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CELSO PINTO
O risco de calote nos bônus
Washington - A pressão dos
países ricos para forçar os investidores em eurobônus a pagar parte do preço das crises
com países emergentes pode
atrapalhar a renovada lua-de-mel do mercado com estes países, inclusive o Brasil.
O Brasil é contrário a qualquer esquema não-voluntário,
ou alterações nos contratos que
possibilitem uma renegociação
forçada. Se algo for "malfeito"
ao mudar as regras, "representará uma elevação significativa
do custo de captação para o
país que fizer isso e para os outros emergentes", disse ontem o
ministro da Fazenda, Pedro
Malan. Ele acha que quem compra um bônus de longo prazo,
até 30 anos, deve ter "uma certa
garantia", não disponível para
quem investe no curtíssimo
prazo.
Não é uma questão teórica. O
Paquistão e a Romênia estão
sendo empurrados, respectivamente, pelos seus credores oficiais (Clube de Paris) e pelo
FMI, para uma renegociação
dos eurobônus que emitiram. Se
isso acontecer, será o primeiro
não-pagamento, ou "default",
com bônus privados desde os
anos 30. Embora os governos
dos dois países queiram evitar o
calote, há dúvidas se isso será
possível.
O mercado teme que se este
"default" acontecer, será seguido pela Rússia, Ucrânia e Equador. O Brasil será inevitavelmente afetado. O Instituto de
Finanças Internacionais (IFI),
que reúne mais de 300 grandes
bancos internacionais, prevê
que um "default" de eurobônus
levará a "um grande aumento
nos prêmios de risco ("spreads')
num amplo espectro de eurobônus de países emergentes".
A posição do FMI, Banco
Mundial e dos países ricos tem
sido muito firme. Ontem, o subdiretor-gerente do FMI, Stanley
Fischer, disse numa conferência
do IFI que "spreads de 1.000
pontos básicos de porcentagem
(10 pontos percentuais acima
dos títulos do Tesouro americano) já embutem no preço a possibilidade de alguma renegociação". Um argumento semelhante ao usado pelo presidente
do Bird, James Wolfensohn, que
lembrou que não é justo que um
investidor que ganha juros tão
altos nos países emergentes, sabendo dos riscos, seja tratado
de forma preferencial na hora
da crise.
Fischer explicou que o FMI
não está exigindo que a Romênia, necessariamente, dê o calote nos seus eurobônus, mas só
fará um acordo depois que o setor privado der alguma contribuição.
O ministro das Finanças da
França, Dominique Strauss-Kahn, insistiu no mesmo ponto,
na conferência. "Não faz sentido diferenciar os credores comerciais e os investidores em
bônus", acha. "Ambos devem
ter tratamentos comparáveis",
exatamente como o Clube de
Paris está exigindo no caso do
Paquistão.
Pode ser que empurrar os investidores em bônus para uma
renegociação, ou impor cláusulas que permitam que isso ocorra, possa gerar um aumento nos
prêmios de risco, admitiu
Strauss-Kahn. "Talvez isso seja
bom em alguns casos", sugeriu.
"Não devem prevalecer formas
artificiais de reduzir o
"spread'".
Dar aos investidores de bônus
garantias de que eles não estão
sujeitos a um "default", seria
uma forma artificial de permitir que os títulos paguem menos
juros do que deveriam. Pode ser
bom para os países emergentes
na hora de colocar os títulos,
mas acaba sendo um problema
quando chega a crise e é preciso
reestruturar os débitos.
Todos concordam que a melhor forma de engajar o setor
privado nas renegociações é algo voluntário. O acordo que o
Brasil fez com os bancos comerciais, garantindo um mínimo
de linhas de curto prazo, é citado como um bom exemplo deste
tipo de cooperação. "Imagine se
o Brasil tivesse forçado uma renegociação de seus bônus e tentasse voltar ao mercado", lembrou o diretor-executivo do IFI,
Charles Dallara.
De forma geral, os banqueiros
são fortemente contrários a
qualquer esquema de renegociação involuntária e prevêem
um forte choque no mercado se
isso acontecer. Há, contudo, pelo menos uma exceção.
O diretor de um grande banco
de investimentos americano argumentou à coluna que permitir uma renegociação forçada
pode ser um bom negócio para
os investidores, porque tornaria
a solução de uma eventual crise
mais rápida. Na crise da dívida
dos anos 80, a falta de mecanismos para renegociações como
esta arrastou o problema durante muitos anos. Isso traz incerteza sobre o preço dos bônus,
com prejuízo aos investidores
que pode ser maior do que o gerado por uma renegociação rápida que implique em mais prazo e menos rendimento.
Além disso, este banqueiro está convencido de que o fluxo
para os países emergentes é determinado basicamente pelo
excesso de liquidez e baixos juros nos países ricos. Portanto,
mesmo com cláusulas de renegociação, o dinheiro continuaria a vir, enquanto houvesse dinheiro sobrando.
O risco real que existe, hoje, é
ter que testar, na prática, quem
tem razão.
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