São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ CAIXA DOIS

Polícia Federal tem indícios de que a Bônus-Banval, que operou para o caixa dois da legenda, via Marcos Valério, esquenta dinheiro para doleiros

Corretora ligada ao PT é suspeita de lavagem

MARIO CESAR CARVALHO
JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

A Polícia Federal tem indícios de que a corretora que operou para o PT, a Bônus-Banval, não faz só negócios oficiais na Bolsas de Valores e na BM&F (Bolsa Mercantil e de Futuros): a empresa lava recursos para doleiros, segundo o levantamento inicial dos policiais. A PF trabalha com duas hipóteses: 1) o esquema de caixa dois do PT ter sido alimentado por alguns desses doleiros; e 2) a Bônus-Bonval funcionar como uma espécie de caixa de compensação entre doleiros.
Pelo menos quatro doleiros conhecidos realizaram operações no mercado financeiro por meio da corretora. Dois são alvo das investigações da CPI do Mensalão: Nelma Cunha, de Santo André, e Carlos Alberto Quaglia, de Florianópolis. Um terceiro investigado pela CPI, Lucio Bolonha Funaro, também recorria à Bônus-Banval.
O advogado da Bônus-Banval, Antônio Sérgio de Moraes Pitombo, diz que "não se pode confundir a corretora com a conduta de alguns clientes". Para Pitombo, a empresa é alvo de campanha difamatória (leia mais na pág. A9).
Os primeiros indícios de que a corretora paulista tinha duas faces, uma legal e outra clandestina, foram descobertos pela PF e pelo Ministério Público Federal no curso das investigações sobre a quebra do Banco Santos, no ano passado. Entre os doleiros que uma empresa controlada pelo banqueiro Edemar Cid Ferreira usava para remeter recursos para o exterior, segundo a PF, apareceu a Bônus-Banval Participações, dos mesmos sócios da corretora.
O fato de a Bônus-Banval Corretora não ser sido usada na operação tem uma explicação simples, na visão dos policiais: ela está sob as leis da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que, em tese, exerceria uma fiscalização mais rigorosa. Já a empresa de participações não precisa dar satisfação a nenhum órgão regulador por eventuais negócios heterodoxos ou irregulares que faça.
A PF começou a desvendar o elo entre a Bônus-Banval e os doleiros ao investigar uma lista de pessoas que teriam recebido recursos da corretora, fornecida pela própria empresa. O primeiro susto dos policiais foi ouvir dos supostos beneficiados pelas aplicações que eles nunca tinham ouvido falar da Bônus-Banval. Tinham, sim, vendido dólares para doleiros. A suspeita dos policiais é que esses doleiros tinham transferido os dólares que compraram para a corretora numa operação de lavagem de dinheiro.
Um dos doleiros que apareceu na investigação da PF sobre a Bônus-Banval foi Dario Messer. Na última terça-feira, Antônio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, relatou à CPI dos Bingos e do Mensalão que Messer era o doleiro usado pelo PT para esquentar doações ilegais. As ordens de pagamento, de acordo com o doleiro, eram dadas pelo lobista Marcos Valério de Souza -ele nega as acusações.

"Eu confio em você"
O sistema usado por doleiros para remeter dinheiro para fora do país é conhecido internacionalmente por "hawala" -termo árabe que significa "eu confio em você". No Brasil, "hawala" é conhecido como dólar-cabo. Nesse sistema, não há documentos escritos; o que há é uma troca de créditos em moedas diferentes.
Por exemplo: um doleiro em São Paulo quer depositar US$ 1 numa offshore nas Bahamas. Ele entra em contato com um corresponde seu de lá, que faz o depósito no Panamá. O doleiro brasileiro registra um crédito para ele no valor correspondente. Quando o parceiro precisar mandar dinheiro para o Brasil, o doleiro de São Paulo faz o pagamento em reais para o cliente do doleiro panamenho, sem que haja remessa física de dinheiro.
O "halawa" é o inferno dos que investigam lavagem de dinheiro: não há documentos que provem a compensação. Esse sistema é usado por traficantes de drogas e terroristas. A Al Qaeda, de Osama Bin Laden, movimenta seus recursos usando esse método, segundo o governo dos EUA.

Doleira do ABC
Toninho da Barcelona apresentou na CPI uma nova personagem do mercado paralelo que operaria para o PT, segundo ele: Nelma Cunha, dona de uma casa de câmbio em Santo André. Ela teria feito operações em dólar para o PT quando Celso Daniel era prefeito da cidade, de 2000 a 2002.
Pode ser mera coincidência, mas Nelma foi cliente da Bônus-Banval. A corretora informa que Nelma perdeu muitos recursos nas suas aplicações. Perda, em mercado de dólar futuro, é uma das formas de transferir dinheiro de forma dissimulada para alguém que não quer ser identificado. Nesse investimento, o aplicador aposta numa tendência para o dólar -de alta, por exemplo. Se o dólar cai, ela perde -e quem apostou em queda sai ganhando.
A polícia acha que políticos ou partidos pode estar na ponta que saiu ganhando -seria a forma legal que a doleira usou para esquentar recursos.
O argentino Carlos Alberto Quaglia, um dos sócios da Natimar, é outro do mercado de dólares que aplicou na Natimar. A empresa informa que os R$ 6,5 milhões investidos pela Natimar na Bônus-Banval saíram do caixa de Marcos Valério - o que é negado tanto por ele quanto por Quaglia.
A lista de investidores que usavam a Natimar para investir na corretora inclui a mulher do doleiro Najun Turner, que foi usado pelo então presidente Fernando Collor em 1992 para tentar justificar recursos que recebera do esquema montado por seu tesoureiro Paulo César Farias.


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