São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2000


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NO PLANALTO
Cia. Vale do Rio Amargo

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Transferiu-se para Brasília uma das mais palpitantes brigas da República no momento. A pendenga começou em Belém (PA). Envolve Ubiratan Cazetta, um jovem procurador da República, e o Bradesco, maior casa bancária do país.
O roteiro do caso é uma sopa de números e teses jurídicas. A mistura é indigesta. Mas mesmo os fãs de "Uga Uga" deveriam jogar algum tempo fora tentando digerir o prato.
No centro do ringue está a privatização da Cia. Vale do Rio Doce, a maior mineradora do planeta -um negócio de R$ 3,2 bilhões. Só no primeiro semestre de 2000, o lucro líquido da empresa foi superior a R$ 1 bilhão.
No primeiro round da luta, Cazetta fez o adversário dobrar os joelhos. Virou notícia nacional ao obter da Justiça autorização para desnudar e apalpar as contas do Bradesco e de outras 15 pessoas, físicas e jurídicas.
O juiz Eduardo Cubas, da 4ª Vara Federal de Belém, autorizou-o a imiscuir-se na contabilidade do Bradesco porque farejou "um esquema envolvendo a privatização" da Vale.
Um dos integrantes da cúpula do Bradesco rasgou a sentença de Cubas depois de lê-la. Irritou-se com o emprego do vocábulo "esquema". Achou-o impróprio e desrespeitoso.
Durou pouco, porém, a quebra de sigilos bancário, fiscal, comercial e societário do Bradesco. Escassos 33 dias -de 7 de julho, quando foi autorizada por Cubas, a 10 de agosto, data em que foi cassada pelo juiz Olindo Menezes, do Tribunal Regional Federal (Brasília), em decisão ainda inédita.
Semana passada, a equipe de Armínio Fraga recebeu ofício do juiz Olindo, sustando a encomenda vinda do Pará. O Banco Central já se preparava para recolher os dados bancários confidenciais. Abortada a operação, ouviram-se suspiros de alívio na Esplanada e na praça dos Três Poderes.
O Bradesco está metido neste banzé-de-cuia porque, contratado pelo governo para ajudar a preparar a venda da Vale, quis passar para o outro lado do balcão. Tentou participar do leilão como comprador.
Invocando razões éticas, o BNDES o proibiu. Hoje, no entanto, subsidiária do Bradesco compõe o quadro de acionistas da Vale. A mineradora, de resto, é dirigida por Roger Agnelli, homem de confiança do banco. Agnelli assumiu em maio, no lugar de Benjamin Steinbruch.
O procurador Cazetta suspeita que o Bradesco tenha driblado a proibição do BNDES. Valendo-se de subterfúgios, teria participado do leilão. O Bradesco diz que pôs o pé na Vale graças a operações financeiras consumadas depois do leilão de privatização. Cazetta quer tirar a prova dos nove. Daí o pedido de quebra de sigilo.
Para tentar detê-lo, o Bradesco contratou um nomão da advocacia nacional, Saulo Ramos. O advogado foi bater à porta do TRF, em Brasília. Num primeiro momento, não lhe deram ouvidos. O presidente do Tribunal, Tourinho Neto, negou-se a rever a quebra de sigilo.
Saulo viajou à capital. Junto com outro advogado, Luiz Carlos Bettiol, seu parceiro em Brasília, interpôs novo recurso. Dessa vez, o documento foi bater na mesa do juiz Olindo Menezes, que o acolheu. Ele concordou com a tese de que o sigilo do Bradesco fora quebrado de forma muito ligeira. No texto de sua sentença, Olindo cutuca o procurador:
"O Ministério Público precisa municiar-se de mais elementos fáticos, até mesmo indiciários (desde que veementes), para dar base suficiente ao seu pleito".
A decisão de Olindo não põe uma pedra sobre o assunto. Longe disso. O caso será agora analisado pelo colegiado do TRF.
Ubiratan Cazetta já voltou à carga. Em parceria com Maria Soares Camelo Cordioli, procuradora regional da República lotada em Brasília, redigiu o seu contra-ataque. O documento, protocolado sexta-feira no TRF, pede a manutenção da quebra de sigilo.
O que diz a Procuradoria da República:
1) A participação indireta do Bradesco no leilão da Vale deu-se da seguinte maneira: as empresas Belapart e Valetron, controladas pelo Opportunity de Daniel Dantas (sempre ele!), lançaram no mercado, no dia da venda da Vale, debêntures no valor de R$ 604 milhões. Os papéis foram comprados por uma subsidiária do Bradesco, a União Participações. O dinheiro das debêntures serviu para que o Opportunity financiasse a Elétron, outra empresa que controlava, na compra da Vale. A Elétron integrou o consórcio vencedor. Desembolsou R$ 660 milhões. Posteriormente, 85,6% das ações da Elétron foram repassadas ao Bradesco. Com a operação, o banco passou a controlar 7,5% do capital votante da Vale do Rio Doce.
3) O Bradesco detém 15% da CSN que, por sua vez, controla 31% da Vale.
Como responde o Bradesco:
1) O banco não tomou parte do leilão. A tese da participação indireta é fantasiosa.
2) O Bradesco, de fato, comprou as debêntures da Belapart e da Valetron. Mas a compra se deu depois do leilão em que a Vale foi vendida (Saulo Ramos não menciona datas em seus recursos). O advogado considera natural que, vencedoras no leilão, as empresas "viessem obter financiamento para seus planos de ampliações empresariais" junto ao Bradesco. A debênture é um título de crédito ao portador. Na data do vencimento, diz Saulo, as empresas não tiveram como pagar. E entregaram as ações que levaram o Bradesco ao quadro de acionistas da Vale;
3) O Bradesco reconhece que, à época do leilão da Vale, detinha 11% das ações da CSN, integrante do consórcio que comprou a mineradora. Na opinião do banco, sua participação na empresa é ínfima e não permite que seja visto como participante do leilão. Algo que só ocorreria se controlasse 35% ou mais da CSN.
Em documento interno, ainda desconhecido do Ministério Público, o Bradesco admite que o dinheiro das debêntures serviu para financiar a participação do Opportunity no leilão. Trata-se de um questionário encaminhado ao advogado Caio Tácito, especialista em direito administrativo;
Tácito foi procurado pelo banco para elaborar um parecer sobre o caso. Acertou-se que responderia a um questionário. Eis as perguntas que embutem a admissão de que o ervanário das debêntures serviu para cacifar o Opportunity e não para financiar-lhe investimentos depois do leilão: "O Bradesco poderia ter financiado o Banco Opportunity para a aquisição das ações da Vale, através da subscrição das debêntures de emissão da Valetron e da Belapart? A operação de financiamento poderia ser considerada uma hipótese de participação indireta (...)?" Em sua resposta, Caio Tácito diz que não vê conflitos entre a operação e as regras da privatização.
No momento, o placar da luta registra um empate. Mas pode se decepcionar quem der as costas para o azarão Ubiratan Cazetta.
Nos próximos dias, o Bradesco deve juntar aos autos do processo um novo documento, em fase final de elaboração. Dirá no texto que empresas estrangeiras, especialmente australianas, estão de olho na Vale. Dará nomes aos bois. E deixará clara a sua disposição de bancar grupos nacionais. Não há de ser por puro patriotismo.


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