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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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Depressão é um dos problemas mais frequentes; no entanto, pode ser o momento em que parentes se unem

Desemprego compromete relação familiar

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o final da relação de emprego ocasiona perda generalizada na qualidade de vida das pessoas, o impacto nas relações familiares e na saúde psicológica do trabalhador é enorme. Eis dois dados bastante reveladores:
1 - Estudo realizado pelo serviço de saúde de Manchester, Inglaterra, envolvendo 61 mil pessoas, indicou que o desemprego é o terceiro maior elemento detonador de transtornos afetivos, sobretudo depressão. Perde apenas para a ausência de relacionamento íntimo/familiar e doenças graves.
2 - Pesquisa desenvolvida em 17 países pelo Grupo BPI, multinacional da área de recolocação profissional, aponta que um em cada dois casos de separação conjugal detectados foi precedido por problemas relacionados a desemprego envolvendo um dos integrantes do casal. Ou seja, 50% das separações tiveram a falta de trabalho como fator preponderante.
Há um consenso entre especialistas a respeito dos "malefícios" do desemprego nessas áreas. Quanto às relações familiares, verifica-se um paradoxo: a desestabilização financeira pode ser um elemento de aproximação familiar, pois força a criação de uma rede de proteção entre parentes.
Mas, quanto à saúde, não há o que discutir: "A literatura médica é farta em referências a esse respeito. E essa pesquisa inglesa, reveladora de uma situação muito grave e atual", afirma o psiquiatra Jair Mari, professor titular da Escola Paulista de Medicina.
Para Mari, a relação direta entre desemprego e depressão segue os ditames de um esquema perverso: "O principal sentimento que emerge na situação de perda de emprego é o de inutilidade. Esta, por sua vez, vai ocasionar três tipos de transtornos: a ansiedade, os transtornos somatoformes (dores generalizadas) e a depressão, o mais frequente."
Mari alerta para o fato de que nem todo desempregado irá desenvolver a doença. "Mas os que tiverem predisposição correm um risco maior. E o que se segue é uma série de obstáculos, uma vez que a depressão é incapacitante e vai dificultar muito o retorno ao mercado de trabalho."
Mari afirma que o problema afeta mais os homens do que as mulheres ("Ele perde sua condição de provedor, sente-se diminuído.") e pode ser detectado fortemente no dia-a-dia clínico. Na verdade, os problemas de saúde podem começar mesmo antes de a demissão ocorrer.
A Isma, entidade internacional voltada para o estudos sobre o estresse, entrevistou no Brasil 304 pessoas que estavam na iminência de perder o emprego. Constatou que: 53% aumentaram o consumo de álcool, 93% se queixaram de tensão muscular, 56% apresentaram distúrbios de sono, 31% estavam mais agressivos e 29% tinham alterações na libido.
Se os dados da pesquisa da BPI, revelados pelo professor da FGV e diretor da empresa, Gilberto Guimarães, indicam o impacto desastroso do desemprego nos relacionamentos, ela aponta também para situações de sobrevivência entre os 50% que não se separaram. A mais notável é a "rede de solidariedade" familiar que se estabelece em torno de um parente afetado pela crise.
Historicamente, ensina a professora Ana Maria Bianchi, titular da Faculdade de Economia da USP, as famílias se unem no momento de risco à sobrevivência. "Antigamente, se ajudavam na lavoura. Hoje, na contabilidade da renda familiar. É aí que aparece aquele parente que funciona como um banco, fazendo a compensação e a transferência para o que está em dificuldades."
Se ainda não precisou recorrer ao "caixa" de parentes, o casal Marco Antônio, 45, e Tânia Pedrosa, 36, vive a inversão dos papéis em casa. Formado em engenharia e administração, com pós-graduação em administração hospitalar, ele perdeu o emprego há dois anos. Desde então, a renda familiar caiu de cerca de R$ 7.000 para perto de R$ 3.000, o salário dela como secretária. "Se não fosse a compreensão e o apoio de minha companheira, estaríamos perdidos", diz ele, que hoje cuida do filho de oito anos e de outros afazeres domésticos, intercalados com trabalhos esporádicos e a busca de novas oportunidades.
"Tivemos que cortar a empregada, não saímos mais para comer fora, os passeios são restritos, mas estamos unidos e enfrentando a situação, inclusive com o apoio do restante da família, que é de boa índole", afirma
Esse tipo de apoio também foi dedicado a Marta Tramonte, 36, que vivia por conta de um emprego numa empresa de moda e do trabalho de atriz. Ela perdeu o primeiro trabalho e, junto com o filho de 14 anos, foi obrigada a deixar o apartamento em que vivia para voltar à casa dos pais, ambos professores. "É difícil, mas estou encarando como um recomeço."
Além de ter sido obrigada a vender o carro e ver sua renda diminuída em perto de R$ 3.000, ela tem agora que lidar com questões delicadas, como a divisão do espaço. "É uma relação totalmente invasiva, não sei se boa ou ruim. Mas há momentos em que eu não quero que ninguém me pergunte se estou bem ou não."
O problema de Marta pode ser minimizado, no entanto, se comparado ao de Fernando, 48, que não quis revelar o sobrenome. Ele perdeu o alto posto que ocupava numa multinacional, onde tinha salário de R$ 25 mil. Hoje, está em tratamento à base de antidepressivos e com sérios problemas com a mulher, com quem é casado há dez anos. "Ela quer se separar. Estou no fundo do poço", diz.


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