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Fórum Social/Fórum Econômico
DIÁLOGO POSSÍVEL?
Dinheiro viria dos países do G-7 e de grandes investidores; para Clinton, custo seria "modesto"
Em Davos, Lula propõe fundo internacional contra a fome
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva propôs ontem um "pacto
mundial pela paz e contra a fome", cujo primeiro passo seria a
criação de um "fundo internacional para o combate à miséria e à
fome nos países do Terceiro Mundo, constituído pelos países do G-7 e estimulado pelos grandes investidores internacionais".
A proposta foi apresentada durante o discurso de Lula em sessão
plenária do encontro anual 2003
do Fórum Econômico Mundial e
teve consequência imediata.
Klaus Schwab, o empresário e
professor suíço que preside o fórum, conversou com Lula sobre a
criação de uma força-tarefa conjunta Davos/Porto Alegre para estudar detalhes para a implementação do fundo.
O ex-presidente norte-americano Bill Clinton, que também conversou ontem com Lula, classificou a proposta de "uma boa idéia,
consistente com a declaração de
Doha e com a tese de que os países
ricos devem gastar mais dinheiro
para ajudar os países pobres".
A declaração de Doha é o documento final da Conferência Ministerial da Organização Mundial
do Comércio, realizada na capital
do Qatar, e que decidiu pela realização de nova rodada de negociações comerciais, voltada justamente para o desenvolvimento.
Clinton afirmou que o custo seria modesto, a julgar pela avaliação dos gastos com uma série de
programas sociais a favor de países pobres.
Já Nancy Birdsall, especialista
em programas de combate à pobreza, enquanto foi funcionária
do Banco Mundial, defendeu o
conceito (reduzir as assimetrias
entre ricos e pobres), mas criticou
o instrumento (novo fundo). "É
melhor aperfeiçoar os mecanismos já existentes no Banco Mundial e no próprio Fundo Monetário Internacional", acha Birdsall,
hoje presidente do Centro para o
Desenvolvimento Global (EUA).
O discurso de Lula em Davos foi
coerente com a sua idéia original
de construir uma ponte entre os
fóruns da Suíça e de Porto Alegre.
"(A ponte) não é uma idéia nova,
mas, para dar certo, é preciso algo
concreto. O fundo é uma coisa
concreta que pode ser discutida
pelos dois fóruns", disse depois o
presidente, em uma conversa informal com um grupo de jornalistas brasileiros.
O discurso e os encontros em
Davos renderam outros dividendos. Bill Gates, o legendário dono
da Microsoft, discutiu com o presidente brasileiro a criação no
Brasil de pólos de desenvolvimento de software (programas de
computadores), claro que financiados pela Microsoft ou pela
Fundação Bill e Melinda Gates.
Seria uma empreitada semelhante à que a Índia vem desenvolvendo com êxito há algum tempo.
Além de um possível investimento, Gates se disse disposto a
doar software para escolas, bibliotecas e outros organismos públicos. Anunciou que um emissário
seu irá em breve ao Brasil para
discutir os detalhes.
Por fim, o megainvestidor
George Soros, que havia dito à Folha em junho que o eleitorado
brasileiro seria forçado pelos
mercados financeiros a escolher
entre José Serra, candidato do governo, e o caos, agora está disposto a ajudar Lula.
Discutiu com o presidente brasileiro não o fundo internacional
por ele proposto, mas um equivalente exclusivamente no Brasil.
"O senhor pretende investir
nesse fundo?", perguntou a Folha
a Soros: "É preciso separar as coisas. Eu tenho uma fundação e tenho investimentos. Investimentos são estritamente para lucro".
Além do "pacto mundial pela
paz e contra a fome", o discurso
de Lula foi muito mais Porto Alegre que Davos, como, de resto, já
ocorrera na noite anterior, em sua
fala no "Jantar Iberoamericano".
É verdade que Lula voltou a citar a Carta ao Povo Brasileiro, na
qual o PT se comprometeu a respeitar contratos, manter a inflação sobre controle e o equilíbrio
fiscal -todos itens sagrados para
os investidores.
É igualmente verdade que jogou
a isca da ampliação da infraestrutura no Brasil, "com a participação de capitais estrangeiros".
Mas a essência da fala foi ou social ou de crítica às desigualdades
tanto no plano interno como entre países.
Exemplo: "Mais de dez anos
após a derrubada do Muro de
Berlim, ainda persistem muros
que separam os que comem dos
famintos, os que têm trabalho dos
desempregados, os que moram
dignamente dos que vivem na rua
ou em miseráveis favelas, os que
têm acesso à educação e ao acervo
cultural da humanidade dos que
vivem mergulhados no analfabetismo e na mais absoluta alienação". Criticou duramente o protecionismo dos países ricos: "De nada valerá o esforço exportador
que venhamos a desenvolver se os
países ricos continuarem a pregar
o livre comércio e a praticar o protecionismo".
Acrescentou, já na fase de perguntas e respostas: "Podem ficar
certos de que vocês vão ouvir falar
muito de um presidente briguento e que defende os interesses de
seus país. Não queremos ser tratados como cidadãos de segunda
categoria. Respeito é bom, nós damos e gostamos de receber".
Terminada sua experiência no
Fórum de Davos, motivo de polêmica no PT e em círculos ligados
ou simpáticos ao partido, Lula
ironizou: "O fantástico é que vou
voltar para o Brasil e meus companheiros do Fórum Social Mundial vão perceber que estou voltando inteiro, ninguém comeu
nenhum pedaço de mim. E o Lula
não comeu nenhum pedaços deles (o pessoal de Davos)". Foi prolongadamente aplaudido.
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