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QUESTÃO INDÍGENA
Só em 2005, cinco crianças caiuás morreram de desnutrição em área onde vivem 11 mil índios
Violência e álcool degradam aldeias
HUDSON CORRÊA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM DOURADOS (MS)
A vida da índia caiuá Luzinete
Vera Barbosa, 35, na aldeia Bororó, reflete bem os problemas que
atingem a reserva de Dourados (a
218 km de Campo Grande), onde
cinco crianças indígenas morreram este ano por causa da desnutrição. Três dessas mortes aconteceram na semana passada.
Quatro filhos de Luzinete morreram de doenças relacionadas à
desnutrição desde 1992. O último
deles, que tinha paralisia cerebral,
morreu na quinta-feira passada.
A índia mora em um barraco
com pouco mais de um metro de
altura (dois de comprimento), coberto por lona preta, cujas paredes são formadas por pedaços de
madeira, de telhas e outros remendos. Ela espera há um ano a
Prefeitura de Dourados concluir a
obra de uma casa que está só no
alicerce, ao lado do barraco.
Marta, 31, a irmã, foi assassinada na aldeia em novembro passado pelo ex-marido, também índio, e deixou três crianças para
Luzinete cuidar. Uma delas, um
menino desnutrido de um ano e
meio, está internada no hospital.
"Ele [o ex-marido] matou com
várias facadas no rosto, nos braços, na barriga e ainda [hoje] faz
ameaças. Anda de noite por aí",
diz Cristina, 70, mãe de Luzinete.
O caiuá Emerson Vera Gonçalves, 46, marido de Luzinete, machucou a perna (ele não soube
precisar que tipo de ferimento) e
não pode mais trabalhar no corte
de cana-de-açúcar, que emprega
grande parte dos índios.
Para sobreviver, depende de
cestas básicas do governo estadual. Mãe aos 15 anos, já teve oito
filhos. No ano passado, fez cirurgia de ligadura de trompas para
não engravidar mais.
"Na aldeia, tem muitas mães
adolescentes. Não sabem cuidar
de família. A criança não sabe falar, dizer que está com sede, e a
mãe não sabe ver isso. Fica com
vergonha até de ir pegar leite", diz
o líder indígena caiuá Ambrózio
Ricarte, 48.
Nas aldeias de Dourados, a reportagem encontrou duas mães
adolescentes com crianças desnutridas. Uma delas, a guarani Neuza Duarte, 19, perdeu a filha de um
ano e três meses por causa da desnutrição na semana passada.
"Aqui tem um pouco de cada
problema. Adolescentes bebendo
e fumando droga. Muita violência. Estamos tão perto da cidade.
Vamos dizer que pegamos o costume do branco", afirma o capitão (líder máximo) da aldeia Bororó, o índio guarani Luciano
Arévolo, 50.
Em junho do ano passado,
quando dois índios da etnia caiuá
de 16 e 15 anos foram mortos e decapitados por um índio que estava bêbado, a Funai (Fundação
Nacional do Índio) anunciou com
a Polícia Federal o fechamento
das vias de acesso às aldeias para
impedir a entrada de bebidas,
pessoas não-índias e de drogas.
Oito meses depois, a área indígena está aberta de novo, afirma
Arévolo. A operação da Funai não
impediu que o ex-marido de Marta, a irmã de Luzinete, assassinasse a mulher em novembro.
A reserva indígena de Dourados
é formada pelas aldeias Bororó e
Jaguapiru. Nessas áreas onde vivem 11 mil índios, incluindo os da
etnia terena, caberiam apenas 200
famílias, se fosse um assentamento nos moldes do programa de reforma agrária.
Egon Heck, coordenador do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), entidade ligada à Igreja
Católica, diz que a falta do tekoha
(terra considerada território sagrado) para os índios explica a
miséria nas aldeias.
Dados da Funasa (Fundação
Nacional de Saúde) de 2004 apontam que em Dourados existem
232 crianças desnutridas e 357
abaixo do peso considerado normal. Isso dá 12% dos índios menores de cinco anos. "A cesta básica é pouca [são 2.900 distribuídas
por mês a quase 50 mil índios]. Se
tivesse terra, não faltaria a lavoura", afirma Arévolo.
"Tempos atrás existia caça. Hoje até água está difícil. A criança
não pode nem tomar banho e
chega a desnutrição", diz Ricarte.
Pelas aldeias, crianças andam descalças e com roupas sujas.
O médico Franklin Amorim Sayão, 59, diretor do hospital da
Missão Evangélica Caiuá, voltado
aos índios, cita como outro problema, além da desnutrição, o alcoolismo que estimula a violência. "Temos medo de sair à noite
por aí", lembra Luzinete. Sayão
atende há 17 anos em Dourados.
Mesmo sem dados estatísticos,
o médico afirma convicto que ao
menos 20% da população indígena do sul do Estado é alcoólatra:
"Mães dão álcool para os bebês
pararem de chorar na aldeia".
Em meio há tantos problemas,
estão os casos de suicídio. Foram
234 nos últimos cinco anos, segundo a Funasa, entre os índios
das etnias guarani e caiuá, os mesmos de Dourados.
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