São Paulo, terça-feira, 27 de abril de 2004

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DISPUTA FEDERATIVA

Nota divulgada após reunião e assinada por 24 dos 27 governadores trata indiretamente da dívida

Planalto manobra, e Estados aliviam pressão

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Palácio do Planalto não conseguiu evitar que os governadores, reunidos ontem em Brasília, abordassem a proposta de renegociação das dívidas de R$ 271 bilhões dos Estados com a União. Em uma operação de bastidores, no entanto, o governo manobrou para que a nota oficial do encontro não trouxesse uma cobrança direta pela medida.
Embora tenha sido uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a renegociação das dívidas estaduais é hoje vetada por sua equipe econômica. Desde a vitória eleitoral de Lula, o tema tem sido motivo de conflito com os governadores.
Eles divulgaram ontem um documento com oito pontos, todos de reivindicações ao presidente. Pediram a "urgente retomada do crescimento com elevação dos níveis de emprego e renda".
Depois de acirradas discussões entre os governadores, a dívida mereceu apenas uma breve menção na nota, ao final do terceiro item: "Recomposição das receitas estaduais e municipais, que ao longo dos últimos governos se deterioram [...], agravada pela interpretação vigente no que diz respeito ao conceito de receita líquida real. Esse assunto será aprofundado em futura reunião com o presidente da República".
Trata-se de uma referência à reunião da semana passada dos governadores do PMDB, na qual foi pedida a revisão do cálculo da receita líquida real -hoje, os pagamentos de juros à União são definidos em percentuais dessa receita líquida; na maioria dos casos, é de 11% a 15%.
A nota é assinada por 24 dos 27 governadores presentes ao encontro, além de dois vices (do Distrito Federal e do Rio Grande do Norte). Fora o problema da dívida, o texto limitou-se a tratar de pleitos antigos dos Estados, como o aumento dos repasses federais e uma maior participação no bolo tributário nacional.

Tucanos ajudam Lula
Segundo a Folha apurou, a discussão sobre a renegociação da dívida dividiu os Estados e levou a reunião, iniciada às 14h30, a se arrastar até por volta das 18h30. O governo contou com apoio decisivo dos governadores tucanos, em especial de Aécio Neves (MG) e Geraldo Alckmin (SP).
Os peemedebistas Rosinha Matheus (RJ) e Roberto Requião (PR) foram os mais enfáticos defensores de novas regras para reduzir os pagamentos à União.
Os mais alinhados ao governo argumentaram que a medida poderia abalar o mercado e provocar uma turbulência financeira, por ameaçar as metas fiscais negociadas com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Os interlocutores do Planalto no encontro -liderados por Jorge Vianna (PT-AC), Paulo Hartung (PSB-ES) e Ronaldo Lessa (PSB-AL), que haviam se reunido pela manhã com o ministro José Dirceu (Casa Civil)- tentaram convencer os demais a não fazer nenhuma referência ao tema.
Acabaram, no entanto, optando por um meio-termo, diante da possibilidade de a inclusão ou não ir a voto. Pesou também na decisão o corpo-a-corpo feito por ministros e pelo próprio Lula para que não houvesse uma nota de confronto ao governo.
Aécio, responsável pela redação final da nota, acabou suprimindo do texto o adjetivo "equivocado", que deveria qualificar o "conceito de renda líquida" mencionado pelos governadores. Os tucanos preferem usar a discussão da renegociação da dívida apenas como instrumento de pressão sobre o Planalto por mais verbas.
"Venceu a estabilidade econômica do Brasil", disse, depois da reunião, o tucano Cássio Cunha Lima (PB), que engrossou as fileiras governistas na discussão.

Tensão
O clima era de alguma tensão na saída do encontro. "Não tenha medo do Zé Dirceu", afirmou Requião para seu colega de Alagoas, Ronaldo Lessa (PSB), um dos mais afinados com o discurso do Palácio do Planalto. Abraçaram-se. Antes, a portas fechadas, Lessa chegou a gritar contra o governador paranaense, que insistia em incluir no texto final, de forma direta, a renegociação da dívida dos Estados. "Ele quer ganhar tudo no grito", reagiu Lessa.
O documento dos governadores é aberta com a exigência de que o país retome o desenvolvimento. O superávit primário (economia para pagamento de juros) recorde obtido no mês passado pelo governo federal foi bastante criticado pelos presentes. "Superávit de R$ 1 bilhão é pornográfico, um desaforo, é imoral", afirmou Requião.
Outra crítica bastante repisada pelos governadores foi a de que teria caído muito, nos últimos anos, o volume de receitas da União que são compartilhadas com os Estados e municípios.
Os governadores exigem mais recursos relativos aos fundos de compensação com a desoneração das exportações (que reduziu receitas de Estados exportadores) e do desenvolvimento regional.
Não foram à reunião, mas mandaram representante, os governadores Joaquim Roriz (PMDB-DF) e Wilma Faria (PSB-RN). O único que não compareceu nem enviou um representante foi o governador Zeca do PT (MS). (GUSTAVO PATU, RANIER BRAGON, FERNANDO RODRIGUES e EDUARDO SCOLESE)

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