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ENERGIA NUCLEAR
Brasil só tem depósitos provisórios; incerteza sobre lixo atômico pode adiar a inauguração
Angra-2 deve iniciar operação em março
MARCELO LEITE
enviado especial a Angra dos Reis
A data está marcada: 15 de março. Este foi o último prazo fixado
pela Cnen (Comissão Nacional de
Energia Nuclear) para liberar a
autorização aguardada pela empresa Eletronuclear antes de dar
partida no reator de Angra-2, em
Angra dos Reis (RJ).
Com o sinal verde da Cnen, inicia-se a carga do reator. Cem toneladas de pastilhas cerâmicas de
urânio enriquecido, acondicionadas em 49.408 varetas de zircônio,
serão transferidas para o núcleo,
dentro de um recipiente de aço
com 25 cm de espessura.
Iniciada a reação em cadeia, o
núcleo passa a produzir calor. Um
mês a 35 dias serão então consumidos em testes e verificações de
segurança. Se bem-sucedidos, no
final de abril poderia começar a
geração de energia elétrica. A experiência, contudo, mostra que
esse prazo tende a dilatar-se: no
caso de Angra-1, entre carga e geração comercial transcorreram
mais de três anos.
R$ 12 bilhões
O mundo está desembarcando
da energia atômica (veja gráfico),
e o Brasil ainda tropeça para dar o
segundo passo num projeto que,
como poucos, merece o adjetivo
"faraônico". Angra-2 esteve duas
décadas em construção, ficou
pronta com 16 anos de atraso e
custou R$ 12 bilhões, mas a energia que vai produzir cobrirá somente 38% do investimento. A
diferença, R$ 7,5 bilhões, é subsídio para uma energia que ninguém quer perto de casa.
Assim como Angra-1, só que 19
anos depois, a usina vai ser inaugurada sem que se saiba o destino
dos rejeitos radiativos (leia texto
abaixo). Do ponto de vista da segurança operacional, contudo,
Angra-2 se beneficia do atraso.
Projeto e equipamentos pesados são velhos de 16 anos, mas toda a instrumentação -os equipamentos e sensores que controlam o comportamento do reator- foi fabricada em 1997.
A superioridade é reconhecida
até por críticos radicais da energia
nuclear, como o Greenpeace.
"Angra-2 é mais avançada que
Angra-1, sem dúvida alguma", diz
Ruy de Goes, coordenador da
campanha nuclear da organização não-governamental.
Obviamente, a ONG é contrária
à operação da usina. Goes concorda que a probabilidade de acidente é muito baixa, mas, se acontecer, a magnitude de seus efeitos
seria enorme. Isso torna o risco
inaceitável, argumenta o geólogo.
Segundo Goes, a França é o único país desenvolvido que não está
diminuindo sua dependência da
energia nuclear. Na Suécia, a população decidiu por plebiscito
iniciar o fechamento de centrais.
Plano de emergência
Dentro da central, o universo é
da engenharia. Tudo tem solução
e prevenção, ou parece ter; nada,
em princípio, escapa ao controle.
Uma esfera de aço com 60 m de
diâmetro e 3 cm de espessura, o
vaso de contenção, constitui um
monumento a essa mentalidade
(por falta dele foi tão grave o acidente de Chernobyl, em 1986).
A profusão de equipamentos
cria um ambiente Guerra nas Estrelas. São 2.600 km de cabos, 1
milhão de conexões elétricas, 3
milhões de itens de tubulação. Cada componente vem identificado
por um número, que remete ao
banco de dados com cerca de 10
milhões de entradas. A partir dele
pode ser levantadas história e
procedência de cada peça, quem
montou, soldou, testou etc.
O conceito mais importante,
por ali, é "redundância quádrupla". Todo equipamento funciona com quatro unidades, duas para operação e duas de reserva. Até
uma sala de controle alternativa,
fora do prédio do reator, mas
também resistente a terremotos,
foi construída. Mesmo que a original seja inutilizada, haveria ainda como tentar inundar o reator,
para resfriá-lo.
Nunca se desfaz, porém, o espectro da magnitude. Caminhando ao lado do bunker, o próprio
diretor de construção da Eletronuclear, Evaldo Césari de Oliveira, comenta: "Por que uma usina
nuclear tem plano de emergência?
Porque tudo isso pode falhar".
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