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JANIO DE FREITAS
Os milhões que não saem do bolso
A investigação das despesas cobertas por cartão de crédito precisa ir muito além do exame de autenticidade
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A INVESTIGAÇÃO do uso de cartões de crédito funcionais pelos ministros e pelo vastíssimo dispositivo da Presidência da
República não é a primeira decidida,
nesse sentido, pela Procuradoria
Geral da República, mas traz duas
novidades. De uma parte, reflete e
comprova o total desinteresse do
governo, em especial o da Presidência, por reprimir o uso abusado de
dinheiro público nos seus altos níveis; de outra, promete as conseqüências a que não chegaram as iniciativas anteriores.
No começo do ano passado, o Tribunal de Contas da União concluiu
auditoria, pedida pela Procuradoria
da República, no uso de cartões crédito proporcionados a funcionários
da Presidência, para despesas de
serviço nos anos de 2003 a 2005. O
relatório do ministro Ubiratan
Aguiar ofereceu constatação clara:
na parte examinada das despesas,
28% das notas fiscais e outros alegados comprovantes estavam adulterados. Os valores foram aumentados
até em mais de dez vezes. Órgão de
assessoramento para a obrigação do
Congresso de fiscalizar os gastos governamentais, o tribunal aprovou
recomendações que a Presidência
prometeu adotar. Mas promessa
com duas ressalvas.
A primeira, como uma forma de
aplauso para a improbidade, considerando que o relatório era positivo
para a Presidência por concluir, a
despeito das adulterações furtantes,
que os serviços foram reais. A outra,
de que o conjunto das despesas com
cartões da Presidência não poderia
ser detalhado para exame, por incluir gastos sigilosos da Abin, a
Agência Brasileira de Inteligência,
quer dizer, de informação.
Passado quase um ano das recomendações que seriam adotadas,
pequeno trecho do repórter Lucas
Ferraz, na Folha da última quarta-feira, resume o resultado: além de
serviços e em viagens feitas ou incomprovadas, os cartões de crédito
do governo "foram usados em
2007 para pagar despesas em loja
de instrumentos musicais, veterinária, óticas, choperias, joalherias
em free shop". Os dados a respeito
foram colhidos no site da própria
Controladoria Geral da União. Em
tempo: a despesa em "free shop" de
aeroporto foi da ministra Matilde
Ribeiro, da Igualdade Racial (o que,
vê-se, não inclui aspectos financeiros), que só usou o cartão governamental em outubro passado "por
engano", e só ressarciu o Tesouro
neste janeiro, quando "o engano"
foi verificado, "por esquecimento".
Cerca de 95% das despesas do seu
ministério com cartão foram feitas
pela própria Matilde Ribeiro, recordista de tais gastos no chamado
primeiro escalão.
Outro resultado -o monetário-
da maneira como o governo cumpriu as recomendações do TCU: de
2006 para 2007, o gasto governamental com cartões de crédito subiu de R$ 33 milhões para R$ 75,6
milhões. A Abin vem em socorro
outra vez: foram seus gastos sigilosos com o Pan, diz a Presidência,
que provocaram o aumento do total. Impossível. O aumento foi de
129%, muito além do que a Abin
poderia gastar a pretexto do Pan,
no qual não pressentiu nem a vaia
com que os cariocas retribuíram a
Lula os quatro anos de cofres fechados para o Estado do Rio e sua
capital.
Desvincular os gastos da Abin é a
providência óbvia e necessária. O
que não se justifica é que os gastos
ditos sigilosos de um setor prejudiquem o conhecimento público dos
gastos da Presidência. Mas, com ou
sem Abin, a investigação das despesas cobertas por cartão de crédito precisa ir muito além do exame
de autenticidade, ou não, de notas
fiscais, como foi a auditoria do
TCU. Tanto mais que os cartões de
crédito não são o único recurso
posto à disposição dos servidores
autorizados a gastos: mais de R$
100 milhões em dinheiro somaram-se ao gasto com cartões. É
muito dinheiro à vontade do freguês.
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