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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ PALOCCI NA MIRA
Secretário de Obras na gestão do ministro em Ribeirão Preto afirma que ele foi omisso na apuração de denúncias de tráfico de influência
Palocci protegeu Buratti, diz ex-assessor
ROGÉRIO PAGNAN
DA FOLHA RIBEIRÃO
RUBENS VALENTE
CONRADO CORSALETTE
ENVIADOS ESPECIAIS A RIBEIRÃO
Secretário de Obras na primeira
gestão de Antonio Palocci em Ribeirão Preto (SP), o engenheiro
Luiz Fernando Alessi, 52, afirmou, em entrevista à Folha, que o
hoje ministro da Fazenda foi
"omisso" na apuração de denúncia de tráfico de influência na prefeitura e que "protegeu" o advogado Rogério Buratti, então secretário de Governo, nas relações
que mantinha com empreiteiras
da cidade, entre elas a Leão Leão.
Alessi, co-fundador do PT em
Ribeirão, revelou ter recebido informações de petistas da cidade
de que o segundo turno da primeira campanha de Palocci à prefeitura, em 1992, foi pago com
doações não declaradas à Justiça
Eleitoral. O dinheiro teria vindo
principalmente da Leão Leão e de
usinas de álcool da região.
O engenheiro trabalhou um ano
e três meses com Palocci (entre janeiro de 1993 e março de 1994).
Alessi deixou o PT em 1996. A seguir, trechos da entrevista:
Folha - O que mudou na campanha de Palocci, em 1992, com a chegada de Buratti?
Luiz Fernando Alessi - Aparentemente, os contatos que o Palocci
fazia com doadores de campanha
ocorriam sempre na presença do
Buratti. O pessoal do partido ficou sem saber o que acontecia.
Folha - Houve aproximação com
empreiteiras?
Alessi - Foi nesse momento que
a Leão Leão, pelo que soube, fez
doações ao partido, mas doações
não declaradas. Soube também
de um pool de usinas da região
que também fez uma doação.
Folha - Palocci tinha conhecimento dessas doações?
Alessi - Com certeza. Ele participava pessoalmente, junto com
Buratti, da busca desses recursos.
Folha - Em que momento o senhor soube que as doações de campanha eram ilegais?
Alessi - Me lembro de ter visto as
contas, e os valores eram ridículos
perto da despesa.
Folha - Que tipo de provas o senhor tem para afirmar isso?
Alessi - Não tenho nenhum documento ou prova, mas é voz corrente que essas tinham sido as
principais fontes doadoras da
campanha. Ouvi de pessoas importantes do partido.
Folha - Houve algum pedido direto de Buratti para que a Leão Leão
fosse beneficiada?
Alessi - Não. Mas recebi recado
da Leão Leão. Um funcionário da
secretaria chegou e disse que o
pessoal da Leão havia mandado
avisar -eles já prestavam vários
serviços para a secretaria: "Estamos querendo ganhar dinheiro
com isso". Disse que bastava eles
continuarem atuando como vinham atuando.
Folha - Qual era o objetivo do recado?
Alessi - Seria provavelmente saber se eu me interessaria em fazer
alguma composição com eles.
Chegando mais para o final do
ano [1993] eu comecei a perceber
um movimento das empreiteiras
dentro da Secretaria de Governo,
o que era uma coisa atípica. As
empreiteiras passaram a ser chamadas na Secretaria de Governo e
às vezes acontecia, por exemplo,
de eu encontrar um dono de
construtora e ele comentar:
"Olha, estive com Buratti e mudei
o cronograma da obra tal". Então
havia certa interferência. Fui ao
Buratti e ele disse "não, não é nada disso". Falei com o Palocci.
Folha - O que levou à sua saída?
Alessi - Foi quando tive uma discussão forte a respeito da mudança na direção da Cohab [companhia municipal de habitação].
Havia uma empresa de prestação
de serviços formada por assessores do Daerp [Departamento de
Água e Esgoto de Ribeirão]. Estavam em cargos de confiança. Esse
grupo saiu do Daerp para assumir
a Cohab num momento em que a
prefeitura destinava 1% do Orçamento para obras de um loteamento popular. (...) Contei ao Palocci que eles estavam usando a
estrutura do Daerp com finalidade privada, prestando serviços em
benefício deles mesmos.
Folha - A única atitude do prefeito foi transferir essas pessoas? O
senhor esperava mais do prefeito?
Alessi - Esperava no mínimo um
processo administrativo, além de
dispensá-los do serviço.
Folha - O senhor acha que o prefeito foi omisso?
Alessi - Sem dúvida. Isso foi colocado claramente para ele. Não
entendo como o Palocci não tomou uma atitude clara, porque
ele é de resolver as coisas.
Folha - A partir do momento em
que o senhor fez essa denúncia para o prefeito, a sua situação na prefeitura mudou?
Alessi - Coincide com o recado
da Leão Leão. Tudo aconteceu no
final do ano de 1993. No começo
de 1994, o Palocci pediu o cargo.
Eu assinei a carta de demissão.
Folha - Por que o senhor deixou o
PT em 1996?
Alessi - Saí [da prefeitura] e estava tranqüilo. Foi quando recebi
uma fita cassete que tinha uma
denúncia. Era uma gravação em
que Rogério Buratti combinava
uma compensação para um empresário da área da construção civil, da Almeida & Filho. A seguir,
comecei a compreender que isso
talvez tivesse a ver com uma obra
viária na avenida Antonio e Helena Zerrenner, onde foi aberta
uma concorrência. A Almeida &
Filho ganhou a concorrência. Era
a maior e mais cara obra viária
que a prefeitura estava fazendo
em 1994 aqui em Ribeirão. Mas a
licitação foi cancelada e anulada.
A justificativa é que esqueceram
de colocar uma ponte [no projeto]. Pouco tempo depois reabriram a licitação, a empresa Almeida & Filho não apresentou preço.
Coisa estranha, a empresa desistir. Em seguida, aparece a fita do
Buratti conversando com esse
empresário que ganhou e depois
desistiu. E ele [Buratti] diz que "o
prefeito mandou dar uma compensada pra você". Parece que fica claro que há um nexo nisso.
Folha - Qual é o nexo?
Alessi - O nexo aparente é que a
empresa que ganhou a nova licitação era a empresa que deveria ganhar por algum motivo.
Folha - E qual foi?
Alessi - Ganhou a Leão Leão. É
curioso isso, né?
Folha - Por que decidiu falar só
agora?
Alessi - Naquela época eu tinha
apenas uma sensação de que alguma coisa ocorria. Só depois recebi a fita do Buratti, depois soube
de um possível superfaturamento, na época, de instalações elétricas no conjunto Heitor Rigon, da
Cohab. Aguardamos o final da
campanha presidencial, e, com
mais 30 militantes do PT, na
maior parte fundadores, fomos ao
partido pedir uma comissão de
ética para julgar a atitude de Buratti e a questão da Cohab.
Folha - E o que aconteceu?
Alessi - Para nossa surpresa, Buratti não foi julgado pela Comissão de Ética, mas esse colega e eu
não fomos expulsos por um voto.
Nem sabíamos que estávamos
sendo avaliados.
Folha - Palocci protegeu Buratti?
Alessi - Acredito que sim.
Folha - De alguma forma o PT se
beneficiava dessa promiscuidade
entre público e privado?
Alessi - O que eu vivi dentro da
administração me mostrou coisas
que foram permitidas dentro do
PT. Nunca vi o Palocci promover,
solicitar ou indicar alguma coisa
para o lado de corrupção. Posso
dizer do Palocci que ele é extremamente inteligente, hábil e educado. Agora, as coisas que vi
acontecer dentro da administração, e que não são esquemas
enormes de corrupção, são um jogo de algumas pessoas. Palocci,
no lugar de expulsar Buratti ou
exonerá-lo do cargo, deixou que
ele saísse um tempo depois "a pedido". Palocci jamais falou que
Buratti estava fora porque cometeu um ato grave.
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