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ELIO GASPARI
Uma idéia para o ministro
da Saúde: vá embora
O ministro Humberto
Costa perdeu o bonde. Resta saber se vai embora logo, tornando-se um daqueles ministros da Saúde ruins e rápidos,
ou se fica, disputando o pódio
dos três piores ministros dos últimos 20 anos. A crise do Instituto Nacional do Câncer desmoraliza o ministro, ofende o médico.
Uma bonita crise. Ao mesmo
tempo em que expôs a desqualificação administrativa do comissariado petista, deu à saúde
pública brasileira uma linda
página.
Mais de cem médicos se rebelaram e devolveram a chefia de
seus setores, protestando contra
a esculhambação da casa onde
trabalham e servem à população. Uma instituição onde 3.000
funcionários fazem 2.000 consultas diárias.
Nove em cada dez médicos do
Inca dedicam 80% do seu tempo
à instituição, que lhes paga 20%
de suas rendas. Nos consultórios
particulares, tiram 80% da renda em 20% do tempo. O Inca é
um dos grandes serviços públicos com medicina de ponta onde só se atende a turma do SUS.
Uma clientela com três salários mínimos de renda, na média.
O comissariado petista, com o
conhecimento e a tolerância do
ministro Humberto Costa, atentou contra a seriedade administrativa do Instituto Nacional do
Câncer. Com seu beneplácito,
nomeou-se para a coordenação
administrativa da instituição a
senhora Zélia Abdulmacih.
Poderia ser uma veterana administradora de hospitais. Numa longa carreira pública, foi
secretária de Esportes e Lazer,
presidente da Fundação de Parques, administradora da Tijuca
e ocupou um cargo que talvez
seja o sonho de consumo da escumalha contribuinte: secretária especial de Monumentos Públicos, na gestão do prefeito Luiz
Paulo Conde. Conseguiu essas
posições por ser casada com o
vereador Sami Jorge. Ele se elegeu pela primeira vez em 1954.
Salvo um período durante o
qual lhe cassaram os direitos políticos (sem que pairasse sobre
sua ilustre figura qualquer suspeita de subversão), nunca perdeu uma eleição. Presidiu a Câmara dos Vereadores em quatro
legislaturas sucessivas. Sua senhora mandou desligar a rede
de licitações eletrônicas que encontrou na coordenadoria.
Humberto Costa sempre soube
disso y algo más.
O secretário de Atenção à Saúde, Jorge Solla, capa-preta enviado por Brasília para negociar
com os médicos rebelados, assegura que o PT federal não loteou o Inca. Tudo bem. Ele ganha um Ômega australiano ou
dois roupões de algodão egípcio
se conseguir contar como dona
Zélia foi cair na coordenadoria
do Instituto. Comeu um javali
no Capela, subiu a Mem de Sá,
sentou-se num banco da praça
da Cruz Vermelha e resolveu
entrar no Inca, para ver se havia
serviço?
Interessante personagem o
doutor Solla. Reunido com os
médicos, queixou-se porque eles
permitiram que a crise fosse parar nos jornais. Pior: queixou-se
especificamente do fato de o
desmanche do Inca ter caído
duas vezes no "Jornal Nacional"
(quatro, com o noticiário de segunda e de ontem): "O ministério ficou muito exposto".
O doutor Solla, o homem da
"Atenção à Saúde", sai de Brasília, vem ao Rio e entra num hospital onde faltam 36 suprimentos como os kits de dosagem de
ciclosporina para pacientes
transplantados ou antibióticos
banais como a amplicilina. Já
faltaram água destilada e soro.
Um hospital que fazia 20 cirurgias por dia hoje faz zero, por
falta de suprimentos. Falta tudo
isso, e o companheiro Solla está
preocupado com o "Jornal Nacional". O problema não é a falta de drogas quimioterápicas, é
o William Bonner. Não é o risco
de uma infecção por falta de penicilina, é a possibilidade de a
Fátima Bernardes franzir o cenho. Certo, doutor: lembra
aquela moça de São Bernardo,
grávida, com hepatite? Morreu,
mas o "Jornal Nacional" não
deu. Era a mulher de uma metalúrgico qualquer.
A revolta dos médicos do Inca
foi uma dádiva, um choque quimioterápico para os loteadores
dos serviços sociais do governo
federal. Tomara que venham
outras rebeliões. Há uns oito
anos, o Hospital das Clínicas de
São Paulo esteve perto de coisa
parecida.
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