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NO PLANALTO
Alô, alô, torcida brasileira, vem aí o Probola
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
O futebol brasileiro é o
melhor do mundo. Do resto do mundo, claro. No Brasil,
futebol é nostalgia. Só existe no
replay esmaecido dos lances do
passado.
As maiores torcidas oscilam
entre o pasmo e o desalento. O
Flamengo -quem diria?- tornou-se um sub-Volta Redonda. O
Corinthians -quem te viu, quem
te(vez)!-, virou sucursal do Boca
Juniors.
Embora gerido por homens
de bens, os clubes nacionais
negligenciaram uma regra capital: se esqueceram de dar lucro.
A penúria tonifica a diáspora de
jogadores.
Deus continua sendo brasileiro.
Mas o diabo naturalizou-se espanhol. E leva embora craques ainda fedendo a cueiro. Os Robinhos
que restam são exportações esperando para acontecer.
Sobre os gramados nacionais,
ermos de talento, brotam idéias
exóticas. A mais extravagante foi
plantada no círculo central pelo
ministro Agnelo Queiroz (Esportes).
Trata-se de um programa governamental de socorro ao clubes,
uma espécie de Probola. Chama-se Timemania o naco mais festejado do pacote. É uma nova loteria, destinada a forrar as arcas
obscuras dos times.
A novidade, que flutuou por
cerca de um ano sobre a cena
brasiliense como balão de ensaio,
está agora assentada num esboço
de medida provisória. A Timemania será parecida com a
Mega-Sena.
A diferença é que, em vez de
marcar números, o apostador
assinalará nas cartelas emblemas
de clubes. As combinações vencedoras serão definidas em sorteios
geridos pela Caixa Econômica
Federal.
Diz-se que a grana amealhada
será usada prioritariamente para
saldar as dívidas dos times com a
União. Estima-se que cada grande clube vá receber algo como R$
4 milhões por ano. Corresponde a
pouco mais da metade do que o
Barcelona fatura anualmente
com a venda de réplicas da camisa 10 de Ronaldinho Gaúcho.
A Timemania talvez não baste
para tirar os times da lama (só à
Previdência, as principais flâmulas do futebol pátrio devem mais
de R$ 1 bilhão). Mas a nova loteria servirá para envenenar o já
aziago cotidiano da torcida.
Sete em cada dez brasileiros que
testam a sorte nos jogos de azar
do governo têm renda inferior a
três salários mínimos. Ou seja, a
tabelinha do governo com a cartolagem resultará num inusitado
ataque ao bolso da galera desengonçada da geral.
O cassino governamental administra nove tipos de jogo: Loteria
Federal, Loteria Esportiva, Loteria Instantânea, Mega-Sena, Lotomania, Quina, Dupla Sena, Lotofácil e Lotogol. Rendem mais de
R$ 3,5 bilhões por ano.
Sob Lula, o governo faz do pano
verde um modo de vida. Além da
LotoAgnelo, estacionada na Casa
Civil da Presidência, já está na
praça a LotoTarso. Consta do
artigo 52 da proposta de reforma
universitária. Também a pasta
da Cultura ambiciona a sua
LotoGil.
Os times de futebol já beliscam
uma ínfima parte da renda da
Loteria Esportiva. Recebem um
percentual pela utilização de suas
logomarcas. O mimo é extensivo
aos clubes estrangeiros. Estes, porém, desavisados, ainda não reclamaram o quinhão a que têm
direito por lei.
Auditoria do Tribunal de Contas da União constatou que o naco devido aos times de outros países adormece numa conta da Caixa Econômica. O montante roça
a casa dos R$ 10 milhões.
Num voto proferido em agosto
de 2003, o ministro Marcos Vilaça
referiu-se assim às transferências:
"A questão torna-se mais dolorosa com a constatação de que os
valores arrecadados são, em
grande parte, despendidos por
pessoas de baixa renda, e os clubes brasileiros atravessam fase de
penúria, com o êxodo de craques
e o progressivo esvaziamento das
nossas principais competições futebolísticas."
Há, porém, coisa pior: nos porões do salão de jogos do governo
funciona uma lavanderia de dinheiro. O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras)
identificou mais de 30 brasileiros
cuja sorte no jogo desafia a lógica.
São pessoas capazes de ganhar
20, 30 concursos de loteria. A
esmagadora maioria mora no
Estado de São Paulo. O grupo embolsou nos últimos anos perto de
R$ 15 milhões.
O repórter Rubens Valente revelou em setembro do ano passado
o curioso caso do deputado Francisco Garcia (PP-AM). Junto com
o filho, ele foi contemplado em 43
bilhetes. Amealharam R$ 811 mil
entre 1996 e 1998. Garcia atribuiu
a ventura à experiência com futebol e ao uso do computador.
A Polícia Federal suspeita que a
"sorte" de felizardos como o deputado Garcia tem outra origem.
Há no Brasil um mercado negro
de loterias. Bilhetes sorteados são
comprados por valores superiores
à premiação da Caixa Econômica. Por essa via, fortunas de origem escusa podem ser declaradas
normalmente à Receita Federal.
Dinheiro encardido vira grana
limpa.
Novas ou velhas, as loterias do
governo são sempre embrulhadas
para presente. Argumenta-se que
têm destinação nobre. Financiam
do Fundo Penitenciário ao crédito educativo. Coisas que deveriam ser bancadas pelos impostos
que a Receita Federal tão competentemente arranca da sociedade.
No fundo, as loterias não
passam de uma forma disfarçada
de tributar a bugrada. A Timemania açulará os ânimos daqueles que chegam a apostar o pão
das crianças. Sem nenhuma garantia de restituição do circo futebolístico.
Com o auxílio da mídia, o governo continuará propagandeando os ganhadores. O verdadeiro
resultado, porém, será ignorado
como sempre: para cada vencedor
os certames lotéricos semanais
produzem mais de 40 milhões de
perdedores. E viva o futebol.
Uhuh-têrêrê!
Outro assunto: ao misturar
metáforas de segunda à revelação
de que empurrou para debaixo
do tapete a corrupção da era
FHC, Lula consagrou um novo tipo de pronunciamento presidencial. Inaugurou o discurso suicida.
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