São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2000


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JANIO DE FREITAS

Arremedo de país

O tamanho de um país, orgulho dos brasileiros, não vale nada -os suíços que o digam. Estados Unidos e Brasil se equivalem em tamanho, até nos recursos territoriais, e, no entanto, um é o dominador, e o outro, o dominado. O tamanho não importa, mas ilude. De repente, porém, basta um Calabi qualquer cair do galho e, pronto, o país grandalhão cai no seu tamanho verdadeiro. Mostra as dimensões que não enxerga em si mesmo.
E quem é esse tal Calabi que caiu? Ninguém. Alguém que nunca fez ou disse alguma coisa que merecesse ser notada. Do qual jamais se esperou o que não fez nem faria, mesmo. Apenas mais um elemento da patota de paulistas federais citado, como quase todos, em histórias de negócios suspeitosos. Entre os mais recentes, um contrato questionado com o Jari de lastimáveis memórias, manobras para um grupo ultranegocista de São Paulo e outras dessas gracinhas muito em moda.
O tal Calabi chegara ao BNDES com a declaração de que o banco se dedicaria a promover grandes fusões. Pegou mal, porque ficaram visíveis as impressões digitais do grupo ultranegocista, e logo uma declaração substituta anunciava apoio ao crescimento das empresas brasileiras. Nada foi além da boca e da xaropada das ilegíveis páginas econômicas. Calabi continuou sendo ninguém.
Assim como chegou, foi-se. E então o país aproveitou para se mostrar, mais uma vez, no seu tamanho verdadeiro. Em nenhum outro um acontecimento tão banal, tão insignificativo, se tornaria manchete de toda a imprensa nacional. Por dois dias, por três em televisões e grande parte dos jornais. Páginas e páginas e mais páginas desde o começo da semana. Como se houvesse um grande acontecimento. Para não fugir ao espeto de pau: nesta Folha de tantos feitos, todas as páginas de notícia do Brasil ainda foram ocupadas, já na quinta-feira, pela substituição do tal Calabi. Dez páginas.
Só em país muito miúdo, muito chinfrim, a exoneração do presidente de um banco, presidente e banco sem a menor expressão nas circunstâncias, pode ocupar maior espaço e tempo da mídia. E só no Brasil ocupar tanto tempo e tanto espaço. Um país alienado, em todos os sentidos da palavra. Nesse país idiotizado a saída de um presidente de banco estatal tem a dimensão que o exterior dá à morte do papa, à renúncia forçada de um Nixon, a um fato gigantesco como a queda do Muro de Berlim.
E o que são o BNDES e o seu presidente? Um banco estatal e um funcionário que deve dirigi-lo segundo a orientação do ministério a que a entidade se subordina. Terceiro nível de governo e olhe lá -caso houvesse política industrial, o que exigiria a existência de um governo com programa de ação. No Brasil só existe programa de inação: tudo ameaça a estabilidade do real.
A lógica é precisa: um Calabi ganha importância porque os empresários são calabis, os intelectuais são calabis, os políticos são calabis, o Brasil é um país de calabis. Ou melhor, é um território de calabis, que país é outra coisa muito diferente.


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