São Paulo, sexta-feira, 27 de abril de 2007

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SABATINA FOLHA

Religioso defende que a igreja acolha casais homossexuais, prega fidelidade contra a Aids e declara ser legítima a pressão por reforma agrária ao mesmo tempo em que se diz contra a "usurpação de patrimônio"

Teologia da Libertação já passou, aponta arcebispo

DOM ODILO SCHERER, 57, está "assustado" com o tamanho de São Paulo e se diz pouco preparado para ser seu novo arcebispo. Isso não o impediu de deixar claro na sabatina da Folha que a Igreja Católica não pode depender só das paróquias para chegar à periferia nem ceder em doutrina para evitar a perda de fiéis. Para ele, ficou para trás o momento da Teologia da Libertação, corrente que usa conceitos marxistas e que, em sua opinião, acumulou erros e acertos. A posse na maior arquidiocese do país ocorrerá no domingo, na Catedral da Sé. Na manhã de ontem, a secretária de Redação da Folha Suzana Singer, o editor de Cotidiano, Rogério Gentile, os repórteres João Batista Natali e Rafael Cariello e algumas das 130 pessoas da platéia o questionaram sobre temas tão diversos quanto o governo Lula e o padre Marcelo Rossi. Em todos eles, d. Odilo evitou polêmica.

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Ao ser questionado se daria apoio à Teologia da Libertação, corrente católica que vê a igreja a serviço da transformação social, d. Odilo criticou essa linha e disse que seu tempo já passou.
"É um movimento teológico que tem um certo método e, como todos os movimentos teológicos, têm um momento de nascer, as suas motivações, o seu momento de crescer, o momento de decair e o momento de desaparecer. A teologia da libertação não é diferente de muitos outros movimentos teológicos que aconteceram ao longo da história, que lá para a frente podem ressurgir. (...) Ela nasceu nos anos 70 e pouco a pouco fez uma opção metodológica que começou a complicar. (...) Quando você usa o método de análise marxista, que parte de um pressuposto materialista, não-religioso, contrário à transcendência, você está negando um princípio basilar da posição da igreja, da fé. (...)
Quando você começa a apresentar Jesus antes de tudo como um revolucionário, alguém que veio com uma proposta simplesmente política ou ideológica de mudança de sociedade e deixa totalmente na sombra seu pressuposto transcendente, que para a Igreja Católica é fundamental, há um problema muito sério. (...) Mas não significa que tudo estivesse errado com a teologia da libertação. Ela contribuiu muito para colocar em maior evidência aquilo que são elementos basilares também do ensinamento da igreja: a justiça social, o engajamento da solidariedade."

OPUS DEI
"É uma organização reconhecida pela igreja. Se existem questões eventualmente chocantes em relação ao que a igreja crê, vai dizer que não está bem. (...) Não posso ter uma opção por uns contra outros, devo ajudar todos no caminho."

PADRE MARCELO
"É uma forma, um método de atrair, de fazer catequese. Me parece plenamente legítimo. Mas não basta isso. É insuficiente. (...) E, se não está apropriado, a gente pode discutir. Que não se transforme a missa em um show, o padre não é um showman."

AIDS E CAMISINHA
"Fica muito claro que a igreja não está interessada em que se difunda a Aids. Pelo contrário, a igreja quer que se previna de todas as formas lícitas possíveis a difusão do vírus da Aids. (...) Mas a igreja também propõe as coisas num outro sentido. (...) Certamente tem fundamento dizer que a melhor forma de se prevenir contra a Aids é a fidelidade ao parceiro, do casal, o correto comportamento no que tange às relações sexuais, a não promiscuidade.
Certamente ninguém há de negar que são formas eficazes de combater a difusão da Aids."

GOVERNO LULA
"O governo Lula passa por momentos muito complexos e paradoxais. (...) Acredito que o presidente se desempenhou muito bem nesse primeiro período, de se adequar a uma conjuntura. Claro, deixou a desejar certamente para aqueles que entendiam que ele deveria resolver em breve todos os problemas sociais, a pobreza, a distribuição de renda.
E isso é um desafio para o segundo governo. E a sociedade cobrará muito dele a solução e o encaminhamento dessas questões."

INVASÕES DE TERRA
"Eu não apóio as invasões, enquanto invasões indiscriminadamente. Existem alguns fatos. A reforma agrária, por exemplo, no Brasil, só aconteceu mediante certa pressão desses movimentos que militam pela reforma agrária e conseguem, assim, alguns passos. (...) Esse método certamente demonstrou eficácia, mas, claramente, não sou favorável à invasão ou à usurpação do patrimônio legitimamente constituído de quem quer que seja."

FUGA DE FIÉIS
"A questão da "fuga silenciosa" é muito clara, mas queria colocar dentro de um panorama mais amplo. Não atinge apenas a Igreja Católica, é um fenômeno generalizado. Atinge, inclusive, as comunidades pentecostais e neopentecostais. (...) O fenômeno da migração religiosa antes de tudo tem uma raiz cultural e um fundo também social. Não nego que tenha uma razão religiosa. (...) Mas nenhum padre, bispo, fica contente ao ver que católicos membros das suas comunidades estão indo embora. Ninguém fica contente com isso. Para mim, sempre é muito sofrido."

MÉTODO
"Nos confrontamos com métodos mais ou menos adequados ao trabalho da Igreja Católica e questionamentos de revisão do método, da linguagem, das propostas, os questionamentos, se ainda é o caso de afirmar o que sempre se afirmou, se não é o caso de mudar alguma questão da doutrina moral, da doutrina de fé. É claro que estamos diante de opções. E a Igreja Católica, em questão de fé, em princípios, não se muda. Ela não tem autonomia para mudar aquilo que recebeu de Jesus Cristo e dos apóstolos. Mas em questão de método, de linguagem, sim, temos de nos adequar aos novos tempos, à nova cultura.
(...) As CEBs (comunidades eclesiais de base) são expressões e organizações onde os leigos podem fazer tanta coisa. Tenho interesse que elas existam e sejam incentivadas, mas não como nos anos 70 e 80. Vivemos outros tempos.
(...) As paróquias ainda são importantes, não estão abolidas nem serão abolidas. Mas que as paróquias não sejam a única forma de agregação, mas também outras, que estão em consonância com a cidade e com o mundo globalizado, como os movimentos eclesiais, as associações de fiéis. Elas não estão ligadas a um território, mas a interesses."

PUC
"Imagino a PUC economicamente sólida, saneada administrativamente, academicamente de ponta, em consonância com aquilo que é a proposta da igreja para a sociedade para todas as questões que dizem respeito à convivência humana."

CÉLULAS-TRONCO
"Nesse ponto, a Igreja Católica tem uma posição muito clara: parte do pressuposto de que embrião humano é ser humano. (...) Partindo desse pressuposto, a igreja claramente diz: o que não se deve fazer ao ser humano adulto com maior razão ainda não se deve fazer ao ser humano ainda não nascido, e isso vale também para a questão do aborto."

CASAL HOMOSSEXUAL
"Ele (casal homossexual) será acolhido pela igreja enquanto ser humano ou dois seres humanos, dois filhos da igreja que vivem numa condição que a igreja nunca vai dizer "tá tudo bem, tá tudo tranqüilo", a igreja nunca vai dizer isso. Mas a igreja vai acolhê-los, sim, vai mostrar caminhos, vai dar para eles muitas vezes a possibilidade de perceberem que há espaço para eles na vida da igreja."

CELIBATO DOS PADRES
"É um grande valor, um grande benefício para a igreja.(...) Se a igreja pode mudar? Um dia poderia mudar, porque isso é questão de disciplina da igreja, não é dogma de fé. Mas a igreja mantém essa disciplina por questão de escolha. (...)
Acho pessoalmente que deve continuar. Isso é um grande benefício. Ninguém é obrigado a se tornar um padre."


Veja o vídeo da sabatina de dom Odilo

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