São Paulo, Terça-feira, 27 de Abril de 1999
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CELSO PINTO
O risco de calote nos bônus


Washington - A pressão dos países ricos para forçar os investidores em eurobônus a pagar parte do preço das crises com países emergentes pode atrapalhar a renovada lua-de-mel do mercado com estes países, inclusive o Brasil.
O Brasil é contrário a qualquer esquema não-voluntário, ou alterações nos contratos que possibilitem uma renegociação forçada. Se algo for "malfeito" ao mudar as regras, "representará uma elevação significativa do custo de captação para o país que fizer isso e para os outros emergentes", disse ontem o ministro da Fazenda, Pedro Malan. Ele acha que quem compra um bônus de longo prazo, até 30 anos, deve ter "uma certa garantia", não disponível para quem investe no curtíssimo prazo.
Não é uma questão teórica. O Paquistão e a Romênia estão sendo empurrados, respectivamente, pelos seus credores oficiais (Clube de Paris) e pelo FMI, para uma renegociação dos eurobônus que emitiram. Se isso acontecer, será o primeiro não-pagamento, ou "default", com bônus privados desde os anos 30. Embora os governos dos dois países queiram evitar o calote, há dúvidas se isso será possível.
O mercado teme que se este "default" acontecer, será seguido pela Rússia, Ucrânia e Equador. O Brasil será inevitavelmente afetado. O Instituto de Finanças Internacionais (IFI), que reúne mais de 300 grandes bancos internacionais, prevê que um "default" de eurobônus levará a "um grande aumento nos prêmios de risco ("spreads') num amplo espectro de eurobônus de países emergentes".
A posição do FMI, Banco Mundial e dos países ricos tem sido muito firme. Ontem, o subdiretor-gerente do FMI, Stanley Fischer, disse numa conferência do IFI que "spreads de 1.000 pontos básicos de porcentagem (10 pontos percentuais acima dos títulos do Tesouro americano) já embutem no preço a possibilidade de alguma renegociação". Um argumento semelhante ao usado pelo presidente do Bird, James Wolfensohn, que lembrou que não é justo que um investidor que ganha juros tão altos nos países emergentes, sabendo dos riscos, seja tratado de forma preferencial na hora da crise.
Fischer explicou que o FMI não está exigindo que a Romênia, necessariamente, dê o calote nos seus eurobônus, mas só fará um acordo depois que o setor privado der alguma contribuição.
O ministro das Finanças da França, Dominique Strauss-Kahn, insistiu no mesmo ponto, na conferência. "Não faz sentido diferenciar os credores comerciais e os investidores em bônus", acha. "Ambos devem ter tratamentos comparáveis", exatamente como o Clube de Paris está exigindo no caso do Paquistão.
Pode ser que empurrar os investidores em bônus para uma renegociação, ou impor cláusulas que permitam que isso ocorra, possa gerar um aumento nos prêmios de risco, admitiu Strauss-Kahn. "Talvez isso seja bom em alguns casos", sugeriu. "Não devem prevalecer formas artificiais de reduzir o "spread'".
Dar aos investidores de bônus garantias de que eles não estão sujeitos a um "default", seria uma forma artificial de permitir que os títulos paguem menos juros do que deveriam. Pode ser bom para os países emergentes na hora de colocar os títulos, mas acaba sendo um problema quando chega a crise e é preciso reestruturar os débitos.
Todos concordam que a melhor forma de engajar o setor privado nas renegociações é algo voluntário. O acordo que o Brasil fez com os bancos comerciais, garantindo um mínimo de linhas de curto prazo, é citado como um bom exemplo deste tipo de cooperação. "Imagine se o Brasil tivesse forçado uma renegociação de seus bônus e tentasse voltar ao mercado", lembrou o diretor-executivo do IFI, Charles Dallara.
De forma geral, os banqueiros são fortemente contrários a qualquer esquema de renegociação involuntária e prevêem um forte choque no mercado se isso acontecer. Há, contudo, pelo menos uma exceção.
O diretor de um grande banco de investimentos americano argumentou à coluna que permitir uma renegociação forçada pode ser um bom negócio para os investidores, porque tornaria a solução de uma eventual crise mais rápida. Na crise da dívida dos anos 80, a falta de mecanismos para renegociações como esta arrastou o problema durante muitos anos. Isso traz incerteza sobre o preço dos bônus, com prejuízo aos investidores que pode ser maior do que o gerado por uma renegociação rápida que implique em mais prazo e menos rendimento.
Além disso, este banqueiro está convencido de que o fluxo para os países emergentes é determinado basicamente pelo excesso de liquidez e baixos juros nos países ricos. Portanto, mesmo com cláusulas de renegociação, o dinheiro continuaria a vir, enquanto houvesse dinheiro sobrando.
O risco real que existe, hoje, é ter que testar, na prática, quem tem razão.


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