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São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2003

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VIAGEM À VENEZUELA

Em encontro com Chávez, presidente afirma que críticas mais duras a seu governo vêm de "setores corporativos"

Não gosto do rótulo "esquerda", diz Lula

ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

Apesar de todo seu passado de sindicalista e de toda a história do PT, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou ontem em entrevista que jamais gostou de ser rotulado de esquerdista e que nunca foi comunista. Ao seu lado, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, disse que também não é comunista. Os dois, Lula e Chávez, mais de uma vez foram citados como os "esquerdistas" do continente.
"Em toda minha vida, nunca gostei de ser rotulado de esquerda. E, na primeira vez que me perguntaram se eu era comunista, respondi: "Sou torneiro mecânico'", disse Lula, acrescentando que sempre negociou com empresários e que as críticas mais duras contra seu governo não partem da esquerda, mas de "setores corporativos".
As declarações de Lula foram em resposta a uma pergunta da Folha. Ele havia feito um discurso contundente de esquerda contra os países ricos, enquanto no Brasil seu governo é elogiado pelas elites e pelo capital, mas enfrenta oposição justamente da esquerda.
"Eu não negocio com os empresários porque sou presidente. Eu sempre negociei com os empresários, desde que era líder sindical", respondeu Lula, dizendo que as críticas a seu governo não partem da esquerda, mas "dos corporativistas" que reagem contra a reforma da Previdência.
"A reforma é justa economicamente, justa moralmente, justa eticamente. Era preciso alguém com coragem para fazê-la e eu tive coragem. Alguns companheiros, corporativistas que são, é que não tiveram coragem de votar contra a corporação", disse.
Acrescentou que, às vezes, "é mais fácil fazer greve" e que "começar uma greve é mais fácil do que terminá-la, porque exige coragem e liderança".
Segundo Lula, que cumpriu uma visita oficial de menos de 24 horas na Venezuela, sempre ao lado do polêmico Chávez, a maioria da esquerda está na sua base no Congresso e a existência de oposição e críticas é natural numa sociedade democrática.
"Estamos fazendo grandes acordos com a sociedade brasileira, mas conscientes de que sempre haverá gente contra", disse Lula a jornalistas, à platéia de venezuelanos do governo e da iniciativa privada e dirigindo-se vez por outra diretamente a Chávez.
Eles se sentaram lado a lado no salão Ayacucho, no Palácio de Miraflores, sede do governo. Ao fundo, uma tela a óleo de Simón Bolívar, herói da libertação da Venezuela e ídolo particular de Chávez.
Lula disse que todo esse processo de negociação, de oposição e de críticas no Brasil "faz parte da democracia" e ironizou: "Estamos ensinando a muita gente que estudou muito e que não sabe pôr em prática a democracia".
Na mesma pergunta, a Folha também quis saber se, ao negociar e ceder a interesses do grande capital, Lula havia aprendido uma lição com as sucessivas crises políticas e a tentativa de golpe na Venezuela, no ano passado. "O Brasil será sempre contra qualquer tentativa de golpe, de quebra da institucionalidade. Aprendi com o golpe na Venezuela a prezar ainda mais a democracia", disse.
O presidente venezuelano se referiu ao golpe como uma ameaça não só a ele, mas à eleição de Lula. "Um golpe contra Chávez era um golpe antecipado contra Lula. [Os golpistas] diziam ao povo do Brasil: "Se elegerem Lula, vejam o que pode acontecer'", afirmou.
Em seguida, Chávez referiu-se à oposição empresarial que liderou o fracassado golpe contra ele como "fascista e terrorista", mas disse que respeita as empresas e os capitais privados e sabe que o país precisa deles para gerar empregos e justiça social.


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