São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/O PUBLICITÁRIO

Ministério Público acusa empresa de Marcos Valério de ter recebido indevidamente R$ 5,4 milhões da Fundacentro no governo FHC

Agência recebeu por serviço não prestado

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ai de quem pergunta se Cilene Pereira Botelho é proprietária de uma gráfica chamada Image Solution. O escárnio é geral: "Gráfica? Ela é doméstica", conta uma prima de Cilene. Lá no Jardim Aracaré, um bairro pobre de Itaquaquecetuba (SP), todo mundo sabe que as expressões "Cilene" e "proprietária" são incompatíveis.
Pois a Image Solution de Cilene aparece como a gráfica que prestou serviços que somam R$ 690 mil para a Fundacentro, fundação do Ministério do Trabalho que atua na área de medicina e segurança do trabalho. Quem apresentou as notas da Image Solution foi a SMPB São Paulo Comunicação, o braço paulista da agência mineira que tem entre seus sócios Marcos Valério de Souza. Roberto Jefferson (PTB-RJ) acusa Valério de ser um dos financiadores do "mensalão" que o PT pagaria a deputados, o que ele nega.
Foi por meio de expedientes como a gráfica de Cilene que a SMPB recebeu R$ 5,4 milhões da Fundacentro por serviços cuja execução não foi comprovada, segundo estimativas do Ministério Público Federal feitas em 2002. Nesse ano, os procuradores propuseram uma ação de improbidade contra os diretores da Fundacentro, a SMPB e a agência Quality, na qual pedem que eles devolvam R$ 5,86 milhões ao erário.
Ainda em 2002, a juíza federal Lesley Gasparini considerou que havia indícios de irregularidades e determinou a quebra do sigilo bancário das agências de publicidade e dos diretores da Fundacentro. Decretou também a indisponibilidade dos bens dos envolvidos para garantir um eventual ressarcimento à Fundacentro. A ação corre sob segredo de Justiça.
A Fundacentro contratou as duas agências de publicidade em 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando o mineiro Paulo Paiva era ministro do Trabalho. A maior parte do trabalho da SMPB foi usado no 15º Congresso Mundial de Segurança e Saúde no Trabalho, realizado em abril de 1999 em São Paulo.
Auditoria da Secretaria do Controle Interno do Ministério do Trabalho calculou que os pagamentos feitos para as duas agências (R$ 24,9 milhões) seriam suficientes para produzir 6.188.000 peças publicitárias, entre programas, encartes e folhetos. Um milésimo desse número seria suficiente para o porte do congresso, que reuniu cerca de 3.000 pessoas, segundo estimativa dos auditores. Traduzindo: a Fundacentro pagou por mais de 6 milhões de folhetos e só precisava de 6.000.
Os mesmos auditores notaram que muitos dos serviços pagos não foram entregues por três razões: 1) a gráfica que a SMPB dizia ter contratado não existia; 2) ela não tinha porte nem condições técnicas de realizar o serviço; 3) a gráfica existia, mas a nota fiscal que a SMPB apresentou era falsa.
A RBS Gráfica e Editora é um bom exemplo, que sintetiza duas dessas razões. A SMPB apresentou à Fundacentro uma série de 12 notas fiscais, segundo as quais a RBS teria impresso 2.245.000 de folhetos e fascículos, que teriam custado R$ 1.554.428,52. "Nunca fiz um serviço com esse valor. Tenho certeza absoluta. Não tenho capacidade técnica para produzir essa quantidade de folhetos", disse à Folha Dorian Sampaio Filho, um dos sócios da RBS.
Como as notas da auditoria foram numeradas, é possível conferir na RBS se os números checam. A SMPB mostrou a nota 000161, de 1999, no valor de R$ 142.386,00. O primeiro problema, segundo Sampaio Filho, é a data da nota. Só no ano 2000 a RBS emitiu a nota 0161 (outra incongruência é que as notas da gráfica de Fortaleza têm quatro dígitos, e não seis).
O segundo problema é que a nota não foi emitida para a SMPB, mas para a STL Informática. O valor é de R$ 664, e não de R$ 142 mil. A nota que a SMPB apresentou como sendo a 000174, no valor de R$ 101 mil, nem foi emitida pela RBS. Como foi preenchida erroneamente, a primeira via está grampeada no talão da gráfica. "O que essa agência apresentou só pode ser nota fria", diz Sampaio.
Os auditores descobriram um problema idêntico ao da RBS em uma gráfica de Belo Horizonte, a Braga. A SMPB apresentou à Fundacentro seis notas fiscais da Gráfica Braga, as quais atestariam gastos de R$ 783 mil. Os auditores foram conferir e perceberam que as notas apresentadas pela SMPB tinham sido emitidas para outras empresas, com valores menores. A Braga é uma empresa com capital de R$ 15 mil e não teria condições de executar o serviço.
A SMPB falsificou orçamentos de outras empresas. Para que a Fundacentro aprovasse a execução de um serviço, a agência era obrigada a apresentar três propostas de preços. Para acertar com a Image Solution, a SMPB apresentou orçamentos da Colmeiagraf e da Futura, firmas que não existem, segundo a auditoria.

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