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CELSO PINTO
O estrago que uma guerra pode fazer
Grande parte da frustração
com a economia deste início
de governo PT pode ser atribuída
ao câmbio. Com a cotação do dólar resistindo em torno de R$
3,60, aumenta a pressão inflacionária, o que leva ao aumento dos
juros, à retração da economia e
ao agravamento da crise empresarial.
É fácil perceber que, se o dólar
tivesse se acomodado no patamar de R$ 3,20, a que chegou alguns dias, haveria um alívio nos
preços, os juros não teriam subido tanto, as contas fiscais estariam melhores e, provavelmente,
o risco-Brasil já teria caído do
patamar entre 1.200 a 1.300 pontos em que estacionou nas últimas semanas. Com o risco mais
perto de 1.000 pontos, haveria
mais captações externas, a começar da República, o que ajudaria
a aliviar ainda mais a pressão
cambial.
Quem achar que R$ 3,20 poderia comprometer o resultado da
balança deve lembrar que, nas
contas do banco Safra, o câmbio
atual está 42% desvalorizado em
relação a julho de 94, já descontada a inflação interna e externa
e ponderada a participação dos
parceiros comerciais externos. O
câmbio de julho de 94 era capaz
de gerar superávits comerciais
superiores a US$ 10 bilhões.
Quer dizer, mesmo considerando o estrago já feito pela inflação
sobre o câmbio real, é difícil supor que o ajuste externo, mesmo
num cenário mais difícil, exigiria
mais desvalorização. Na verdade, no Banco Central há quem
calcule que, se o câmbio ficar nos
R$ 3,60 atuais, o déficit externo
em conta corrente, projetado em
US$ 5,6 bilhões neste ano, pode
zerar.
Se isso é verdade, então uma
parte substancial da pressão
cambial vem do receio dos efeitos
de uma guerra contra o Iraque
sobre o fluxo de dólares para o
país. Mas é um receio razoável?
Os números do setor externo
em janeiro não são brilhantes,
mas estão longe de serem desastrosos. A taxa de rolagem dos títulos privados de médio e longo
prazo ficou em apenas 31%,
abaixo da média de 56% do período crítico entre julho e dezembro de 2002. Mas é um número
enganoso. Parte dos vencimentos
de médio e longo prazo foram rolados com "notes" de curto prazo.
Somando essas emissões, a rolagem sobe a 86%. O estoque de
créditos de curto prazo ficou estável (queda de 0,06%).
Outra forma de olhar os resultados de janeiro é ver o que afetou o mercado privado de câmbio, em que a cotação do dólar,
de fato, é feita. No ano passado,
faltaram US$ 14,6 bilhões neste
mercado, que foram supridos por
vendas do BC (US$ 9,1 bilhões) e
dos bancos privados (US$ 5,5 bilhões). Em janeiro, ao contrário,
"sobraram" US$ 2,2 bilhões, porque as entradas da conta financeira foram positivas (US$ 1,9 bilhão, graças aos créditos e ao investimento direto) e a conta corrente (balança comercial e de
serviços) também foi positiva, em
US$ 300 milhões.
A cotação não cedeu porque
parte da "sobra" (US$ 1,2 bilhão)
ficou com os bancos, que reduziram suas posições "vendidas", e
parte (US$ 900 milhões) o BC
embolsou. No caso dos bancos,
eles haviam embolsado US$ 1 bilhão do BC em assistência de liquidez na virada do ano e devolveram. Além disso, a redução da
posição vendida indica maior
cautela com o cenário externo. O
fluxo não foi ruim, mas a expectativa deteriorou e acabou pressionando a cotação, um quadro
que não mudou em fevereiro.
Olhando para frente, contudo,
é difícil imaginar uma falta de liquidez comparável à do ano passado. A projeção do BC para a
conta privada prevê um saldo financeiro de US$ 5,6 bilhões, com
projeções relativamente conservadoras (rolagem inferior a
80%).
Do lado do governo, o serviço
da dívida externa é de US$ 7,3 bilhões, mas parte das amortizações (de US$ 4,8 bilhões) são papéis que o BC recomprou no ano
passado (talvez até uns US$ 2 bilhões). Do Bird e BID devem entrar US$ 2,7 bilhões. Somados à
reserva disponível (acima do piso
exigido pelo FMI) de US$ 9,7 bilhões no final de janeiro, dá para
pagar toda a conta do setor público, mais uma bela sobra para
o setor privado. Sem usar um
centavo dos US$ 27 bilhões que
devem entrar do acordo com o
FMI.
Se o câmbio atual, de fato, puder zerar a conta corrente, então
a margem de manobra cresceria
mais US$ 5,6 bilhões. Tudo somado, parece difícil imaginar o
Brasil encurralado na conta externa pelos efeitos de uma guerra
contra o Iraque.
Um banqueiro acha que o mercado está pessimista demais e
que, se a guerra se limitar a não
mais do que seis semanas e o governo conseguir aprovar a PL-9
da Previdência e a Lei de Falências até o final de março, em abril
o risco-Brasil estará a 1.000 pontos e a República voltará a captar. Octavio de Barros, economista-chefe do banco BBV, por razões parecidas, aposta que o risco-Brasil estará em 1.000 pontos
em maio.
A dúvida que fica é saber quanto tempo o governo Lula ainda
terá de boa vontade se os indicadores, de fato, não começarem a
melhorar nos próximos meses.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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