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CELSO PINTO
As fitas e a teleconfusão
Quem lê, ou ouve, as fitas
grampeadas no BNDES fica
com a impressão de que havia
um consórcio liderando claramente a disputa pela Telemar
e outro, mais fraco, favorito do
governo.
O consórcio que estaria na
dianteira era o formado por
alguns grupos nacionais e pelos fundos de pensão, inclusive
o do Banco do Brasil. De fato,
foi o que levou a Telemar.
O consórcio mais fraco seria
o organizado pelo Opportunity, com a italiana Stet. Tanto seria mais fraco que mobilizou um ministro, o presidente
do BNDES e, indiretamente, o
próprio presidente da República para ajudá-lo. Mesmo assim, perdeu a disputa.
A realidade, contudo, foi
muito mais complicada do que
isso. Para início de conversa,
até o fim de junho a Telemar
era o patinho feio da privatização, sem interessados.
Quando a Stet mostrou interesse, virou, de cara, a favorita. Era uma favorita tão disparada que levou o governo a
inventar um consórcio nacional para garantir disputa e
ágio na venda.
Foi uma articulação que começou algumas semanas antes
do leilão. O governo, aprendiz
de feiticeiro em todo o processo, pediu a Ricardo Sérgio, do
Banco do Brasil, que montasse
um consórcio juntando fundos
de pensão, inclusive a Previ, e
grupos nacionais.
Quando chegou na reta de
chegada, o governo suspeitou
que a Previ, que tinha um
acerto com o consórcio Opportunity/Stet, ia acabar ficando
apenas com o consórcio nacional. Foi quando houve a articulação do governo para viabilizar a participação da Stet
na disputa pela Telemar.
O governo queria que o consórcio nacional continuasse
na disputa, para puxar o preço
do leilão, mas não que levasse
a Telemar. As razões estão explicadas em diversos diálogos
das fitas. Havia a suspeita de
que o consórcio nacional era
uma aliança do corporativismo da antiga Telebrás com o
oportunismo de alguns grupos
nacionais que estavam entrando no negócio apenas para ter ganhos financeiros a
curto prazo.
O consórcio não tinha um
operador (nem o edital o exigia). A certa altura (também
está mencionado nas fitas),
suspeitava-se que a estratégia
do grupo, se ganhasse o leilão,
seria criar uma "holding" para controlar a empresa com
poucas ações, diluir os acionistas minoritários e usar as
ações fora do controle para levantar o dinheiro da própria
compra. Ou seja, controlar a
Telemar sem gastar um tostão.
O governo, certo ou errado,
suspeitava que, se o grupo levasse a Telemar, negociaria
rapidamente com uma grande
operadora. Qual teria sido o
lucro? A Stet, supostamente,
ofereceria R$ 1 bilhão acima
do preço de compra da Telemar, mas sua oferta foi triturada (por já ter comprado a telefonia do Sul).
O lucro potencial, portanto,
seria fantástico. Quando o
BNDES, depois do leilão, forçou a barra e ficou com 25%
da Telemar e com direito de
veto, colocou areia nessa
chance de lucro. A areia ainda
está lá: o BNDES diz que,
quando vender sua parte na
Telemar, embolsará todo o lucro; as empresas do consórcio
querem que o lucro beneficie a
empresa (ou seja, eles). Essa
briga bilionária continua.
Ao contrário do que as fitas
dão a entender, o consórcio
nacional não tinha esperança
em ganhar a Telemar. Tanto
assim que, na descrição de um
dos empresários do grupo, a fixação do preço do leilão foi
quase casual. Na véspera, numa reunião dos sócios, alguém
falou em oferecer 5% de ágio;
outro disse que não deveria
haver ágio nenhum. Acabou
ficando um simbólico 1%. Não
era um ágio para ganhar, só
para constar.
Aí deu zebra. A explicação
oficial para a zebra é a seguinte. A Bell South, na última hora, desistiu de disputar São
Paulo. Com isso, a Telefónica,
que tinha um acordo com seu
sócio nacional (RBS) para levar o Sul, acabou levando São
Paulo. A Stet, que supostamente queria a Telemar, levou
o Sul. E a Telemar, sem a Stet
na briga, ficou com o consórcio
azarão.
Assentada a poeira, há quem
suspeite que a Telefónica sempre esteve interessada em São
Paulo e a Stet, no Sul, ambas
na expectativa de que a Telemar não fosse vendida por falta de interessados (desvalorizando seu preço numa segunda rodada). É difícil saber,
mas o que os diálogos provam
é que o resultado pegou de surpresa o ministro das Comunicações, o presidente do BNDES
e o sócio do Opportunity.
Quer dizer, como articulador
de leilões, o governo foi um
Frankenstein: criou um monstro sem saber e tentou matá-lo, baseado numa antecipação
sobre quem levaria o quê no
leilão, que revelou-se um monumental equívoco. Da trapalhada sobrou uma bilionária
disputa de interesses acompanhada por um enorme pacote
de fitas.
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