São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000

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ELIO GASPARI

O desastre do Saeb pede fabricantes de arcas

Saíram os resultados do principal teste de avaliação do sistema educacional brasileiro, o Saeb. Eles revelam um desastre. A qualidade do sistema de ensino despencou em relação a 1997. Está pior do que em 1995.
O Saeb é composto por seis provas de português e matemática, aplicadas em estudantes dos ensinos fundamental e médio. A maior desgraça deu-se nos resultados de português. Na terceira série do ensino médio o índice caiu de 290 para 267, uma diferença de 23 pontos. Tombo igual deu-se na oitava série do curso fundamental, que foi de 256 para 233. As notas das escolas públicas caíram mais que as da rede privada e a distância entre as duas aumentou.
O teste do Saeb foi aplicado em 380 mil alunos de 7.000 escolas de 2.145 municípios. Convém ouvir uma advertência da professora Azuete Fogaça, da Universidade Federal de Juiz de Fora: "O Saeb não avalia o aluno. Ele avalia o sistema e o que ele mostra é um desastre do sistema".
Essa recomendação é útil para evitar a percepção de que os estudantes revelaram-se ignorantes. Adjetivar a garotada não melhora a qualidade da discussão.
Vai-se melhor adjetivando, como se queira, o andar de cima. Em 1997, o ministro Paulo Renato Souza, por exemplo, anunciou o seguinte: "O Saeb que vamos realizar em 1999 já vai refletir a melhora no desempenho dos alunos provocada pelo fundão". Referia-se ao Funcef, jóia da Coroa de sua administração, que levou recursos aos municípios e permitiu a melhora do salário dos professores. Refletiu coisa nenhuma. Nas três provas de português, só houve dois episódios de avanço entre 1997 e 1999 (Rio de Janeiro e Roraima). Em todas as outras provas, em todos os Estados, tanto nas escolas públicas como nas particulares, desceu-se. Nas provas de matemática o desastre foi um pouco menor. O desempenho das escolas municipais melhorou. Daí em diante, sobraram apenas exceções. Rio de Janeiro, Espírito Santo, Roraima e Amapá progrediram em dois índices. Os alunos do 3º ano do ensino médio deram a São Paulo seu único avanço.
Em 1992, quando os números do teste mais popular do sistema educacional americano caíram a níveis nunca vistos, uma comissão do governo produziu um relatório intitulado "Uma Nação em Perigo". O desastre levou a uma mobilização nacional e o presidente Bill Clinton conseguiu anunciar que já se voltou ao normal na matemática. Diante do susto, inúmeros empresários foram ver o que podiam fazer para ajudar o país e Louis Gerstner Jr., presidente da IBM, meteu-se numa experiência denominada Escolas para o Próximo Século (Next Century Schools). Entre as suas muitas iniciativas, criou um dístico no qual informava: "Chega de prêmios para quem diz que vai chover. Vamos premiar quem fabrica arcas".
É isso que o desastre do Saeb está pedindo.
Infelizmente, a primeira reação dos sábios foi atribuir a queda dos índices à entrada dos jovens pobres nas escolas. Ninguém tirará ao governo de FFHH esse mérito. Em cinco anos, aumentou em 4 milhões o número de matrículas. O governador Mário Covas, em São Paulo, abriu 600 mil novas vagas nas escolas de nível médio.
O raciocínio parece simples e certo: os jovens pobres puxaram a média para baixo e é melhor ter média baixa com os pobres na escola do que tê-la alta sem eles. Pena que não se possa acreditar inteiramente nessa explicação. Os índices caíram tanto nas provas do ensino médio (onde entraram os pobres) quanto nas do fundamental (onde eles já estavam). Caíram também, pouco, nas escolas particulares (onde nunca estiveram).
A segunda condição pressupõe que se evite passar o balde para os estudantes. É isso que se faz quando se atribui a derrubada dos índices aos jovens pobres.Os pobres não entraram nas escolas disfarçados de ricos. Como não há maneira de transformar criança pobre em criança rica, é melhor trabalhar para que o sistema educacional consiga ensinar ao pessoal do andar de baixo.
A terceira viga da arca poderia ser uma reavaliação do funcionamento dos mecanismos de aceleração e de combate à repetência. Os maus números do ensino médio sugerem a possibilidade dele ter recebido alunos que não aprenderam o que deviam. Isso para não falar nas feitiçarias. Em Tabocas do Brejo Velho, na Bahia, a taxa de aprovação no ensino fundamental foi de 100,9%. Dos 415 municípios do Estado, 96 tiveram taxas de aprovação superior a 90% no ensino médio. Na matemática do 3º ano desse ciclo a Bahia levou um tombo de 42 pontos. Suas notas caíram 23 pontos, na média.
A idéia de evitar a repetência, bem como a de acelerar os cursos para que os alunos fiquem em séries de suas faixas etárias, é ótima, desde que haja a contrapartida de um ensino melhor. Aquilo que um garoto não aprende em um ano numa má escola, não haverá de aprender em seis meses numa escola ruim. Transforma-se uma boa idéia num turbinamento. Dobra-se a velocidade e multiplicam-se os desastres.
Sem os fabricantes de arcas, o Saeb virará um anacronismo. A cada dois anos, informará que choveu.


Boa prova

Um pequeno fato que leva água para aqueles que acreditam que faltam ao ministro Pedro Malan "o engenho e a arte" para se candidatar a presidente da República:
Há poucas semanas ele recebeu o presidente mundial da Coca-Cola.
No meio da conversa, informou-o de que não gosta do sabor de sua marca de refrigerante.
Em tempo: Malan é uma das pessoas mais bem educadas que já passou por Brasília.


Olho de cego

A choldra pouco pode fazer para se ver livre de candidatos que tomam dinheiro de empresários por baixo do pano. Isso não significa que, além de enganada, tenha que ser tratada como uma patuléia cretina.
Desde que aflorou a planilha com o caixa-dois da campanha de FFHH na eleição de 1998, o oficialismo tem sustentado que nada há de estranho na tomação, visto que se trata de uma prática generalizada. O mais audacioso defensor dessa linha de raciocínio tem sido o líder do governo no Congresso, deputado Arthur Virgílio. Numa segunda investida, ele ameaçou os partidos oposicionistas: "Agora vai ser olho por olho".
Dando nome aos cegos: ele ameaça revelar maracutaias nas prestações de contas do PT. Pois não deveria ameaçar, deveria denunciar.
A idéia de que o caixa-dois de PSDB-PFL se justifica pela existência das caixas alheias não se destina a restabelecer a moralidade, mas a preservar a imoralidade.


As reservas só existiam na propaganda

Deve-se ao repórter Celso Pinto e à política de transparência que o doutor Armínio Fraga vem impondo aos números do Banco Central a descoberta de uma das maiores mistificações já impostas ao país. Coisa simples: no início de janeiro do ano passado, quando o governo dizia que tinha perto de US$ 40 bilhões de reservas internacionais para enfrentar um ataque ao real, sua caixa estava a menos da metade disso. Atacado, ficou com menos de US$ 12 bilhões, dinheiro que poderia se acabar num prazo de dois a sete dias. O populismo cambial quebrara o país.
As reservas oficiais não existiam porque o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, (com o conhecimento do ministro da Fazenda, Pedro Malan) tentara repetir a mágica que fizera na segunda metade de 1997. Operara no mercado futuro de dólares. Sustentara artificialmente o valor dos títulos brasileiros no exterior e injetara dólares no Banco do Brasil para garantir as linhas de crédito externo. Deu errado. Quando Demósthenes Madureira de Pinho, ex-diretor do BC, disse no Congresso que o Brasil correu o risco de ter que pedir uma moratória, estava dizendo a pura verdade.
A revelação do embuste mostra que nesses dias FFHH teve um de seus melhores momentos, pelo qual não tem recebido o crédito merecido. Foi FFHH quem resolveu demitir Gustavo Franco. Fez isso sabendo que ele se dispunha a comandar a desvalorização. Foi FFHH quem forçou a elevação do teto da desastrosa banda endógena para 8,9%. Malan queria uma percentagem menor. O pouco que se fez de certo naqueles dias deveu-se a ele.
A revelação feita por Celso Pinto leva a uma pergunta: quem quer brincar de Banco Central independente? Quem quiser faça uma lista com os nomes dos últimos dez ocupantes de sua presidência e tente escolher pelo menos três aos quais daria a autonomia que FFHH e Malan deram a Gustavo Franco.


A reforma tributária já aconteceu

Ao contrário do que se diz por aí, o governo de FFHH já fez um bom pedaço da reforma tributária. Cálculos feitos pelo Unafisco demonstram que ela produziu um aumento de pelo menos R$ 600 milhões na arrecadação, tomando dinheiro de algo como 2 milhões de pessoas. Do andar de baixo, é óbvio.
A reforma foi produto da astúcia. Sem mexer na tabela das faixas de rendimentos desde 1995, o governo trouxe para dentro da malha do Imposto de Renda pessoas que nada ou pouco pagavam. Tendo-as capturado, meteu-lhes a faca.
Para acompanhar essa malandragem, pode-se seguir o exemplo da clínica veterinária do doutor Fernando. Nela trabalham Pedro, de quem gosta muito, Everardo, em relação ao qual é neutro, e Ciro, a quem detesta.
Em 1995, quando abriu a clínica, Fernando tirava para si R$ 20 mil por mês e pagava R$ 1.300 a cada empregado. Todos tinham um dependente e seus planos de saúde lhes custavam R$ 200 por mês. Nenhum dos três pagava Imposto de Renda.
Pedro teve sua remuneração corrigida pelos índices do salário mínimo (51%) e ficou com R$ 1.963. Como a tabela não foi corrigida, paga R$ 1.128 de imposto. Ficou com uma carga tributária equivalente a 4,8% de sua renda. (Se a tabela tivesse sido corrigida, pagaria apenas R$ 622, com uma carga de 2,64%).
Everardo, em relação quem Fernando tem sentimentos neutros, teve o salário corrigido pela falecida Ufir, a taxa de indexação que a Receita Federal usa para atualizar o tamanho de sua arcada dentária (28,4%). Seu salário passou a ser de R$ 1.670. Tomam-lhe R$ 600 por ano. Sem a reforma tributária, tomariam R$ 93. Enquanto a carga de Pedro, que ficou com o melhor salário, não chegou a duplicar, a de Everardo sextuplicou (de 0,5% para 3%).
Ciro, o detestado, teve o seu salário corrigido apenas em metade da variação da Ufir (14,2%). Ficou com R$ 1.484 de salário e tomam-lhe R$ 267, dinheiro equivalente a cinco dias de trabalho por ano. Com a correção, não lhe tirariam um só ceitil. Foi um beneficiado pelo processo de inclusão tributária.
Finalmente, é o caso de ver o que aconteceu com o doutor Fernando.
Ganhando R$ 20 mil por mês, paga R$ 60.240 de Imposto de Renda. Apenas R$ 1.311 mais do que pagaria com a tabela corrigida. Sua carga tributária aumentou em apenas 0,55% (dois dias de trabalho por ano).


Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música e pensa que caixa-dois é nome de tambor. Habitualmente ela concede bolsas de estudo aos desafortunados do idioma. Desta vez ela indignou-se ao descobrir que o governo do Rio de Janeiro deu o nome de "Restaurante Popular Herbert de Souza" à sua sacrossanta iniciativa de vender comida ao preço de R$ 1.
Natasha acredita que, por pernosticismo, não quiseram dizer o seguinte:
"Restaurante do Betinho".
Esqueceram a lição deixada por Carlos Lacerda. Ele governava o Rio e foi inaugurar uma escola, batizada em homenagem ao grande poeta indiano. Chegou lá e leu: "Escola Rabindranath Tagore". Espinafrou os marqueses perguntando-lhes quantas vezes na vida chamaram Tagore de Rabindranath. A escola chamou-se Tagore.


Curiosidade

A ekipekonômica já tirou o time de campo nas suas previsões de crescimento econômico superior a 4% neste ano. Contenta-se com algo em torno disso e torce para repetir o desempenho no ano que vem.
Vai para a geladeira a previsão de FFHH, feita em abril. Ele dizia que o crescimento de 4% era um "piso": "Chegou a hora de colher frutos. Daqui por diante, é desenvolvimento, bem-estar e prosperidade".
Para quem, Grande Chefe Branco?
Mantendo-se essas taxas de crescimento, completa-se um período de 21 anos ao longo dos quais o país cresceu, na média, a taxas inferiores a 3% ao ano.
Nos sete anos de FFHH a economia terá crescido numa média de 2,73% ao ano. Nos sete anos anteriores ao seu reinado essa taxa ficou em 1,4%. De 1981 a 1987, esse índice foi de 2,46%.


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