São Paulo, quinta, 26 de novembro de 1998

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JANIO DE FREITAS
Bonitinha, mas ordinária

Como sempre neste governo, há a versão oficial, bonitinha, que prevalece na maioria dos jornais e televisões. Sua origem nem sempre é palaciana. Em geral, provém da interessante combinação das imaginações palacianas com as falsamente jornalísticas.
A parte mais recente do caso dos grampos na versão bonitinha oferece uma gentil narrativa da demissão quádrupla. Um estalo indicou a Luiz Carlos Mendonça de Barros que só com a sua e a demissão de André Lara Resende "isso teria fim". "Isso" são as publicações pelos jornais e revistas. Lara Resende dispôs-se a ceder à contra-argumentação de Fernando Henrique, mas o outro Mendonça de Barros, José Roberto, levantou a resistência.
Argumento para a demissão: o PFL e PMDB não defenderam Luiz Carlos nem no Senado, e, pior ainda, o teor das gravações foi servido aos jornalistas por gente do próprio Planalto (parlamentares do PSDB têm dito que Luiz Carlos lhes citou o nome de Eduardo Jorge, outros dizendo que ainda acrescentou o de Clóvis Carvalho, do Gabinete Civil).
A versão oficial não resiste. André Lara Resende é, com toda certeza, o mais abalado pelo episódio. Mesmo sem conhecer as famílias dos demais, é possível ter certeza de que não podem estar mais sensibilizadas que a de André. Sobre essa situação, recaíram os jornais e revistas do fim-de-semana. E, com efeito particular, um achado cruel, como costumam ser esses achados humorísticos, de Agamenon Mendes Pedreira, ficção esplêndida proveniente do esplêndido Casseta & Planeta.
Agamenon, parodiando o título da peça de Nelson Rodrigues "Bonitinha mas Ordinária ou Otto Lara Resende", lançou num alto de página muito dominical: "Bonitinho mas ordinário ou André Lara Resende". Alguém dizer, depois disso, que Lara Resende era o disposto a continuar aceitando a avalanche, e que a demissão era puxada pelo arrogante Luiz Carlos, é mais do que pobreza de imaginação.
José Roberto demitiu-se em solidariedade ao irmão. Mas Luiz Carlos Mendonça de Barros e André Lara Resende não saíram do governo por causa do PFL ou do PMDB, muito menos porque "o líder do governo no Senado, Élcio Álvares, ficou de costas para Luiz Carlos no Senado". Essa historieta é de um profundo ridículo. Os dois se demitiram porque a cada dia se viam comprometidos em mais revelações e a cada dia se mostravam menos capazes de inocentar-se. Também a cada dia, as consequências disso mais cresciam nos jornais.
Às versões que os governistas têm que produzir, com frequência, não lhes falta, jamais, o pormenor desastroso. No caso, para dar um reforço ao motivo fútil da zanga dos demissionários com o PFL e o PMDB, a versão oficial encampou a divulgação das fitas por gente do Planalto. Foi o instante de veracidade da versão bonitinha, mas ordinária. Esse instante, porém, não se dissipará com a mesma velocidade. Vai render.



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