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NO PLANALTO
Cia. Vale do Rio Amargo
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Transferiu-se para Brasília uma das mais palpitantes
brigas da República no momento.
A pendenga começou em Belém
(PA). Envolve Ubiratan Cazetta,
um jovem procurador da República, e o Bradesco, maior casa bancária do país.
O roteiro do caso é uma sopa de
números e teses jurídicas. A mistura é indigesta. Mas mesmo os
fãs de "Uga Uga" deveriam jogar
algum tempo fora tentando digerir o prato.
No centro do ringue está a privatização da Cia. Vale do Rio Doce, a maior mineradora do planeta -um negócio de R$ 3,2 bilhões. Só no primeiro semestre de
2000, o lucro líquido da empresa
foi superior a R$ 1 bilhão.
No primeiro round da luta, Cazetta fez o adversário dobrar os
joelhos. Virou notícia nacional ao
obter da Justiça autorização para
desnudar e apalpar as contas do
Bradesco e de outras 15 pessoas, físicas e jurídicas.
O juiz Eduardo Cubas, da 4ª
Vara Federal de Belém, autorizou-o a imiscuir-se na contabilidade do Bradesco porque farejou
"um esquema envolvendo a privatização" da Vale.
Um dos integrantes da cúpula
do Bradesco rasgou a sentença de
Cubas depois de lê-la. Irritou-se
com o emprego do vocábulo "esquema". Achou-o impróprio e
desrespeitoso.
Durou pouco, porém, a quebra
de sigilos bancário, fiscal, comercial e societário do Bradesco. Escassos 33 dias -de 7 de julho,
quando foi autorizada por Cubas,
a 10 de agosto, data em que foi
cassada pelo juiz Olindo Menezes,
do Tribunal Regional Federal
(Brasília), em decisão ainda inédita.
Semana passada, a equipe de
Armínio Fraga recebeu ofício do
juiz Olindo, sustando a encomenda vinda do Pará. O Banco Central já se preparava para recolher
os dados bancários confidenciais.
Abortada a operação, ouviram-se
suspiros de alívio na Esplanada e
na praça dos Três Poderes.
O Bradesco está metido neste
banzé-de-cuia porque, contratado pelo governo para ajudar a
preparar a venda da Vale, quis
passar para o outro lado do balcão. Tentou participar do leilão
como comprador.
Invocando razões éticas, o
BNDES o proibiu. Hoje, no entanto, subsidiária do Bradesco compõe o quadro de acionistas da Vale. A mineradora, de resto, é dirigida por Roger Agnelli, homem de
confiança do banco. Agnelli assumiu em maio, no lugar de Benjamin Steinbruch.
O procurador Cazetta suspeita
que o Bradesco tenha driblado a
proibição do BNDES. Valendo-se
de subterfúgios, teria participado
do leilão. O Bradesco diz que pôs o
pé na Vale graças a operações financeiras consumadas depois do
leilão de privatização. Cazetta
quer tirar a prova dos nove. Daí o
pedido de quebra de sigilo.
Para tentar detê-lo, o Bradesco
contratou um nomão da advocacia nacional, Saulo Ramos. O advogado foi bater à porta do TRF,
em Brasília. Num primeiro momento, não lhe deram ouvidos. O
presidente do Tribunal, Tourinho
Neto, negou-se a rever a quebra
de sigilo.
Saulo viajou à capital. Junto
com outro advogado, Luiz Carlos
Bettiol, seu parceiro em Brasília,
interpôs novo recurso. Dessa vez,
o documento foi bater na mesa do
juiz Olindo Menezes, que o acolheu. Ele concordou com a tese de
que o sigilo do Bradesco fora quebrado de forma muito ligeira. No
texto de sua sentença, Olindo cutuca o procurador:
"O Ministério Público precisa
municiar-se de mais elementos fáticos, até mesmo indiciários (desde que veementes), para dar base
suficiente ao seu pleito".
A decisão de Olindo não põe
uma pedra sobre o assunto. Longe
disso. O caso será agora analisado
pelo colegiado do TRF.
Ubiratan Cazetta já voltou à
carga. Em parceria com Maria
Soares Camelo Cordioli, procuradora regional da República lotada em Brasília, redigiu o seu contra-ataque. O documento, protocolado sexta-feira no TRF, pede a
manutenção da quebra de sigilo.
O que diz a Procuradoria da República:
1) A participação indireta do
Bradesco no leilão da Vale deu-se
da seguinte maneira: as empresas
Belapart e Valetron, controladas
pelo Opportunity de Daniel Dantas (sempre ele!), lançaram no
mercado, no dia da venda da Vale, debêntures no valor de R$ 604
milhões. Os papéis foram comprados por uma subsidiária do Bradesco, a União Participações. O
dinheiro das debêntures serviu
para que o Opportunity financiasse a Elétron, outra empresa
que controlava, na compra da
Vale. A Elétron integrou o consórcio vencedor. Desembolsou R$ 660
milhões. Posteriormente, 85,6%
das ações da Elétron foram repassadas ao Bradesco. Com a operação, o banco passou a controlar
7,5% do capital votante da Vale
do Rio Doce.
3) O Bradesco detém 15% da
CSN que, por sua vez, controla
31% da Vale.
Como responde o Bradesco:
1) O banco não tomou parte do
leilão. A tese da participação indireta é fantasiosa.
2) O Bradesco, de fato, comprou
as debêntures da Belapart e da
Valetron. Mas a compra se deu
depois do leilão em que a Vale foi
vendida (Saulo Ramos não menciona datas em seus recursos). O
advogado considera natural que,
vencedoras no leilão, as empresas
"viessem obter financiamento para seus planos de ampliações empresariais" junto ao Bradesco. A
debênture é um título de crédito
ao portador. Na data do vencimento, diz Saulo, as empresas não
tiveram como pagar. E entregaram as ações que levaram o Bradesco ao quadro de acionistas da
Vale;
3) O Bradesco reconhece que, à
época do leilão da Vale, detinha
11% das ações da CSN, integrante
do consórcio que comprou a mineradora. Na opinião do banco,
sua participação na empresa é ínfima e não permite que seja visto
como participante do leilão. Algo
que só ocorreria se controlasse
35% ou mais da CSN.
Em documento interno, ainda
desconhecido do Ministério Público, o Bradesco admite que o dinheiro das debêntures serviu para
financiar a participação do Opportunity no leilão. Trata-se de
um questionário encaminhado ao
advogado Caio Tácito, especialista em direito administrativo;
Tácito foi procurado pelo banco
para elaborar um parecer sobre o
caso. Acertou-se que responderia
a um questionário. Eis as perguntas que embutem a admissão de
que o ervanário das debêntures
serviu para cacifar o Opportunity
e não para financiar-lhe investimentos depois do leilão: "O Bradesco poderia ter financiado o
Banco Opportunity para a aquisição das ações da Vale, através da
subscrição das debêntures de
emissão da Valetron e da Belapart? A operação de financiamento poderia ser considerada uma
hipótese de participação indireta
(...)?" Em sua resposta, Caio Tácito diz que não vê conflitos entre a
operação e as regras da privatização.
No momento, o placar da luta
registra um empate. Mas pode se
decepcionar quem der as costas
para o azarão Ubiratan Cazetta.
Nos próximos dias, o Bradesco
deve juntar aos autos do processo
um novo documento, em fase final de elaboração. Dirá no texto
que empresas estrangeiras, especialmente australianas, estão de
olho na Vale. Dará nomes aos
bois. E deixará clara a sua disposição de bancar grupos nacionais.
Não há de ser por puro patriotismo.
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