São Paulo, sábado, 27 de março de 2004

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CASO CC5

José Mentor (PT), da comissão do Banestado, quis evitar quebra de sigilo bancário de Antônio Cipriani, ligado ao partido

Relator tenta favorecer empresário em CPI

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O relator da CPI do Banestado, deputado José Mentor (PT-SP), tentou, por duas vezes em sessões na comissão, impedir a quebra do sigilo bancário do empresário Antônio Celso Cipriani, ex-presidente da empresa de aviação Transbrasil, que quebrou financeiramente em 2001, deixando R$ 910 milhões em dívidas.
Segundo o presidente da comissão e autor do pedido contra Cipriani, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), o empresário remeteu para o exterior cerca de US$ 35 milhões por meio de doleiros e recebeu recursos de contas da Beacon Hill, uma "offshore" retransmissora de fundos que sofre uma devassa de promotores de Nova York (EUA).
Mentor reconheceu ontem, em entrevista à Folha, que é "amigo pessoal" do advogado de Cipriani, Roberto Teixeira, há "mais de 40 anos", e que foram contemporâneos de faculdade. Mentor disse ter recebido Teixeira e Cipriani, em audiência, em seu gabinete, antes da votação da quebra do sigilo bancário. Essa proximidade com Teixeira não impediu que Mentor opinasse nas sessões contrariamente ao pedido que atacava os interesses de Cipriani.
O deputado, indicado para relator da comissão após entendimentos entre o PT e o Palácio do Planalto, primeiro pediu o "sobrestamento" (suspensão) da quebra do sigilo de Cipriani. Ele alegou "critérios técnicos" e argumentou que a CPI não poderia "pinçar" nomes. Até dezembro último, porém, a comissão já havia quebrado o sigilo de 1.350 pessoas e empresas "pinçadas" de uma investigação que envolve dezenas de milhares de correntistas.
Os membros da CPI decidiram acolher o pedido de Antero. Na sessão seguinte, com o voto vencido, Mentor alegou uma questão de ordem para tentar reverter a votação que havia prejudicado Cipriani. As manobras não tiveram sucesso.
"Nunca tinha visto algo assim por parte do relator", disse o presidente da comissão, Antero Paes.
De acordo com o depoimento de uma ex-assessora de Cipriani na Transbrasil, ao qual a Folha teve acesso, o empresário é "amigo" do ministro José Dirceu (Casa Civil) e do advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça), deputados federais e do senador Romeu Tuma (PFL-SP) -outro que se manifestou contrário à quebra do sigilo.
A professora Isabel Maria Miranda Rodrigues trabalhou por sete anos como assessora direta de Cipriani. Foi funcionária da Transbrasil entre 1985 e 2002. Hoje ela move uma ação trabalhista contra a empresa. O depoimento foi prestado em 8 de março de 2002 ao procurador da República no Distrito Federal Guilherme Schelb. "Em relação ao sr. José Dirceu a depoente pode dizer que ele é amigo pessoal do sr. Cipriani e que recebeu passagens aéreas no ano de 1996", disse Isabel.
Segundo a ex-assessora, havia um "procedimento padrão interno" na Transbrasil para "disfarçar que o bilhete havia sido fornecido gratuitamente". A estratégia consistiria em emitir o bilhete e depois "estorná-lo" (retificar um documento).

Compadre
Roberto Teixeira, compadre de Lula, na casa de quem ele morou por anos, é advogado de Cipriani e da Transbrasil em pelo menos cinco ações judiciais. Teve papel destacado na tentativa de vender a empresa a outros sócios, em 2002, quando chegou a presidir uma assembléia de acionistas e intermediar oficialmente contatos com possíveis compradores.
A reportagem esteve no início da semana na portaria do prédio do escritório de advocacia de Teixeira, na rua Padre João Manuel, 755, nos Jardins, em São Paulo. A funcionária da portaria informou à reportagem que Antônio Celso Cipriani trabalhava no mesmo escritório de Teixeira.
A informação, segundo ela, constava do controle interno do edifício. Ela chamou o ramal de Cipriani e informou, a uma assessora de nome Grace, a presença da reportagem. Após alguma espera, foi informada pela funcionária que Cipriani "não trabalhava mais" naquele endereço.
Instantes depois, outra secretária de Teixeira, de nome Ivete, disse à reportagem, no telefone da portaria, que Cipriani "nunca trabalhou" para Teixeira. Ele seria apenas um cliente do advogado. Indagada sobre o registro do ramal de Cipriani no sistema de computadores da portaria do prédio, a secretária afirmou que o sistema estava equivocado.


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