São Paulo, Quinta-feira, 27 de Maio de 1999
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CELSO PINTO

As fitas e a teleconfusão

Quem lê, ou ouve, as fitas grampeadas no BNDES fica com a impressão de que havia um consórcio liderando claramente a disputa pela Telemar e outro, mais fraco, favorito do governo.
O consórcio que estaria na dianteira era o formado por alguns grupos nacionais e pelos fundos de pensão, inclusive o do Banco do Brasil. De fato, foi o que levou a Telemar.
O consórcio mais fraco seria o organizado pelo Opportunity, com a italiana Stet. Tanto seria mais fraco que mobilizou um ministro, o presidente do BNDES e, indiretamente, o próprio presidente da República para ajudá-lo. Mesmo assim, perdeu a disputa.
A realidade, contudo, foi muito mais complicada do que isso. Para início de conversa, até o fim de junho a Telemar era o patinho feio da privatização, sem interessados. Quando a Stet mostrou interesse, virou, de cara, a favorita. Era uma favorita tão disparada que levou o governo a inventar um consórcio nacional para garantir disputa e ágio na venda.
Foi uma articulação que começou algumas semanas antes do leilão. O governo, aprendiz de feiticeiro em todo o processo, pediu a Ricardo Sérgio, do Banco do Brasil, que montasse um consórcio juntando fundos de pensão, inclusive a Previ, e grupos nacionais.
Quando chegou na reta de chegada, o governo suspeitou que a Previ, que tinha um acerto com o consórcio Opportunity/Stet, ia acabar ficando apenas com o consórcio nacional. Foi quando houve a articulação do governo para viabilizar a participação da Stet na disputa pela Telemar.
O governo queria que o consórcio nacional continuasse na disputa, para puxar o preço do leilão, mas não que levasse a Telemar. As razões estão explicadas em diversos diálogos das fitas. Havia a suspeita de que o consórcio nacional era uma aliança do corporativismo da antiga Telebrás com o oportunismo de alguns grupos nacionais que estavam entrando no negócio apenas para ter ganhos financeiros a curto prazo.
O consórcio não tinha um operador (nem o edital o exigia). A certa altura (também está mencionado nas fitas), suspeitava-se que a estratégia do grupo, se ganhasse o leilão, seria criar uma "holding" para controlar a empresa com poucas ações, diluir os acionistas minoritários e usar as ações fora do controle para levantar o dinheiro da própria compra. Ou seja, controlar a Telemar sem gastar um tostão.
O governo, certo ou errado, suspeitava que, se o grupo levasse a Telemar, negociaria rapidamente com uma grande operadora. Qual teria sido o lucro? A Stet, supostamente, ofereceria R$ 1 bilhão acima do preço de compra da Telemar, mas sua oferta foi triturada (por já ter comprado a telefonia do Sul).
O lucro potencial, portanto, seria fantástico. Quando o BNDES, depois do leilão, forçou a barra e ficou com 25% da Telemar e com direito de veto, colocou areia nessa chance de lucro. A areia ainda está lá: o BNDES diz que, quando vender sua parte na Telemar, embolsará todo o lucro; as empresas do consórcio querem que o lucro beneficie a empresa (ou seja, eles). Essa briga bilionária continua.
Ao contrário do que as fitas dão a entender, o consórcio nacional não tinha esperança em ganhar a Telemar. Tanto assim que, na descrição de um dos empresários do grupo, a fixação do preço do leilão foi quase casual. Na véspera, numa reunião dos sócios, alguém falou em oferecer 5% de ágio; outro disse que não deveria haver ágio nenhum. Acabou ficando um simbólico 1%. Não era um ágio para ganhar, só para constar.
Aí deu zebra. A explicação oficial para a zebra é a seguinte. A Bell South, na última hora, desistiu de disputar São Paulo. Com isso, a Telefónica, que tinha um acordo com seu sócio nacional (RBS) para levar o Sul, acabou levando São Paulo. A Stet, que supostamente queria a Telemar, levou o Sul. E a Telemar, sem a Stet na briga, ficou com o consórcio azarão.
Assentada a poeira, há quem suspeite que a Telefónica sempre esteve interessada em São Paulo e a Stet, no Sul, ambas na expectativa de que a Telemar não fosse vendida por falta de interessados (desvalorizando seu preço numa segunda rodada). É difícil saber, mas o que os diálogos provam é que o resultado pegou de surpresa o ministro das Comunicações, o presidente do BNDES e o sócio do Opportunity.
Quer dizer, como articulador de leilões, o governo foi um Frankenstein: criou um monstro sem saber e tentou matá-lo, baseado numa antecipação sobre quem levaria o quê no leilão, que revelou-se um monumental equívoco. Da trapalhada sobrou uma bilionária disputa de interesses acompanhada por um enorme pacote de fitas.


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