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JANIO DE FREITAS
A guerra das TVs
Tão rápida foi a consagração da TV como instrumento de jornalismo, quanto está sendo o seu desgaste, na opinião dos observadores mais
atentos da cobertura no Iraque.
De fato, estão muito perceptíveis, de uma parte, as restrições
à liberdade de informação, praticadas por repórteres e comentaristas; de outra, o uso da TV,
por parte dos militares. Nos dois
casos, o propósito comum de
manipular a opinião pública.
O problema não é novo, mas
está produzindo contaminações
sobre o jornalismo impresso e, a
propósito da guerra no Iraque,
equívocos dos leitores/espectadores sobre as causas e práticas
antijornalísticas.
A integração dos repórteres às
colunas do ataque anglo-americano e as fardas por eles usadas
estão vistos como atestados do
seu servilismo, na difusão de notícias moldadas pelo interesse
militar. Estar integrado à tropa
não é, por si só, comprometimento algum, é necessidade, para acompanhar as operações.
Assim é desde que há reportagens em frentes de guerra.
O uniforme para correspondentes de guerra também é antigo, com a finalidade de evitar
fatos como a morte do repórter
de TV inglês, confundido com
iraquianos em fuga e baleado
por "fogo amigo" logo no segundo dia da guerra no Iraque. Rubem Braga, Joel Silveira e os demais correspondentes brasileiros vestiram os seus uniformes
da FEB, na qual foi adotada, inclusive, a patente de capitão para os jornalistas, como nas tropas de muitos outros países.
Na guerra, como na paz, as
deformações jornalísticas são,
sempre, decorrentes de predisposição à subserviência, pelo
jornalista, ou de posição impositiva definida pela direção (não
esqueçamos que a posição, por
mais condenável que seja, é executada por jornalistas).
Antes da guerra no Iraque, a
operação para derrubar Hugo
Chávez, na Venezuela, deveria
servir como alerta sobre os problemas de contaminação da TV
sobre os jornais. Até as imagens
se tornaram operadas com má-fé, e assim foram distribuídas
mundo afora. Nas manifestações anti-Chávez, as câmeras
abriam-se para dar impressões
extensivas. As manifestações
pró-Chávez nunca foram tomadas com o que o leigo chamaria
de panorâmicas. Grandes teleobjetivas eram usadas para
enfocar apenas um pedaço da
manifestação, de preferência
onde fosse já rarefeita. As fotos
para imprensa adotaram os
mesmos recursos.
O que foi feito na Venezuela
está em aplicação, agora com o
refinamento da experiência, às
manifestações antiguerra. Muito raras e rápidas foram as chamadas panorâmicas. Tornou-se
norma o truque de enfoques individualizados e sucessivos
-uma criança, um cartaz, uma
ou outra pessoa-, em vez de
mostrar a manifestação extensamente. A CNN, para citar um
exemplo, dedicou razoável tempo à imensa manifestação em
Nova York -mas só enfocando
e entrevistando três hispano-americanos. Da manifestação
mesmo, nada.
Como o material é quase todo
o mesmo para todas as televisões, distribuído pelas agências
ou vendido pela estação que o
realizou, o espectador é vitimado sem diferenciação de fronteiras. Mas não só por infidelidade
direta da TV.
Em um encontro da Associação de Jornalistas Europeus, ao
qual compareci como palestrante, José Comas, jornalista de primeiro time do melhor jornal da
atualidade, o espanhol "El
País", abordou com irritação incontível um problema novo,
particularmente inquietante
para quem ostenta a sua admirável carreira de correspondente internacional.
Repórteres de jornal deslocados para eventos maiores estão
indo aos fatos cada vez menos. É
mais fácil ficar diante da televisão no hotel, passando de canal
a canal. Quem veja a TV internacional encontrará no jornal
do dia seguinte, como trabalho
do correspondente, uma entrevista com um professor em Jerusalém, ou lá o que seja, que na
véspera foi vista na BBC, ou na
CNN ou F5.
Desse comodismo que se alastra resulta, primeiro, a uniformização mediocrizante do noticiário. O que faz um pouco de
diferença é a maneira, pior ou
melhor, como cada jornal expõe
o material idêntico. O outro resultado, ainda mais grave, é que
os jornais se tornam difusores
das manipulações que o noticiário de TV tenha sofrido. No caso
da Venezuela, tal contaminação foi escandalosa.
Por tudo isso, é indispensável
ressaltar o mérito da RTPi, a tv
portuguesa de transmissão internacional, que está dando a
todas as concorrentes, com sua
cobertura da guerra no Iraque,
lições admiráveis de reportagem
e de ética. Isso, em um país cujo
governo apóia Bush, Blair e a
guerra.
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