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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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TRIBUTÁRIA

Na fase de detalhamento, propostas genéricas podem se transformar em novas alíquotas e regras de cobrança

Sem perdedores, reforma pode elevar carga de impostos

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Para quem acredita na capacidade dos economistas de calcular com precisão milimétrica o impacto das medidas que prescrevem, a reforma tributária do governo Luiz Inácio Lula da Silva foi desenhada para que União, Estados e municípios mantenham exatamente a receita hoje obtida com impostos.
Para quem viu o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) ser aplaudido por prefeitos e costurar um rápido consenso entre os 27 governadores em torno da reforma, a impressão é que risco de perda, de fato, não há.
E, finalmente, para quem observa a penúria orçamentária nacional, o temor é que, na fase de detalhamento, quando as propostas genéricas se transformam em novas alíquotas e regras de cobrança, o resultado final do projeto seja um novo aumento da carga tributária brasileira.
Nos últimos dez anos, essa carga (a fatia da renda nacional destinada a impostos, contribuições e taxas diversas) subiu de 25% para algo como 35% do Produto Interno Bruto, uma proporção elevada para um país de renda média -na Argentina, por exemplo, o percentual fica na casa dos 20%.
O ministro Palocci, o arquiteto da reforma, argumenta que não faz sentido falar em uma carga ideal. "Quem define isso é a sociedade", afirma.
Segundo ele, na presente conjuntura de crise fiscal, cujo sinal mais óbvio é uma dívida pública equivalente a 55% do PIB (Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas do país), é impossível reduzir a arrecadação.
Resta, afirma, "melhorar a qualidade dos impostos". Daí as propostas de simplificar a legislação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), eliminar a incidência da Cofins em todas as etapas do setor produtivo, reduzir a contribuição previdenciária patronal sobre a folha de salários e criar alíquotas progressivas para o imposto sobre a herança.

Olho no caixa
Esse pacote é embalado por um discurso de estímulo à produção e às exportações (com as mudanças no ICMS e na Cofins), geração de empregos (com a desoneração da folha de pagamentos) e justiça social (com menos ICMS sobre a cesta básica e mais tributação sobre o patrimônio).
Na vida prática, porém, governos federal, estaduais e municipais acompanham o projeto de olho no caixa. O exemplo mais claro, normalmente omitido na retórica em defesa da reforma, é que Lula também propõe a transformação da CPMF numa contribuição permanente.
Capaz de arrecadar mais de R$ 20 bilhões anuais quase sem margem de sonegação, a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) é um tributo cumulativo e regressivo -incide sobre todas as etapas do setor produtivo e aplica a mesma alíquota a qualquer valor.
É o oposto do que a reforma considera imposto de boa qualidade. Pela legislação atual, a CPMF terá alíquota simbólica em 2004, seu último ano de vigência.
Pela reforma proposta, terá alíquota reduzida, mas é definido o cronograma para a redução.

Estados
Os Estados também esperam arrecadar mais com o novo ICMS, ou IVA (Imposto sobre Valor Agregado), cuja receita continuará sendo repartida com os municípios. A própria Fazenda espera um aumento de 10% sobre os cerca de R$ 100 bilhões anuais arrecadados hoje com o imposto.
Argumenta-se que o ganho decorrerá de mais eficiência e menos sonegação -mas, enfim, a carga subirá.
Há pela frente uma complicada negociação sobre as alíquotas do novo ICMS, que deverão ser uniformes por tipo de produto em todo o país. Assim, uma mercadoria que hoje sofre tributação de 30% num Estado, 25% em outro e 20% num terceiro, passará a uma mesma alíquota. Se nenhum dos três Estados pode perder, qual será a alíquota escolhida?


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