UOL

São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Uma idéia para o ministro da Saúde: vá embora

O ministro Humberto Costa perdeu o bonde. Resta saber se vai embora logo, tornando-se um daqueles ministros da Saúde ruins e rápidos, ou se fica, disputando o pódio dos três piores ministros dos últimos 20 anos. A crise do Instituto Nacional do Câncer desmoraliza o ministro, ofende o médico.
Uma bonita crise. Ao mesmo tempo em que expôs a desqualificação administrativa do comissariado petista, deu à saúde pública brasileira uma linda página.
Mais de cem médicos se rebelaram e devolveram a chefia de seus setores, protestando contra a esculhambação da casa onde trabalham e servem à população. Uma instituição onde 3.000 funcionários fazem 2.000 consultas diárias.
Nove em cada dez médicos do Inca dedicam 80% do seu tempo à instituição, que lhes paga 20% de suas rendas. Nos consultórios particulares, tiram 80% da renda em 20% do tempo. O Inca é um dos grandes serviços públicos com medicina de ponta onde só se atende a turma do SUS.
Uma clientela com três salários mínimos de renda, na média.
O comissariado petista, com o conhecimento e a tolerância do ministro Humberto Costa, atentou contra a seriedade administrativa do Instituto Nacional do Câncer. Com seu beneplácito, nomeou-se para a coordenação administrativa da instituição a senhora Zélia Abdulmacih.
Poderia ser uma veterana administradora de hospitais. Numa longa carreira pública, foi secretária de Esportes e Lazer, presidente da Fundação de Parques, administradora da Tijuca e ocupou um cargo que talvez seja o sonho de consumo da escumalha contribuinte: secretária especial de Monumentos Públicos, na gestão do prefeito Luiz Paulo Conde. Conseguiu essas posições por ser casada com o vereador Sami Jorge. Ele se elegeu pela primeira vez em 1954. Salvo um período durante o qual lhe cassaram os direitos políticos (sem que pairasse sobre sua ilustre figura qualquer suspeita de subversão), nunca perdeu uma eleição. Presidiu a Câmara dos Vereadores em quatro legislaturas sucessivas. Sua senhora mandou desligar a rede de licitações eletrônicas que encontrou na coordenadoria. Humberto Costa sempre soube disso y algo más.
O secretário de Atenção à Saúde, Jorge Solla, capa-preta enviado por Brasília para negociar com os médicos rebelados, assegura que o PT federal não loteou o Inca. Tudo bem. Ele ganha um Ômega australiano ou dois roupões de algodão egípcio se conseguir contar como dona Zélia foi cair na coordenadoria do Instituto. Comeu um javali no Capela, subiu a Mem de Sá, sentou-se num banco da praça da Cruz Vermelha e resolveu entrar no Inca, para ver se havia serviço?
Interessante personagem o doutor Solla. Reunido com os médicos, queixou-se porque eles permitiram que a crise fosse parar nos jornais. Pior: queixou-se especificamente do fato de o desmanche do Inca ter caído duas vezes no "Jornal Nacional" (quatro, com o noticiário de segunda e de ontem): "O ministério ficou muito exposto".
O doutor Solla, o homem da "Atenção à Saúde", sai de Brasília, vem ao Rio e entra num hospital onde faltam 36 suprimentos como os kits de dosagem de ciclosporina para pacientes transplantados ou antibióticos banais como a amplicilina. Já faltaram água destilada e soro. Um hospital que fazia 20 cirurgias por dia hoje faz zero, por falta de suprimentos. Falta tudo isso, e o companheiro Solla está preocupado com o "Jornal Nacional". O problema não é a falta de drogas quimioterápicas, é o William Bonner. Não é o risco de uma infecção por falta de penicilina, é a possibilidade de a Fátima Bernardes franzir o cenho. Certo, doutor: lembra aquela moça de São Bernardo, grávida, com hepatite? Morreu, mas o "Jornal Nacional" não deu. Era a mulher de uma metalúrgico qualquer.
A revolta dos médicos do Inca foi uma dádiva, um choque quimioterápico para os loteadores dos serviços sociais do governo federal. Tomara que venham outras rebeliões. Há uns oito anos, o Hospital das Clínicas de São Paulo esteve perto de coisa parecida.


Texto Anterior: Personalidade: Murillo Macêdo morre de câncer
Próximo Texto: Panorâmica - Caso CC-5: PF prende 5 por suspeita de lavagem
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.