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ENTREVISTA
Empresário reafirma apoio a Serra, mas acredita que petista vencerá e teme redução dos investimentos externos
Lula está longe de ser estadista, diz Ermírio
Ormuzd Alves/Folha Imagem
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O empresário Antônio Ermírio de Moraes, durante entrevista à Folha em seu escritório na Votorantim, em São Paulo |
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O empresário Antônio Ermírio
de Moraes, 74, presidente do grupo Votorantim, disse ontem que
considera muito difícil uma recuperação do presidenciável tucano,
José Serra. Ele dá praticamente
como certa a vitória do candidato
do PT, Luiz Inácio Lula da Silva.
Mesmo assim, Ermírio de Moraes
disse que irá manter seu voto em
Serra. "Eu vou votar no Serra,
mesmo que ele chegue no último
lugar", disse o empresário.
Sobre a declaração de voto em
Lula feita pelo empresário Eugênio Staub, presidente da Gradiente, Ermírio de Moraes disse que
não tem nada contra, mas recrimina o fato de Staub ter chamado
Lula de estadista: "O Lula está
longe de ser um estadista".
Pessimista com a economia
num eventual governo do PT, Ermírio acha que Lula irá encontrar
muitas dificuldades, caso vença.
O grande problema, na sua opinião, é que o Brasil precisa de US$
25 bilhões a US$ 30 bilhões ao ano
de capital estrangeiro. "Será que
esse dinheiro virá com Lula?"
Folha - O que o sr. achou da decisão do empresário Eugênio Staub
de declarar seu voto ao Lula?
Antônio Ermírio de Moraes - Eu
não tenho nada contra ele votar
no Lula. Só não concordo com o
fato de Eugênio Staub chamar o
Lula de estadista. Isso é até uma
injustiça com os estadistas que
nós tivemos neste país. Ele pode
votar em quem quiser, mas o Lula
está longe de ser um estadista.
Tem muitos empresários agora
que, ao verem que o Lula está praticamente eleito no primeiro turno, estão mudando o voto. Eu vou
votar no Serra mesmo que chegue
no último lugar. Ele pode chegar
até atrás do Ciro, mas eu vou votar nele. Isso é uma questão de
princípio. Eu não sou vira-casaca
nem oportunista.
Folha - O sr. considera oportunismo anunciar agora o voto no Lula?
Ermírio de Moraes - Não sei. Cada um julgue por si mesmo, mas
chamar o "nosso amigo" de estadista, eu discordo totalmente.
Não é, e ele mesmo sabe que não
é. Se perguntar ao Lula, que é um
sujeito que tem experiência na vida, ele mesmo vai dizer que esse
elogio é gratuito.
Folha - Staub chamou o Lula de
estadista por considerá-lo o único
nome capaz de aglutinar governo,
empresários e trabalhadores em
torno de um projeto para o país.
Ermírio de Moraes - Só o tempo
dirá. O Fernando Henrique é um
estadista e não conseguiu. Não
conseguiu nem fazer a reforma da
previdência. E por quê? Porque o
Congresso não deixa. A reforma
da Previdência precisa ser aprovada no Congresso. Você acha
que o Lula terá a maioria no Congresso?
Folha - Mas o Fernando Henrique
conseguiu muita coisa no Congresso, até a reeleição.
Ermírio de Moraes - Isso é uma
injustiça que se faz. Sempre se fala
isso, mas a verdade é que o Congresso é difícil. O Fernando Henrique é um sujeito capaz, um sujeito com uma capacidade de argumentação muito boa. Não é por
estar saindo agora que vou fazer
críticas ao governo dele. Esses oito anos foram razoáveis para o
Brasil. O Brasil ganhou uma imagem muito melhor aqui e lá fora.
O problema é que o mundo inteiro está em recessão. Não é só o
Brasil. Começou no Japão, foi para os Estados Unidos e agora toda
a União Européia está em recessão. O único que se salva, por enquanto, é a China. O crescimento
do mundo inteiro está na faixa de
1% a 1,5%. Quando se cresce aqui
nesse nível, todo mundo acha que
o país está ladeira abaixo.
Folha - Como o sr. imagina o governo Lula, caso ele vença?
Ermírio de Moraes - Eu não imagino nada. Só peço a Deus que, se
ele for eleito, que o ilumine para
governar o Brasil. O Brasil precisa
de US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões por ano de dinheiro externo. Será que esse dinheiro virá? Se
você precisa de US$ 25 bilhões a
US$ 30 bilhões por ano e esse dinheiro não vem, o que vai acontecer? O dólar vai explodir, a inflação vai explodir, e aí você terá um
problema sério pela frente.
Folha - O sr. acha que essa alta do
dólar já é reflexo desse cenário?
Ermírio de Moraes - Eu não sei o
que está provocando essa alta do
dólar. Na minha opinião isso é especulação pura. E isso é ruim. Pode até ser medo do Lula. Eu condeno isso. Esse pessoal está pensando apenas em ganhar mais dinheiro e não está pensando no
país. Essa especulação é profundamente condenável. A nossa elite parece que não aprendeu nada.
Continua egoísta.
Folha - O sr. responsabiliza a elite
por essa alta do dólar?
Ermírio de Moraes - Em boa parte, sim. A elite que comanda essa
nação deveria ter muita responsabilidade pelo comando econômico e político da nação, mas parece
que ela não consegue se unir. A
especulação é mais forte. O interesse imediato é muito mais forte.
Folha - Para o sr., então, o Lula
não tem influência sobre essa alta
do dólar?
Ermírio de Moraes - Não se pode
dizer que ele é culpado. A especulação existe no mundo inteiro. Só
que, no mundo inteiro, as regras
são mais rígidas, e o especulador
vai parar atrás das grades. Aqui,
continua sendo homenageado.
Eu só espero que quem for eleito
pense mais no Brasil e menos no
seu partido. Não é só o partido
que vai salvar a nação. São os homens. O próprio Fernando Henrique não conseguiu no PSDB,
apesar do prestígio todo. O Congresso não aceita. A primeira coisa que o próximo presidente tem
de fazer é a reforma da Previdência. Por que razão um aposentado
do governo tem que ganhar 14,8
salários mínimos de aposentadoria, enquanto nós ganhamos 2,4
salários mínimos ? Um aposentado do governo ganha 10 vezes
mais do que um aposentado da
iniciativa privada que trabalhou a
vida inteira. Qual é a razão disso?
A primeira coisa a ser quebrada é
isso. O que esse aposentado que
ganha 14,8 salários fez de bom?
Pelo contrário. Quero ver quem
vai quebrar isso. Quero ver se o
próximo presidente consegue
quebrar isso. O Fernando Henrique não conseguiu.
Folha - O sr. já considera Lula com
um pé no Planalto?
Ermírio de Moraes - Eu acho que
a grande chance é essa. A saída do
ex-presidente da Petrobras Philippe Reichstul da Globo é um
mau sintoma para a campanha do
Serra. Desmontou a máquina. Eu
entendi que estava montado um
esquema macro de apoio a Serra.
O ex-presidente da Petrobras é
amigo íntimo do Serra. É muito
difícil o Serra se eleger. Com a saída de Reichstul da TV Globo, Serra perde um parceiro importante.
Folha - Uma crítica que o Eugênio
Staub faz é que o PSDB não ouve os
empresários. O sr. concorda?
Ermírio de Moraes - Será que o
Eugênio Staub não percebeu que
os empresários não são ouvidos
em lugar nenhum?
Folha - Staub diz também que o
PT ouve mais os empresários.
Ermírio de Moraes - Espera o Lula ser eleito. Esse papo antes da
eleição é uma coisa. Quero ver depois das eleições. Eu trabalho há
53 anos e nunca fui ouvido nesse
país. Tudo que fiz foi por vontade
própria, por acreditar no Brasil,
muito mais do que eles, políticos.
Folha - E por que os políticos não
ouvem os empresários?
Ermírio de Moraes - Talvez eles
não gostem da gente. Mas quem
cria empregos somos nós, não são
os políticos. Quem paga os impostos somos nós, não são os políticos. Claro que há coisas erradas
dos empresários no Brasil, mas,
de maneira geral, o empresário é
um sujeito sacrificado neste país.
Eu tenho total independência e
quero continuar sendo independente. Nunca me rastejei perante
o governo para pedir qualquer
coisa. Pelo contrário. Tomei foi
"cacetada", mas continuo de pé.
Folha - A que o sr. atribui esse desempenho de José Serra abaixo das
expectativas nas pesquisas?
Ermírio de Moraes - Para mim,
não é novidade. Mas, de qualquer
maneira, eu acho que ele é o mais
preparado de todos, só que ele
não tem... quer dizer, o carisma
dele, por enquanto, está em crise.
Folha - Acha que o Serra pode não
ter sido o melhor nome do PSDB?
Ermírio de Moraes - Não sei, isso
precisa ser perguntado ao Fernando Henrique, já que foi ele que
coordenou o processo das eleições.
Folha - Foi um erro o PSDB ter
partido para o ataque ao PT?
Ermírio de Moraes - Não é por aí.
Com todo o apoio que o Serra teve, ele nunca saiu desse patamar
de 20%. Foi o máximo que ele
conseguiu. Só peço a Deus que
aquele que se eleger presidente do
Brasil tenha pena deste país, que
realmente aja com princípios de
brasileirismo. Eu não vou apontar
os erros do Serra: seria um ato de
covardia apontar os erros da campanha neste momento em que ele
está descendo ladeira abaixo.
Folha - O sr. acredita numa reação da candidatura Serra?
Ermírio de Moraes - É muito difícil. Quanto tempo nós já temos da
campanha? Todo mundo dizia
que, quando entrasse a campanha
na TV, a candidatura do Serra iria
crescer. E não cresceu. Uma coisa
precisa ser dita. O marqueteiro do
Lula é excelente. Deus queira que
o Lula possa fazer aquilo que ele
prometeu na campanha. O Brasil
já está muito sofrido. Espero que
o governo dele seja iluminado por
Deus. O que vai acontecer é que,
num governo Lula, o Primeiro
Mundo vai olhar para o Brasil
com desconfiança. São anos, anos
e anos a favor dos sem-terra e
contra o capital estrangeiro.
Folha - O sr. teme um agravamento da recessão no Brasil ?
Ermírio de Moraes - Eu acho que
sim. Pode haver fuga de capital.
Os meus recursos lá fora são de
US$ 14 mil. E não vou mudar. Eu
duvido que tenha um empresário
no país de primeiro porte que tenha só US$ 14 mil no exterior. E
foi dinheiro que precisei mandar
para fora para pagar uma cirurgia
urgente do meu neto que nasceu
com paralisia total da artéria pulmonar. O dinheiro ficou lá para
uma emergência qualquer.
Folha - O sr. tem conversado com
os empresários?
Ermírio de Moraes - Eu não converso política com empresários.
Só acho que, numa hora dessas,
não se pode abandonar os amigos. Eu não faço isso.
Folha - A Votorantim ajudou os
candidatos?
Ermírio de Moraes - Nós ajudamos a todos. O princípio da Votorantim foi esse. Nós ajudamos a
todos os partidos, mas tudo registrado.
Folha - O sr. esteve com o Lula durante a campanha?
Ermírio de Moraes - Não, nenhuma vez.
Folha - E com o Serra?
Ermírio de Moraes - Poucas vezes. Eu gravei dois programas
com ele.
Folha - O sr. pretende ter algum
encontro com Fernando Henrique
para discutir a sucessão?
Ermírio de Moraes - Não, o destino dele está traçado. Depois, se ele
quiser vir tomar um cafezinho no
meu escritório, será um prazer. O
escritório dele ficará ao lado do
meu. O Fernando Henrique foi
um presidente que botou o Brasil
lá em cima. Ele é considerado por
todos. Só com o Bush que ele não
conseguiu um relacionamento assim tão aberto.
Folha - Qual é a sua avaliação do
governo Fernando Henrique?
Ermírio de Moraes - Eu prefiro fazer essa avaliação depois das eleições. O momento é muito delicado.
Folha - O presidente Fernando
Henrique não tem feito críticas ao
Lula. O sr. acredita na possibilidade de ele colaborar de alguma forma com o governo Lula, caso ele seja eleito?
Ermírio de Moraes - O Fernando
Henrique é um estadista. Ele tem
linha, tem compostura. Ele não
vai desancar ninguém.
Folha -O sr. não acredita numa
coligação do PT com o PSDB? Isso,
num eventual governo do PT, não
poderia injetar otimismo na economia?
Ermírio de Moraes - É muito difícil essa coligação. O grande problema são os radicais dentro do
próprio PT.
Folha - O sr. não acha que o PT pode ter mudado? O ser não acredita
no "Lulinha paz e amor"?
Ermírio de Moraes - Ah, que é isso? Meu pai dizia que um homem,
após os 20 anos, não muda de caráter. Eu acredito piamente no
conselho do meu pai. Tudo bem.
Só espero que, se for eleito, ele faça um bom governo.
Folha - A Votorantim irá manter
seus investimentos num eventual
governo do PT?
Ermírio de Moraes - Nós iniciamos este ano um investimento de
US$ 2,5 bilhões até 2004 e não vamos parar, seja qual for o governo. Nós nunca fugimos de nossa
responsabilidade de empresário.
Folha - O sr. guarda algum ressentimento do governo Fernando
Henrique ? O sr. perdeu a Vale do
Rio Doce na privatização?
Ermírio de Moraes - Não fiquei
ressentido por causa disso. São regras do jogo. O outro grupo ofereceu melhores condições. Um candidato ao governo do Estado de
São Paulo [ele se refere ao candidato Paulo Maluf, que não trata
pelo nome" disse recentemente,
querendo atingir o governador
Geraldo Alckmin, que nós recebemos a CPFL de graça. Isso é uma
tremenda idiotice desse suposto
candidato ao governo do Estado
de São Paulo. Nós concorremos
com quatro grupos estrangeiros e
ganhamos a CPFL com 70% de
ágio. Agora, vou processar essa
declaração dele? Não, não interessa. Não vou perder tempo com isso, até porque nossa Justiça também anda de bicicleta quebrada e
com o pneu furado.
Folha - Quais as características
para ser um bom governante?
Ermírio de Moraes - É difícil governar. Eu acho importante ter seriedade e competência. Precisa ter
as duas coisas.
Folha - O Lula não pode ser sério e
competente?
Ermírio de Moraes - O problema
é que ele nunca trabalhou na vida.
O que ele fez até hoje? Quem o
sustentou nos últimos 20 anos?
Eu trabalho há 53 anos e nunca vi
o Lula trabalhar.
Folha - O sr. teme que, caso Lula
vença as eleições, que 800 mil empresários deixem o país, como afirmou o empresário Mário Amato,
em 1989?
Ermírio de Moraes - Não, hoje há
um grau maior de entendimento
no país. Aquilo foi um desespero
do meu amigo Mário Amato.
Acho que hoje ele não faria uma
afirmativa dessa. Só espero que
eles [do PT] tenham preparo para
dirigir um país complexo como
Brasil.
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