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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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ELIO GASPARI

Em Viracopos, a pressa da Infraero era trapaça

A Infraero está disposta a impor aos cariocas o projeto arquitetônico do novo terminal do aeroporto Santos Dumont. Ela diz que tem pressa, recusa-se a convocar um concurso público e perfilha uma proposta da empreiteira Figueiredo Ferraz.
O atual aeroporto foi projetado em 1937 pelos arquitetos Marcelo e Márcio Roberto. Eles não tinham amigos em empreiteira ou na aerocracia. Ganharam um concurso e desenharam um dos mais bonitos aeroportos do mundo, numa das paisagens onde esse mundo é mais belo.
O presidente da Infraero, Carlos Wilson, adquiriu a síndrome da pressa-para-começar-a-obra e fez suas escolhas aeroportuárias numa faixa de risco. Alguns mistérios da Infraero podem ser melhor entendidos examinando-se sua sindicância nš 002/Sede/2002. Ela investigou e descreveu malfeitorias praticadas em obras de infra-estrutura do aeroporto de Viracopos. Indiciou sete funcionários.
O relatório conclusivo da comissão é de 21 de março passado. No último dia 4, o diretor administrativo da Infraero, Nelson Ribeiro, julgou o trabalho insuficiente e determinou sua revisão. A nova investigação -a primeira do gênero na história da empresa- pode concluir pela inocência de todos ou de alguns dos indiciados. Também, quem sabe, pode aprofundar a sindicância. Pistas, há.
Entre os indiciados está a arquiteta Eleuza Lores. Mesmo indiciada no relatório preliminar de setembro de 2002, ela foi escolhida em janeiro por Carlos Wilson para a diretoria de engenharia de seu aeromandarinato. Foi mantida no cargo depois de ter sido indiciada no relatório de março.
Ela não é o principal indiciado nem é acusada de ter arquitetado irregularidades. É apenas a superior hierárquica dos outros seis. As malfeitorias cometidas em Viracopos incluíram adiantamentos para os empreiteiros. Coisa de R$ 3,5 milhões. A diretora argumentou que esse tipo de comportamento tem antecedentes na Infraero. Já se adiantaram R$ 6 milhões para a Camargo Corrêa. Outro indiciado lembrou que a Odebrecht também bailou nessa doce valsa.
Pagaram-se obras contratadas em concreto e realizadas com areia. Sumiram serviços, como o de parte do sistema de prevenção de incêndios. (A Infraero, sob cuja jurisdição lambeu o Santos Dumont, não deveria brincar com fogo.)
A sindicância 002 tem um item que ecoa a prepotência do projeto do Santos Dumont. É a cerca do perímetro de Viracopos. Obra de R$ 905 mil. Em novembro de 2000, empurraram essa cerca goela abaixo dos controles da Infraero com a parolagem da pressa. Não haveria tempo para fazer licitação.
É um argumento semelhante ao que os doutores usam para impor o projeto arquitetônico da Figueiredo Ferraz. Não haveria tempo para organizar o concurso. A Comissão de Sindicância de Viracopos provou que houve tempo de sobra para se fazer o serviço de acordo com a boa norma legal.
Os aerotecas dizem que não podem convocar o concurso público para o Santos Dumont porque têm pressa para fazer a obra. Se a Infraero não tivesse uma queda pelo projeto da empreiteira, já poderia ter concluído o concurso e começado a obra. Na cerca de Viracopos, como no terminal do Santos Dumont, o problema não é pressa, é preferência.
Se meia dúzia de funcionários maltratam o patrimônio da Viúva numa obra em Viracopos, deve-se lamentar, mas pagando, passa. No caso do Santos Dumont, o problema é outro: a Infraero quer impor uma edificação que ficará entre duas obras primas, o aeroporto dos irmãos Roberto e o Pão de Açúcar do Padre Eterno.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota ocioso. Ele está em Salvador e pretende se encontrar com o ministro Jaques Wagner, do Trabalho e Emprego. O idiota tem horror a trabalho e admira o ministro por ter dito que, na discussão do desemprego, "o alarme é maior que o drama".
Segundo o IBGE, em seis meses, o governo de Lula criou 98 mil empregos. Outras 443 mil pessoas ficaram sem ter o que fazer. Eremildo decorou o que o ministro disse: "O crescimento do patamar de desemprego não é fruto da eliminação de postos de trabalho, mas de uma expansão do contingente de pessoas procurando trabalho". É o que o doutor Wagner chama de "efeito trabalhador adicional".
O idiota pretende tranquilizar todos aqueles que temem ser postos para trabalhar por Lula. O PT disse durante a campanha que seu governo poderia criar 10 milhões de empregos. Eremildo concluiu que, pelo desempenho de seu primeiro semestre, Lula precisa ficar 50 anos no Planalto para entregar os empregos sugeridos. Nesses 50 anos, o "efeito trabalhador adicional" terá produzido 44 milhões de desempregados. Eremildo acha que esse cenário wagneriano (de Richard, não de Jaques) assegura o seu ócio até 2053.

Saiu caro

Nesta semana, os deputados e senadores recebem a segunda parcela de R$ 9.640 referente ao pagamento dos serviços que prestaram durante a convocação extraordinária do Congresso. Foram chamados para votar 20 projetos de lei e votaram nove. Permitiram ao governo cumprir parte dos prazos de suas reformas constitucionais.
Quinze deputados (14 do PT e um do PMDB) devolveram ou doaram o dinheiro. Uma senadora petista também.

Querem sumir com o dinheiro da educação

Circula nos subúrbios da reforma tributária uma bonita tunga. Ela demanda um pouco de paciência, mas é uma verdadeira aula para o entendimento das mágicas que são usadas no andar de cima para embolsar o dinheiro dos impostos que deveriam ir para o andar de baixo. Trata-se de sumir com R$ 7 bilhões das despesas mandatórias dos Estados com educação e saúde.
Hoje, a Constituição determina que de cada R$ 100 repassados pela União aos Estados, eles devam gastar 25% com educação e 12% com saúde. Todos os Estados renegociaram suas dívidas com Brasília, quase sempre se comprometendo a pagar 13% do que venham a receber da União. Em qualquer quitanda, a coisa funciona assim: o Estado recebe R$ 100, bota R$ 25 na educação, R$ 12 na saúde e com R$ 13 quita uma parte de sua dívida.
O projeto de reforma dá aos Estados o direito de mudar esse cálculo. Os investimentos em educação e saúde seriam calculados depois de descontado o pagamento da dívida. Parece coisa neutra, pois o Estado deveria pagar R$ 13 e R$ 13 pagará. Ilusão. Sucederá o seguinte:
A Viúva repassa R$ 100, o governador paga R$ 13 de dívida e restam-lhe R$ 87. Com isso, aquilo que devia ser 25% de R$ 100 passa a ser 25% de R$ 87. Os 25% viram 21,75% e os 12% transformam-se em 10,44%.
Em dinheiro, tomando-se o total estimado dos repasses deste ano (R$ 128 bilhões) os Estados em vez de serem obrigados a gastar R$ 32 bilhões em educação, gastarão só R$ 28 bilhões. Aquilo que seriam despesas obrigatórias de R$ 15 bilhões na saúde, passarão a ser gastos de R$ 12 bilhões.
Sumiram os R$ 7 bilhões da educação e da saúde. Transformaram-se num dinheiro que os governadores poderão gastar como bem entenderem.
É difícil acreditar que a bancada do PT na Câmara referende um truque por meio do qual se garante a integralidade do pagamentos das dívidas, tungando-se as despesas em educação e saúde. No tempo em que os petistas falavam, eles diziam que faltava dinheiro na educação e na saúde porque se privilegiava o pagamento das dívidas.

Entrevista:

Antonio Carlos Correia

(51 anos, técnico judiciário. Na noite do dia 18, participava de uma manifestação em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Quebraram-lhe o nariz.)
- O senhor já apanhou da polícia? Alguma vez lhe passou pela cabeça que acabaria apanhando do PT?
Da polícia nunca apanhei. Desde 1984, quando fui para o Anhangabaú, no último comício das Diretas Já, participo de manifestações. Eu não poderia pensar que ia apanhar de petistas, até porque, desde que eu me conheço como gente, os petistas estavam nas mesmas manifestações que eu. Mas não acredito que eu tenha sido espancado pelo PT. Quem quebrou meu nariz foram pitbulls lulistas. Um pessoal que você deve ver no Iraque até hoje, defendendo o Saddam Hussein. Eles estavam na porta do sindicato para arrebentar quem fosse se manifestar contra essa reforma da Previdência. Nós estávamos esperando a chegada do ministro Antonio Palocci Filho.
- Vocês não foram lá para provocar?
Nós éramos uns 15 e perto da metade eram mulheres. Provocar, como? Fomos nos manifestar, abrindo uma faixa do PSTU. Eu não sou do PSTU nem sei o que quer dizer, mas a direção do meu sindicato é muito ligada a ele. [PSTU é a sigla do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado.] No que abrimos a faixa, um pitbull rasgou-a. Eu fiquei com uma das hastes na mão e um sujeito puxou. Se eu soltasse, ele me batia de pau. Segurei a haste. Daí em diante, lembro pouca coisa. Sei que levei um murro mas não sei de onde veio. Tomei uns chutes, uma gravata. Depois meus colegas me botaram num carro, fui para o ambulatório e horas depois estava num hospital para fazer uma cirurgia. Passei dois dias com o nariz cheio de gesso. Os pitbulls não argumentaram, entraram batendo. Um disse: "Não queremos PSTU aqui".
- Da próxima vez o senhor vai pensar duas vezes antes de ir para a rua?
Acho que não. O que me preocupa é que quebraram meu nariz e arrebentaram nossa manifestação em São Bernardo na sexta-feira. Ninguém deu atenção. Na terça, o deputado petista João Paulo Cunha chamou a Polícia Militar para dentro do Congresso. Eu acho que uma coisa tem a ver com a outra. É uma maneira de tratar quem se manifesta contra você.

Ótima notícia

A passagem do presidente Néstor Kirchner por Washington deu alento à idéia de que a Casa Branca poderá ajudar a Argentina e o Brasil a renegociar os critérios contábeis do FMI. Coisa complicada, pode ser resumida assim: o Fundo considera um investimento de R$ 1 bilhão em obras de saneamento como gasto público, o que obriga o governo a produzir outro bilhão para cumprir suas metas de superávit fiscal.
O Brasil sempre defendeu que os investimentos de empresas estranhas ao Tesouro ficassem fora dessa conta. Uma revisão do sistema de contabilidade do FMI permitiria que o governo brasileiro aumentasse seus investimentos em energia, saneamento e estradas em pelo menos R$ 5 bilhões por ano.
Os poucos sinais de que o governo Bush pode ajudar são tênues. Por que o governo americano ajudaria o Brasil e a Argentina a conseguir esse refresco do FMI? Porque não lhe interessa que nenhum dos dois quebre.

Sem empulhação

O pessoal da privataria brasileira ganhou um mau olhado no FMI. É o novo economista-chefe da instituição, o indiano Raghuram Rajan, vindo da Universidade de Chicago. Rajan é o autor, junto com o professor Luigi Zingales, do livro "Saving Capitalism from the Capitalists" (Salvando o capitalismo dos capitalistas).
Seu ponto é que o acesso ao crédito e ao mercado financeiro é a melhor maneira de gerar progresso e mobilidade social. Pulverizar ações (sem rendimento garantido, como se trama no andar de cima de Pindorama) é o melhor caminho para salvar o capitalismo.
Rajan e Zingales escreveram um intrigante ensaio no qual comparavam as economias do Brasil e do México entre o final do século 19 e o início do 20. Eles viram saúde, quase uma revolução, na abertura financeira do fim do Império e do início da República.


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