São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ PALOCCI NA MIRA

Secretário de Obras na gestão do ministro em Ribeirão Preto afirma que ele foi omisso na apuração de denúncias de tráfico de influência

Palocci protegeu Buratti, diz ex-assessor

ROGÉRIO PAGNAN
DA FOLHA RIBEIRÃO

RUBENS VALENTE
CONRADO CORSALETTE
ENVIADOS ESPECIAIS A RIBEIRÃO

Secretário de Obras na primeira gestão de Antonio Palocci em Ribeirão Preto (SP), o engenheiro Luiz Fernando Alessi, 52, afirmou, em entrevista à Folha, que o hoje ministro da Fazenda foi "omisso" na apuração de denúncia de tráfico de influência na prefeitura e que "protegeu" o advogado Rogério Buratti, então secretário de Governo, nas relações que mantinha com empreiteiras da cidade, entre elas a Leão Leão.
Alessi, co-fundador do PT em Ribeirão, revelou ter recebido informações de petistas da cidade de que o segundo turno da primeira campanha de Palocci à prefeitura, em 1992, foi pago com doações não declaradas à Justiça Eleitoral. O dinheiro teria vindo principalmente da Leão Leão e de usinas de álcool da região.
O engenheiro trabalhou um ano e três meses com Palocci (entre janeiro de 1993 e março de 1994). Alessi deixou o PT em 1996. A seguir, trechos da entrevista:
 

Folha - O que mudou na campanha de Palocci, em 1992, com a chegada de Buratti?
Luiz Fernando Alessi -
Aparentemente, os contatos que o Palocci fazia com doadores de campanha ocorriam sempre na presença do Buratti. O pessoal do partido ficou sem saber o que acontecia.

Folha - Houve aproximação com empreiteiras?
Alessi -
Foi nesse momento que a Leão Leão, pelo que soube, fez doações ao partido, mas doações não declaradas. Soube também de um pool de usinas da região que também fez uma doação.

Folha - Palocci tinha conhecimento dessas doações?
Alessi -
Com certeza. Ele participava pessoalmente, junto com Buratti, da busca desses recursos.

Folha - Em que momento o senhor soube que as doações de campanha eram ilegais?
Alessi -
Me lembro de ter visto as contas, e os valores eram ridículos perto da despesa.

Folha - Que tipo de provas o senhor tem para afirmar isso?
Alessi -
Não tenho nenhum documento ou prova, mas é voz corrente que essas tinham sido as principais fontes doadoras da campanha. Ouvi de pessoas importantes do partido.

Folha - Houve algum pedido direto de Buratti para que a Leão Leão fosse beneficiada?
Alessi -
Não. Mas recebi recado da Leão Leão. Um funcionário da secretaria chegou e disse que o pessoal da Leão havia mandado avisar -eles já prestavam vários serviços para a secretaria: "Estamos querendo ganhar dinheiro com isso". Disse que bastava eles continuarem atuando como vinham atuando.

Folha - Qual era o objetivo do recado?
Alessi -
Seria provavelmente saber se eu me interessaria em fazer alguma composição com eles. Chegando mais para o final do ano [1993] eu comecei a perceber um movimento das empreiteiras dentro da Secretaria de Governo, o que era uma coisa atípica. As empreiteiras passaram a ser chamadas na Secretaria de Governo e às vezes acontecia, por exemplo, de eu encontrar um dono de construtora e ele comentar: "Olha, estive com Buratti e mudei o cronograma da obra tal". Então havia certa interferência. Fui ao Buratti e ele disse "não, não é nada disso". Falei com o Palocci.

Folha - O que levou à sua saída?
Alessi -
Foi quando tive uma discussão forte a respeito da mudança na direção da Cohab [companhia municipal de habitação]. Havia uma empresa de prestação de serviços formada por assessores do Daerp [Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão]. Estavam em cargos de confiança. Esse grupo saiu do Daerp para assumir a Cohab num momento em que a prefeitura destinava 1% do Orçamento para obras de um loteamento popular. (...) Contei ao Palocci que eles estavam usando a estrutura do Daerp com finalidade privada, prestando serviços em benefício deles mesmos.

Folha - A única atitude do prefeito foi transferir essas pessoas? O senhor esperava mais do prefeito?
Alessi -
Esperava no mínimo um processo administrativo, além de dispensá-los do serviço.

Folha - O senhor acha que o prefeito foi omisso?
Alessi -
Sem dúvida. Isso foi colocado claramente para ele. Não entendo como o Palocci não tomou uma atitude clara, porque ele é de resolver as coisas.

Folha - A partir do momento em que o senhor fez essa denúncia para o prefeito, a sua situação na prefeitura mudou?
Alessi -
Coincide com o recado da Leão Leão. Tudo aconteceu no final do ano de 1993. No começo de 1994, o Palocci pediu o cargo. Eu assinei a carta de demissão.

Folha - Por que o senhor deixou o PT em 1996?
Alessi -
Saí [da prefeitura] e estava tranqüilo. Foi quando recebi uma fita cassete que tinha uma denúncia. Era uma gravação em que Rogério Buratti combinava uma compensação para um empresário da área da construção civil, da Almeida & Filho. A seguir, comecei a compreender que isso talvez tivesse a ver com uma obra viária na avenida Antonio e Helena Zerrenner, onde foi aberta uma concorrência. A Almeida & Filho ganhou a concorrência. Era a maior e mais cara obra viária que a prefeitura estava fazendo em 1994 aqui em Ribeirão. Mas a licitação foi cancelada e anulada. A justificativa é que esqueceram de colocar uma ponte [no projeto]. Pouco tempo depois reabriram a licitação, a empresa Almeida & Filho não apresentou preço. Coisa estranha, a empresa desistir. Em seguida, aparece a fita do Buratti conversando com esse empresário que ganhou e depois desistiu. E ele [Buratti] diz que "o prefeito mandou dar uma compensada pra você". Parece que fica claro que há um nexo nisso.

Folha - Qual é o nexo?
Alessi -
O nexo aparente é que a empresa que ganhou a nova licitação era a empresa que deveria ganhar por algum motivo.

Folha - E qual foi?
Alessi -
Ganhou a Leão Leão. É curioso isso, né?

Folha - Por que decidiu falar só agora?
Alessi -
Naquela época eu tinha apenas uma sensação de que alguma coisa ocorria. Só depois recebi a fita do Buratti, depois soube de um possível superfaturamento, na época, de instalações elétricas no conjunto Heitor Rigon, da Cohab. Aguardamos o final da campanha presidencial, e, com mais 30 militantes do PT, na maior parte fundadores, fomos ao partido pedir uma comissão de ética para julgar a atitude de Buratti e a questão da Cohab.

Folha - E o que aconteceu?
Alessi -
Para nossa surpresa, Buratti não foi julgado pela Comissão de Ética, mas esse colega e eu não fomos expulsos por um voto. Nem sabíamos que estávamos sendo avaliados.

Folha - Palocci protegeu Buratti?
Alessi -
Acredito que sim.

Folha - De alguma forma o PT se beneficiava dessa promiscuidade entre público e privado?
Alessi -
O que eu vivi dentro da administração me mostrou coisas que foram permitidas dentro do PT. Nunca vi o Palocci promover, solicitar ou indicar alguma coisa para o lado de corrupção. Posso dizer do Palocci que ele é extremamente inteligente, hábil e educado. Agora, as coisas que vi acontecer dentro da administração, e que não são esquemas enormes de corrupção, são um jogo de algumas pessoas. Palocci, no lugar de expulsar Buratti ou exonerá-lo do cargo, deixou que ele saísse um tempo depois "a pedido". Palocci jamais falou que Buratti estava fora porque cometeu um ato grave.


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