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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/O PUBLICITÁRIO
Ministério Público acusa empresa de Marcos Valério de ter recebido indevidamente R$ 5,4 milhões da Fundacentro no governo FHC
Agência recebeu por serviço não prestado
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ai de quem pergunta se Cilene
Pereira Botelho é proprietária de
uma gráfica chamada Image Solution. O escárnio é geral: "Gráfica? Ela é doméstica", conta uma
prima de Cilene. Lá no Jardim
Aracaré, um bairro pobre de Itaquaquecetuba (SP), todo mundo
sabe que as expressões "Cilene" e
"proprietária" são incompatíveis.
Pois a Image Solution de Cilene
aparece como a gráfica que prestou serviços que somam R$ 690
mil para a Fundacentro, fundação
do Ministério do Trabalho que
atua na área de medicina e segurança do trabalho. Quem apresentou as notas da Image Solution
foi a SMPB São Paulo Comunicação, o braço paulista da agência
mineira que tem entre seus sócios
Marcos Valério de Souza. Roberto Jefferson (PTB-RJ) acusa Valério de ser um dos financiadores
do "mensalão" que o PT pagaria a
deputados, o que ele nega.
Foi por meio de expedientes como a gráfica de Cilene que a
SMPB recebeu R$ 5,4 milhões da
Fundacentro por serviços cuja
execução não foi comprovada, segundo estimativas do Ministério
Público Federal feitas em 2002.
Nesse ano, os procuradores propuseram uma ação de improbidade contra os diretores da Fundacentro, a SMPB e a agência Quality, na qual pedem que eles devolvam R$ 5,86 milhões ao erário.
Ainda em 2002, a juíza federal
Lesley Gasparini considerou que
havia indícios de irregularidades e
determinou a quebra do sigilo
bancário das agências de publicidade e dos diretores da Fundacentro. Decretou também a indisponibilidade dos bens dos envolvidos para garantir um eventual
ressarcimento à Fundacentro. A
ação corre sob segredo de Justiça.
A Fundacentro contratou as
duas agências de publicidade em
1997, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, quando o mineiro Paulo Paiva era ministro do
Trabalho. A maior parte do trabalho da SMPB foi usado no 15º
Congresso Mundial de Segurança
e Saúde no Trabalho, realizado
em abril de 1999 em São Paulo.
Auditoria da Secretaria do Controle Interno do Ministério do
Trabalho calculou que os pagamentos feitos para as duas agências (R$ 24,9 milhões) seriam suficientes para produzir 6.188.000
peças publicitárias, entre programas, encartes e folhetos. Um milésimo desse número seria suficiente para o porte do congresso,
que reuniu cerca de 3.000 pessoas,
segundo estimativa dos auditores.
Traduzindo: a Fundacentro pagou por mais de 6 milhões de folhetos e só precisava de 6.000.
Os mesmos auditores notaram
que muitos dos serviços pagos
não foram entregues por três razões: 1) a gráfica que a SMPB dizia
ter contratado não existia; 2) ela
não tinha porte nem condições
técnicas de realizar o serviço; 3) a
gráfica existia, mas a nota fiscal
que a SMPB apresentou era falsa.
A RBS Gráfica e Editora é um
bom exemplo, que sintetiza duas
dessas razões. A SMPB apresentou à Fundacentro uma série de 12
notas fiscais, segundo as quais a
RBS teria impresso 2.245.000 de
folhetos e fascículos, que teriam
custado R$ 1.554.428,52. "Nunca
fiz um serviço com esse valor. Tenho certeza absoluta. Não tenho
capacidade técnica para produzir
essa quantidade de folhetos", disse à Folha Dorian Sampaio Filho,
um dos sócios da RBS.
Como as notas da auditoria foram numeradas, é possível conferir na RBS se os números checam.
A SMPB mostrou a nota 000161,
de 1999, no valor de R$ 142.386,00.
O primeiro problema, segundo
Sampaio Filho, é a data da nota.
Só no ano 2000 a RBS emitiu a nota 0161 (outra incongruência é
que as notas da gráfica de Fortaleza têm quatro dígitos, e não seis).
O segundo problema é que a nota não foi emitida para a SMPB,
mas para a STL Informática. O valor é de R$ 664, e não de R$ 142
mil. A nota que a SMPB apresentou como sendo a 000174, no valor de R$ 101 mil, nem foi emitida
pela RBS. Como foi preenchida
erroneamente, a primeira via está
grampeada no talão da gráfica. "O
que essa agência apresentou só
pode ser nota fria", diz Sampaio.
Os auditores descobriram um
problema idêntico ao da RBS em
uma gráfica de Belo Horizonte, a
Braga. A SMPB apresentou à Fundacentro seis notas fiscais da Gráfica Braga, as quais atestariam
gastos de R$ 783 mil. Os auditores
foram conferir e perceberam que
as notas apresentadas pela SMPB
tinham sido emitidas para outras
empresas, com valores menores.
A Braga é uma empresa com capital de R$ 15 mil e não teria condições de executar o serviço.
A SMPB falsificou orçamentos
de outras empresas. Para que a
Fundacentro aprovasse a execução de um serviço, a agência era
obrigada a apresentar três propostas de preços. Para acertar
com a Image Solution, a SMPB
apresentou orçamentos da Colmeiagraf e da Futura, firmas que
não existem, segundo a auditoria.
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