São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2000


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ENERGIA NUCLEAR

Brasil só tem depósitos provisórios; incerteza sobre lixo atômico pode adiar a inauguração
Angra-2 deve iniciar operação em março

MARCELO LEITE
enviado especial a Angra dos Reis

A data está marcada: 15 de março. Este foi o último prazo fixado pela Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear) para liberar a autorização aguardada pela empresa Eletronuclear antes de dar partida no reator de Angra-2, em Angra dos Reis (RJ).
Com o sinal verde da Cnen, inicia-se a carga do reator. Cem toneladas de pastilhas cerâmicas de urânio enriquecido, acondicionadas em 49.408 varetas de zircônio, serão transferidas para o núcleo, dentro de um recipiente de aço com 25 cm de espessura.
Iniciada a reação em cadeia, o núcleo passa a produzir calor. Um mês a 35 dias serão então consumidos em testes e verificações de segurança. Se bem-sucedidos, no final de abril poderia começar a geração de energia elétrica. A experiência, contudo, mostra que esse prazo tende a dilatar-se: no caso de Angra-1, entre carga e geração comercial transcorreram mais de três anos.

R$ 12 bilhões
O mundo está desembarcando da energia atômica (veja gráfico), e o Brasil ainda tropeça para dar o segundo passo num projeto que, como poucos, merece o adjetivo "faraônico". Angra-2 esteve duas décadas em construção, ficou pronta com 16 anos de atraso e custou R$ 12 bilhões, mas a energia que vai produzir cobrirá somente 38% do investimento. A diferença, R$ 7,5 bilhões, é subsídio para uma energia que ninguém quer perto de casa.
Assim como Angra-1, só que 19 anos depois, a usina vai ser inaugurada sem que se saiba o destino dos rejeitos radiativos (leia texto abaixo). Do ponto de vista da segurança operacional, contudo, Angra-2 se beneficia do atraso.
Projeto e equipamentos pesados são velhos de 16 anos, mas toda a instrumentação -os equipamentos e sensores que controlam o comportamento do reator- foi fabricada em 1997.
A superioridade é reconhecida até por críticos radicais da energia nuclear, como o Greenpeace. "Angra-2 é mais avançada que Angra-1, sem dúvida alguma", diz Ruy de Goes, coordenador da campanha nuclear da organização não-governamental.
Obviamente, a ONG é contrária à operação da usina. Goes concorda que a probabilidade de acidente é muito baixa, mas, se acontecer, a magnitude de seus efeitos seria enorme. Isso torna o risco inaceitável, argumenta o geólogo.
Segundo Goes, a França é o único país desenvolvido que não está diminuindo sua dependência da energia nuclear. Na Suécia, a população decidiu por plebiscito iniciar o fechamento de centrais.

Plano de emergência
Dentro da central, o universo é da engenharia. Tudo tem solução e prevenção, ou parece ter; nada, em princípio, escapa ao controle. Uma esfera de aço com 60 m de diâmetro e 3 cm de espessura, o vaso de contenção, constitui um monumento a essa mentalidade (por falta dele foi tão grave o acidente de Chernobyl, em 1986).
A profusão de equipamentos cria um ambiente Guerra nas Estrelas. São 2.600 km de cabos, 1 milhão de conexões elétricas, 3 milhões de itens de tubulação. Cada componente vem identificado por um número, que remete ao banco de dados com cerca de 10 milhões de entradas. A partir dele pode ser levantadas história e procedência de cada peça, quem montou, soldou, testou etc.
O conceito mais importante, por ali, é "redundância quádrupla". Todo equipamento funciona com quatro unidades, duas para operação e duas de reserva. Até uma sala de controle alternativa, fora do prédio do reator, mas também resistente a terremotos, foi construída. Mesmo que a original seja inutilizada, haveria ainda como tentar inundar o reator, para resfriá-lo.
Nunca se desfaz, porém, o espectro da magnitude. Caminhando ao lado do bunker, o próprio diretor de construção da Eletronuclear, Evaldo Césari de Oliveira, comenta: "Por que uma usina nuclear tem plano de emergência? Porque tudo isso pode falhar".


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