ser quebrada é isso. O que esse aposentado que ganha 14,8 salários fez de bom? Pelo contrário. Quero ver quem vai quebrar isso. Quero ver se o próximo presidente consegue quebrar isso. O Fernando Henrique não conseguiu.

Folha - O sr. já considera Lula com um pé no Planalto?
Ermírio de Moraes -
Eu acho que a grande chance é essa. A saída do ex-presidente da Petrobras Philippe Reichstul da Globo é um mau sintoma para a campanha do Serra. Desmontou a máquina. Eu entendi que estava montado um esquema macro de apoio a Serra. O ex-presidente da Petrobras é amigo íntimo do Serra. É muito difícil o Serra se eleger. Com a saída de Reichstul da TV Globo, Serra perde um parceiro importante.

Folha - Uma crítica que o Eugênio Staub faz é que o PSDB não ouve os empresários. O sr. concorda?
Ermírio de Moraes -
Será que o Eugênio Staub não percebeu que os empresários não são ouvidos em lugar nenhum?

Folha - Staub diz também que o PT ouve mais os empresários.
Ermírio de Moraes -
Espera o Lula ser eleito. Esse papo antes da eleição é uma coisa. Quero ver depois das eleições. Eu trabalho há 53 anos e nunca fui ouvido nesse país. Tudo que fiz foi por vontade própria, por acreditar no Brasil, muito mais do que eles, políticos.

Folha - E por que os políticos não ouvem os empresários?
Ermírio de Moraes -
Talvez eles não gostem da gente. Mas quem cria empregos somos nós, não são os políticos. Quem paga os impostos somos nós, não são os políticos. Claro que há coisas erradas dos empresários no Brasil, mas, de maneira geral, o empresário é um sujeito sacrificado neste país. Eu tenho total independência e quero continuar sendo independente. Nunca me rastejei perante o governo para pedir qualquer coisa. Pelo contrário. Tomei foi "cacetada", mas continuo de pé.

Folha - A que o sr. atribui esse desempenho de José Serra abaixo das expectativas nas pesquisas?
Ermírio de Moraes -
Para mim, não é novidade. Mas, de qualquer maneira, eu acho que ele é o mais preparado de todos, só que ele não tem... quer dizer, o carisma dele, por enquanto, está em crise.

Folha - Acha que o Serra pode não ter sido o melhor nome do PSDB?
Ermírio de Moraes -
Não sei, isso precisa ser perguntado ao Fernando Henrique, já que foi ele que coordenou o processo das eleições.

Folha - Foi um erro o PSDB ter partido para o ataque ao PT?
Ermírio de Moraes -
Não é por aí. Com todo o apoio que o Serra teve, ele nunca saiu desse patamar de 20%. Foi o máximo que ele conseguiu. Só peço a Deus que aquele que se eleger presidente do Brasil tenha pena deste país, que realmente aja com princípios de brasileirismo. Eu não vou apontar os erros do Serra: seria um ato de covardia apontar os erros da campanha neste momento em que ele está descendo ladeira abaixo.

Folha - O sr. acredita numa reação da candidatura Serra?
Ermírio de Moraes -
É muito difícil. Quanto tempo nós já temos da campanha? Todo mundo dizia que, quando entrasse a campanha na TV, a candidatura do Serra iria crescer. E não cresceu. Uma coisa precisa ser dita. O marqueteiro do Lula é excelente. Deus queira que o Lula possa fazer aquilo que ele prometeu na campanha. O Brasil já está muito sofrido. Espero que o governo dele seja iluminado por Deus. O que vai acontecer é que, num governo Lula, o Primeiro Mundo vai olhar para o Brasil com desconfiança. São anos, anos e anos a favor dos sem-terra e contra o capital estrangeiro.

Folha - O sr. teme um agravamento da recessão no Brasil ?
Ermírio de Moraes -
Eu acho que sim. Pode haver fuga de capital. Os meus recursos lá fora são de US$ 14 mil. E não vou mudar. Eu duvido que tenha um empresário no país de primeiro porte que tenha só US$ 14 mil no exterior. E foi dinheiro que precisei mandar para fora para pagar uma cirurgia urgente do meu neto que nasceu com paralisia total da artéria pulmonar. O dinheiro ficou lá para uma emergência qualquer.

Folha - O sr. tem conversado com os empresários?
Ermírio de Moraes -
Eu não converso política com empresários. Só acho que, numa hora dessas, não se pode abandonar os amigos. Eu não faço isso.

Folha - A Votorantim ajudou os candidatos?
Ermírio de Moraes -
Nós ajudamos a todos. O princípio da Votorantim foi esse. Nós ajudamos a todos os partidos, mas tudo registrado.

Folha - O sr. esteve com o Lula durante a campanha?
Ermírio de Moraes -
Não, nenhuma vez.

Folha - E com o Serra?
Ermírio de Moraes -
Poucas vezes. Eu gravei dois programas com ele.

Folha - O sr. pretende ter algum encontro com Fernando Henrique para discutir a sucessão?
Ermírio de Moraes -
Não, o destino dele está traçado. Depois, se ele quiser vir tomar um cafezinho no meu escritório, será um prazer. O escritório dele ficará ao lado do meu. O Fernando Henrique foi um presidente que botou o Brasil lá em cima. Ele é considerado por todos. Só com o Bush que ele não conseguiu um relacionamento assim tão aberto.

Folha - Qual é a sua avaliação do governo Fernando Henrique?
Ermírio de Moraes -
Eu prefiro fazer essa avaliação depois das eleições. O momento é muito delicado.

Folha - O presidente Fernando Henrique não tem feito críticas ao Lula. O sr. acredita na possibilidade de ele colaborar de alguma forma com o governo Lula, caso ele seja eleito?
Ermírio de Moraes -
O Fernando Henrique é um estadista. Ele tem linha, tem compostura. Ele não vai desancar ninguém.

Folha -O sr. não acredita numa coligação do PT com o PSDB? Isso, num eventual governo do PT, não poderia injetar otimismo na economia?
Ermírio de Moraes -
É muito difícil essa coligação. O grande problema são os radicais dentro do próprio PT.

Folha - O sr. não acha que o PT pode ter mudado? O ser não acredita no "Lulinha paz e amor"?
Ermírio de Moraes -
Ah, que é isso? Meu pai dizia que um homem, após os 20 anos, não muda de caráter. Eu acredito piamente no conselho do meu pai. Tudo bem. Só espero que, se for eleito, ele faça um bom governo.

Folha - A Votorantim irá manter seus investimentos num eventual governo do PT?
Ermírio de Moraes -
Nós iniciamos este ano um investimento de US$ 2,5 bilhões até 2004 e não vamos parar, seja qual for o governo. Nós nunca fugimos de nossa responsabilidade de empresário.

Folha - O sr. guarda algum ressentimento do governo Fernando Henrique ? O sr. perdeu a Vale do Rio Doce na privatização?
Ermírio de Moraes -
Não fiquei ressentido por causa disso. São regras do jogo. O outro grupo ofereceu melhores condições. Um candidato ao governo do Estado de São Paulo [ele se refere ao candidato Paulo Maluf, que não trata pelo nome" disse recentemente, querendo atingir o governador Geraldo Alckmin, que nós recebemos a CPFL de graça. Isso é uma tremenda idiotice desse suposto candidato ao governo do Estado de São Paulo. Nós concorremos com quatro grupos estrangeiros e ganhamos a CPFL com 70% de ágio. Agora, vou processar essa declaração dele? Não, não interessa. Não vou perder tempo com isso, até porque nossa Justiça também anda de bicicleta quebrada e com o pneu furado.

Folha - Quais as características para ser um bom governante?
Ermírio de Moraes -
É difícil governar. Eu acho importante ter seriedade e competência. Precisa ter as duas coisas.

Folha - O Lula não pode ser sério e competente?
Ermírio de Moraes -
O problema é que ele nunca trabalhou na vida. O que ele fez até hoje? Quem o sustentou nos últimos 20 anos? Eu trabalho há 53 anos e nunca vi o Lula trabalhar.

Folha - O sr. teme que, caso Lula vença as eleições, que 800 mil empresários deixem o país, como afirmou o empresário Mário Amato, em 1989?
Ermírio de Moraes -
Não, hoje há um grau maior de entendimento no país. Aquilo foi um desespero do meu amigo Mário Amato. Acho que hoje ele não faria uma afirmativa dessa. Só espero que eles [do PT] tenham preparo para dirigir um país complexo como Brasil.



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