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"Eles querem ter acesso antes..."
da Sucursal de Brasília
André Lara Resende liga para
Pedro Malan para comentar discurso que Fernando Henrique
Cardoso faria no Itamaraty no
dia 23 de setembro de 1998. O telefonema ocorreu entre os dias 19
e 23 de setembro. Nesse discurso,
FHC falou pela primeira vez na
crise econômica de forma aberta
durante a campanha eleitoral e
citou o FMI (Fundo Monetário
Internacional).
Malan e Lara Resende falam
por 10 minutos e 15 segundos.
Fazem correções naquilo que o
presidente leria. O ministro da
Fazenda demonstra que negociava os termos do discurso com o
FMI e com o Departamento do
Tesouro dos EUA.
A idéia era ter uma aprovação
prévia, reservada, para garantir
que esses organismos divulgassem um apoio público ao discurso logo depois que FHC falasse.
Também fica evidente nesse
diálogo que Francisco Lopes, então diretor do Banco Central, já
tinha sérias divergências com a
equipe econômica. Lopes acabou
sendo presidente do BC depois
da mudança cambial, em janeiro
passado, mas deixou o governo
por causa de, entre outros motivos, divergências com Malan.
Segundo Lara Resende diz na
conversa, "Chico Lopes acha que
isso (o acordo com o FMI) é uma
espécie assim de abrir mão de independência do Banco Central".
Eis a íntegra da conversa, que
também pode ser ouvida na Internet, no site do Universo Online (www.uol.com.br):
Pedro Malan - Alô?
André Lara Resende - Oi, Pedro.
Malan - Oi, André.
Lara Resende - "Tá com um tempinho?
Malan - "Tô.
Lara Resende - Vou te dizer o seguinte. Eu acho duas coisas. Primeiro eu teria algumas observações de
estilo, assim, uma coisas mais, assim,
meio de português, mas que, digamos, isso é bobagem. Certamente alguém melhor do que eu aí...
Mas eu acho que o discurso tem
duas coisas. Ele é... é muito importante saber a quem está se dirigindo.
Porque ele está estruturado como se
fosse uma declaração de cadeia nacional para o povo em geral. Então
ele é um pouco, ele é professoral, assim, explicando para o público interno, e não sofisticado.
Não é um discurso de estadista.
Não é o discurso do Blair (primeiro-ministro britânico). "Cê viu o discurso do Blair na ONU? Que eu recebi
hoje aqui. É um discurso assim impecável de organização, essas coisas,
né?
Então, é... então, eu acho que ele,
nesse sentido, ele... se eu tivesse pensando, como você me pediu para ler
como o público externo, eu
acho excelente o presidente se dirigir ao
seu público
interno de
uma maneira
firme, explicando as
questões, é...
de maneira
muito decisiva, tal etc.
Mas claramente não é o
discurso para
mim. "Tá?
Agora, o
discurso está
dividido, de
certa forma em duas partes. Até o
item 32, inclusive, ele é muito assim
professoral para um público pouco
sofisticado. Do item 33 em diante, ele
muda um pouco de tom. E ele é um
pouco mais de... para um público
mais sofisticado. Então, eu, de certa
forma, engraçado, quer dizer, a partir do 33 em diante, ele é mais satisfatório para você, pensando como um
público sofisticado externo, né?
Aí, eu diria, por exemplo, o seguinte. Eu acho que no item 50 é fundamental, é a mensagem forte para esse
público, "tá. E eu acho que isso talvez
pudesse ser dito, de uma forma assim, talvez um pouco mais explícita e
mais... mais dura.
Pedro Malan - Item 50...?
Lara Resende - Tem duas metas
imediatas nessa direção..."Cê não
com ele em frente a você aí não?
Malan - Peraí, deixa eu ver... Tantas versões que eu não sei mais qual
é... Peraí. Eu já não sei qual é a versão
que você tem. Deixa eu pegar uma
outra aqui. É diferente. Um minutinho. O que você tem é aquele que eu
te dei lá, no domingo?
Lara Resende - É, domingo, 17 do
nove.
Malan - Começa aqui: "No mundo
de hoje, manter a solidez econômica..."?
Lara Resende - Não... Espera aí,
deixa eu ver onde é que "tá isso...
Complicado...
Malan - Como é que começa?
Lara Resende - O 50 começa dizendo o seguinte: "Tenho duas metas
imediatas nessa direção", esse é o 49.
Aí, o 50: "A primeira é reafirmar meu
compromisso de... (inaudível) uma
proposta de
ajuste fiscal
para os próximos três anos.
Estou determinando hoje
aos ministros
da Fazenda e
do Planejamento que
acelerem os
trabalhos na
preparação
desse programa".
Malan -
Sei...
Lara Resende - Depois, o
51 é: "A segunda é determinar que sejam
efetuados estudos no sentido de definir
uma emenda
constitucional
que consagre
o princípio do
equilíbrio fiscal". Então,
quer dizer, isso aqui é o, assim, o coração. As medidas, o que que
"tá fazendo.
E, bom, e depois tem, eu acho, no
item que fala sobre... no meu é o item
56, "no mundo de hoje, manter a solidez econômica..." Aqui também
pode ser outro item de substância,
"tá.
Eu diria o seguinte: "Nós estamos
aprendendo a tratar do nosso ajuste
de abertura em relação ao mundo.
Dialogar intensamente com os parceiros e com as instituições institucionais..." Eu não sei nem se eu usaria "parceiro", "tá? "...Instituições internacionais, com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial,
o Bird, e outras organizações", eu poria, "dialogar", vírgula, "em busca de
soluções para evitar o alastramento
do pânico"
-eu não sei se a
palavra pânico,
se dita- "e o
aprofundamento da crise", que
ele já falou lá na
frente, e tal.
E, depois, é...
instituições internacionais, aí
eu diria... "de
quais somos sócios", eu também não falaria.
"Instituições internacionais
com as quais
mantemos relações maduras,
abertas e soberanas", ponto.
Eu tiraria o "se for necessário um
acordo com o fundo, o faremos".
Acho que nós estamos insistindo o
tempo todo, mas podemos até falar
mais explicitamente da idéia de que o
fundo tem papel de coordenação
desses acordos.
Acho que o discurso do presidente
deve ser, onde for necessário, nesses
itens específicos de ajuste, ser o mais
explícito possível. Mas ele deve sempre ser um discurso da idéia de estadista. Para uma idéia de "concertação" internacional, em termos disso
e tal. E não nós estamos numa crise e
quebrando. Entendeu?
Aquela idéia de dizer "regional" e
não singularizado, nós... Não é que
nós estamos ameaçando de... Tem
que ser dito, olha, "nós vamos participar de uma ação coordenada, fundamental" etc. etc. E vamos fazer o
dever de casa. E afastar o máximo a
idéia de que ele está... "Se for necessário fazer um acordo com o fundo",
eu falei, não precisa dizer isso... Nós
vamos trabalhar em conjunto...
Malan - O problema é que tem
gente aqui que acha que precisa, entende?
Lara Resende - Por quê? Você
acha o quê?
Malan - Eu acho que... eu tinha até
sugerido botar, em vez de "acordo",
"entendimento"... Na versão, a última, ele acabou de me dar uma agora,
ele mesmo botou uma coisa mais ou
menos nessa linha que você "tá falando . Deixa eu ver se eu consigo entender a letra dele aqui. Um minutinho.
É... Ficava assim, ó: "Por isso não temos, e não teremos medo de tratar
de nossos ajustes com abertura em relação ao mundo.
Dialogar intensamente
com parceiros" -que você botou entre
aspas, né?-
"com instituições internacionais, como
o Fundo Monetário, o Banco Mundial, o
BID e o BIS, às
quais somos
sócios, e com
as quais continuaremos a
manter um relacionamento
maduro, aberto e soberano".
Lara Resende - Isso.
Malan -
(Lendo) "Se
for do interesse do país um
entendimento
com essas instituições, o faremos". Aí tem
um coisa que ele me deu hoje, com a
letra dele: "Estou convencido que os
países do G-7, as instituições referidas acima deveriam colocar à disposição do Fundo Monetário Internacional recursos suficientes para serem utilizados em casos de necessidade pelos países da América Latina,
numa espécie de
fundo de contingência" -aqui
entre aspas-
"que teria como
o objetivo a prevenção de crises". Isso é a letra
dele.
Lara Resende
- É, mas eu... isto
é, em substância,
exatamente ao
que eu acho que
você deve ter aí.
Eu acho até que
pode estar melhor formulado
que isso. Isso aí
está meio confuso. Mas eu acho
que o que ele deve dizer é isso.
"Olha, nós manteremos os contatos com os organismos internacionais", pode
até citar o fundo
especificamente
etc. etc.
Malan - Posso
te pedir um favor?
Lara Resende - Hum?
Malan - "Cê vai falar com o Stan-
ley... com Fischer (diretor-gerente-adjunto do FMI) ainda hoje, né?
Lara Resende - Vou.
Malan - Eles estão, tanto o Fundo
quanto o Tesouro (Departamento do
Tesouro dos EUA), dizendo, pedindo, assim, quase que dizendo: "Nos
deixem ler antes..." Porque a idéia é
que eles saiam com expressão de
apoio. Eles querem ter acesso antes...
Lara Resende - Hum...
Malan - Para poder expressar
apoio. É... você pode... O Fischer, eu
acho que falaria com mais abertura
comigo do que com você, do que comigo, como ministro, sobre essa
questão...
Lara Resende - Eu vou ligar para
ele agora e falar com ele.
Malan - É, liga...
Lara Resende - É, ele me perguntou, ele me perguntou ontem à noite,
então, é o seguinte: "Is Pedro coming
next week for the meeting to negotiate or just for coming?" (O Pedro está
vindo na semana que vem para negociar ou apenas por vir?) Aí, eu falei, olha, "depends" (depende), eu
acho que "to negotiate, depends on
what" (para negociar, depende sobre
o quê), tá?
Malan - Hum...
Lara Resende - Eu até não entendi
o que ele queria dizer com isso. Agora, ele me disse depois o seguinte:
"Vocês, todo mundo... Como é que
está a situação?. Eu falei, "well... stabilized" (bem... estabilizada). Aí ele
disse: "Está todo mundo nervosíssimo e só vocês brasileiros não estão".
Aí eu disse, "o, Stan, do we have an
alternative?" (ô, Stan, nós temos uma
alternativa?) Ele disse, ah, não, tal.
Mas eu senti ele assim muito ansioso.
Com... para alguma solução. Agora,
eu não tenho a menor idéia se ele está
pensando de acordo com o Fundo ou
com uma outra coisa.
Malan - Não, a minha impressão,
por isso eu queria que você checasse
antes, que é isso. Que qualquer...
qualquer solução teria passagem por
um... por um acordo. Uma margem
que a gente tem ali é para ver a natureza do acordo, um programa brasileiro que...
Lara Resende - Olha, eu conversei
com o Chico Lopes ontem... Extremamente resistente a isso... Extremamente resistente... Chico Lopes
acha que isso é uma espécie assim de
abrir mão de independência do Banco Central. Que os caras vão chegar
aqui, vão dizer isso, aquilo, aquilo,
dar palpite nisso, naquilo, tal. Muito
assim... E... aquela tese que eu te falei
um pouco, olha, vão nos impor um
ajuste fiscal não factível... Então, porque eles não entendem, não entendem a coisa do conceito, são inflexíveis sobre isso, vão impor, então é
um, é um... aquilo lá vai acabar sendo
um sinal de... extremamente complicado. E se você fala disso, diz "é coisa
de Teresa, ah, num sei o quê, inviável".
Malan - Bom.. A minha percepção
das conversas que eu tive com o Stanley, é verdade é que quando a situação se deteriora você vai ficando menos seguro, mas era de que seria um
programa nosso que eles dariam o
apoio e o...
Lara Resende - E eu "tô achando
que nós vamos ter que
fazer isso o
tempo todo.
Malan - Dá
uma checada
com ele que
eu queria saber como ele
"tá vendo isso, depois "cê
me retorna
antes de eu
ligar para ele.
Lara Resende - "Tá
bom. Eu vou
ligar para ele.
Bom, mas,
então, pra
terminar, então, eu acho
que é isso,
perfeito. E eu
fiquei com a
impressão,
portanto,
que, se quisesse para ter
um discurso
de mais impacto, incisivo, eu encurtaria, perfeito?
Malan - Eu acho que o presidente
já encurtou. Quer dizer. O negócio
que "cê tem aí deve ter o quê? Umas
13 páginas, uma coisa assim?
Lara Resende - Tem 12.
Malan - Doze? É já "tá com... Bom,
"tá com 11. Mas é 11 em espaço dois,
espaço menor. Ele já cortou muita
coisa.
Lara Resende - "Tá bom. Eu vou ligar para ele, depois eu te falo.
Malan - "Tá bom.
Lara Resende - Um abraço.
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