São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Russo pode vencer com "apoio" dos EUA

IGOR GIELOW
COORDENADOR DA AGÊNCIA FOLHA

A reta final para a escolha do novo caça da FAB está provocando uma curiosa inversão de sinais geopolíticos. Segundo a Agência Folha apurou, ninguém deve ficar espantado se o resultado da concorrência favorecer o principal candidato russo -com apoio velado americano, algo inimaginável nos velhos tempos da Guerra Fria, e muito difícil de ocorrer mesmo hoje, dado o poderio da indústria militar dos EUA.
Explica-se. Hoje a disputa afunilou-se entre o russo Sukhoi-35 e o francês Mirage 2000-5 BR. O F-16 americano está atrás, e há uma movimentação de bastidores na qual os EUA poderia não se opor à escolha do russo para evitar um fortalecimento dos laços do Brasil com a União Européia num momento em que Washington vê a região como campo para expansão de suas políticas econômicas.
Num negócio desses, um jogador do peso dos EUA não se opor vale tanto quanto um apoio explícito. Só para ficar num exemplo recente, uma concorrência na Coréia do Sul foi embolada depois que o concorrente francês Dassault Rafale tomou a dianteira do americano F/A-18. Os EUA intervieram, e critérios técnicos foram mudados para empatar o jogo.
Inicialmente, o BR (de Brasil) do Mirage dava ao caça de multiuso da Dassault uma vantagem extrema: uma parceria com a brasileira Embraer, prometendo fazer o caça no Brasil, o colocava como franco favorito. Aí veio o lance dos russos da Rosoboronexport, que vende o Sukhoi. Associando-se à brasileira Avibrás, resolveu a desconfiança sobre a transferência tecnológica dos produtos.
Nos bastidores, seus concorrentes dizem que não é para valer, que nunca haverá linha de produção dos supercaças Sukhoi-35 em São José dos Campos, onde fica a Avibrás. É verdade, mas a propalada transferência pouco tem a ver com montar o avião no país.
Muito mais importante é que os brasileiros tenham acesso aos códigos-fonte dos programas de computador do avião e de seus radares e sistemas de armas -que controlam lançamento de mísseis e bombas. A Dassault/Embraer prometem tudo isso também.
O F-16 enfrenta duas resistências. Primeiro, a desconfiança dos militares brasileiros de que isso aumentaria o poder políticos de Washington aqui nos trópicos e não haveria a tal transferência. Segundo, o fato de que o avião pode vir, mas seus mísseis, talvez não.
A chave do combate aéreo moderno é a capacidade de destruir o inimigo a distância. O Chile fez uma concorrência semelhante à brasileira, com quase os mesmos concorrentes, e o F-16 ganhou porque houve a promessa que os mísseis com tal capacidade seriam liberados. Não foram, e agora Santiago tem que esperar a boa vontade do Congresso americano para poder equipar seus caças.
Quanto aos outros competidores, o Gripen e o MiG-29, suas chances são baixas. O primeiro por ter quase 60% de sistemas de tecnologia fechada americana e raio de combate limitado para um país como o Brasil. O segundo, pela obsolescência e falta de garantias de reposição de peças.
Os EUA não querem ver os franceses, que já são os parceiros com discurso mais independente na Otan (aliança militar ocidental), aumentando o peso militar no Brasil -venderam recentemente um porta-aviões e compraram 20% da Embraer. Com isso, não cairia 100% mal uma vitória russa. A decisão final é brasileira e terá de unir a conveniência técnica dos produtos, algo essencialmente militar, ao interesse estratégico do governo sobre qual negócio é mais vantajoso.


Texto Anterior: Aviação: Novo caça da FAB opõe russos e franceses
Próximo Texto: Campo Minado: Ministro faz censo para localizar assentados
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.