São Paulo, Segunda-feira, 27 de Setembro de 1999
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ENTREVISTA DA 2ª
Ciro defende controle do câmbio e diz não querer gerir "massa falida" FERNANDO CANZIAN
Editor de Brasil

ROBERTO COSSO
da Reportagem Local

Ciro Gomes, 41, diz que não será candidato à Presidência da República em 2002 caso ""o pior" aconteça à economia do país. ""Não tenho vocação para síndico de massa falida." E ele prevê o pior.
Ciro afirma que o modelo econômico atual ""não se sustenta" e propõe, de imediato, a centralização cambial. A medida evitaria a fuga de capitais enquanto o governo negocia um ""alongamento" no perfil da dívida pública.
""Resta esta última fresta", diz, para evitar que o país caminhe para ""a volta da inflação ou para a explosão da dívida".
Leia a seguir trechos de entrevista concedida na última semana, em São Paulo, na qual Ciro detalha as propostas com que pretende chegar à Presidência:

Folha - Quais são suas propostas para o Brasil?
Ciro Gomes
- A questão básica é o desenvolvimento. O desenvolvimento é consequência de uma equação objetiva que, basicamente, tem que cobrir o seguinte itinerário: só há desenvolvimento se houver investimento, só há investimento se houver poupança.
Hoje, o Brasil não tem desenvolvimento porque a poupança está estrangulada. A poupança pública é negativa. O governo pratica déficits monstruosos. Por isso, eleva a taxa de juros, expandindo a dívida pública. A taxa de poupança interna do país está entre 15% e 20%. Então, internamente não há poupança que financie um desenvolvimento, que tem que ser a taxas altas se tivermos a presunção de ganhar a corrida das usinas de desemprego que hoje existem.
O capital estrangeiro tem vindo basicamente investir em negócios instalados. Vem na privatização a preço de banana e para a compra de empresas nacionais estranguladas no financiamento com deságio médio de 30% a 35%.
Qualquer projeto estrutural para o país tem que dizer de onde vem o investimento. Essa é a resposta que nós temos de dar.

Folha - Mas como é possível fazer isso imediatamente?
Ciro
- É preciso desatar o nó da dívida pública. Para elevar a poupança interna é necessário celebrar um novo pacto tributário, com a audácia de dizer para a população que o Estado precisa ser enriquecido, não empobrecido.
Propomos que o sistema atual seja revogado e substituído por um novo sistema muito mais simples, muito mais compreensivo, muito mais consentâneo (adequado) com a racionalidade que o Brasil precisa.

Folha - E o nó da Previdência?
Ciro
- É a poupança compulsória privada previdenciária. Hoje o Brasil tem um sistema previdenciário de repartição falido. Estruturalmente falido por várias razões. Sem embargo de consertar todos os privilégios que têm que ser removidos, o problema brasileiro é na receita.
Hoje, você tem um paradoxo no Brasil em que construção civil e atividades que empregam muita gente pagam uma brutal conta para a Previdência e uma fábrica robotizada fatura horrores, porque tem meia dúzia de operários, e não paga nada. A idéia é pôr a máquina para pagar mais.

Folha - E como o sr. vai fazer, caso seja eleito, a transição entre um sistema e o outro?
Ciro
- Haverá um movimento transitório. A despesa pública que tomou um volume intolerável é a despesa com o juro da dívida. Esse ano aproxima-se de R$ 119 bilhões o que se vai gastar com juros para carregar a dívida interna do país. Isso é muito próximo da receita líquida tributária da União.
O governo está mascarando números, chamando a atenção para o superávit maior da história e não sei o que, mas ele está contabilizando alho com bugalho. Não é sustentável. O governo Fernando Henrique tem várias armadilhas dessas armadas.

Folha - Como é que o sr. desarma isso, se esses papéis da dívida já estão vendidos a essas taxas de juro?
Ciro
- Pior. A dívida é toda de curto prazo. Essa dívida inteira, de R$ 408 bilhões do setor público federal, vence em oito meses. E é isso que está estrangulando tudo.

Folha - O que fazer?
Ciro
- A solução correta, estrutural, é privatizar, sacrificar o patrimônio e pagar a dívida. Tínhamos combinado lá atrás e isso foi criminosamente traído por essa gente do governo. Galoparam a dívida de R$ 61 bilhões para R$ 408 bilhões e no mesmo passo venderam o patrimônio e dissiparam o dinheiro financiando o consumo de popularidade fácil.
Resta agora um problema terrível, que é a absoluta insustentabilidade desse perfil e a ameaça da volta da inflação. Resta uma última fresta, delicadíssima, de alta complexidade para fazer, mas nós acreditamos que é possível ser feito, desde que esses dados dos movimentos estruturais estejam indicados com clareza.
Precisamos conseguir uma negociação do perfil da dívida, garantir o pagamento, garantir que não vai haver calote, que não vai haver quebra de contrato, que não vai haver aventura colorida (referindo-se a Fernando Collor), que não vai haver nada de compulsório e tentar uma negociação dessa dívida.
Seria absolutamente ingênuo imaginar que apenas a boa vontade dos credores da dívida seria suficiente para que essa dívida fosse reestruturada no seu prazo, embora o seu volume tenha que ser garantido.

Folha - O que o sr. está dizendo é que, antes de começar a negociar, o sr. vai tomar uma medida unilateral...
Ciro
- Dentro da ordem jurídica.

Folha - Mas o sr. concorda que nessa sua proposta o sr. vai ter que tomar uma medida unilateral antes?
Ciro
- É. Eu não posso sentar à mesa com a porta aberta.

Folha - Então, o sr. vai ter que fechar a porta antes.
Ciro
- Sim.

Folha - E, ao anunciar agora que o sr. vai fechar essa porta, todos vão passar por ela antes...
Ciro
- Tenho vivência suficiente para saber o que estou fazendo. Então eu estou dizendo a regra antes e correndo o risco de não me eleger. Ou de me eleger em cima de um fato consumado que é uma brutal fuga de capitais.
Mas todas essas propostas são para o atual governo. Todas essas propostas que nós estamos fazendo não presumem esperar que o desastre se consume.

Folha - Mas são propostas suas, não são?
Ciro
- Sim, mas a nossa dinâmica no debate é propor com clareza, porque eu não quero ser presidente da República enganando ninguém. Eu não vou dizer diferente do que eu penso. Então, eu sei, com a minha experiência, que eu estou correndo o risco grave de não me eleger, mas eu só quero me eleger se a opinião pública brasileira souber claramente o que é a proposta.

Folha - Mas aí o sr. eventualmente se elege tendo deixado claro que vai fechar a porta, mesmo que de forma transitória e seletiva, para impedir a fuga de capitais. Nos dois meses que vão anteceder a sua posse, boa parte do dinheiro vai embora. O que o sr. vai fazer depois?
Ciro
- Esse é um problema. É um problema porque não estará acontecendo no meu governo. É um problema para o atual governo. E isso vai se resolver racionalmente ou selvagemente pela inflação antes disso. Eu não tenho a menor dúvida disso.

Folha - Pelo o que o sr. diz, essas propostas são para o atual governo. E o atual governo dificilmente vai adotá-las.
Ciro
- Então, sentamos daqui a três anos para conversar sobre quais serão as propostas.

Folha - Mas qual vai ser o seu plano B lá na frente?
Ciro
- Não dá para fazer o plano B agora porque eu não sei qual é a variável no futuro. Eu estou dando uma proposta que é contemporânea do problema.

Folha - Mas assim é fácil, não?
Ciro
- Mas eu só posso propor sobre o problema. Se amanhã tem um problema lá na frente, eu não sei. Você vai me obrigar a dizer o seguinte: não, e se houve uma fuga de capital? Se houve uma inflação galopante? Isso é outro problema, a gente senta e conversa. E se esse problema emergir antes de três anos, voltamos a conversar. A minha proposta é para o Brasil hoje. Eu não participo do ""fora FHC" da oposição, acho que essa corda não deve ser esticada.
E nem participo daquela psicologia de que a gente tem que ver o circo pegar fogo para rir do palhaço no fim. Eu quero propor para o país hoje. Eu não posso refletir sobre o problema brasileiro daqui a três anos, seria uma imprudência.

Folha - Então, digamos que tudo continue igual. Daqui a três anos o sr. virá então com um pacote de propostas que não são essas que acabou de enumerar, certo?
Ciro
- Não, não. As propostas serão dinamicamente discutidas ao longo dos próximos três anos e quatro meses. Hoje, o problema brasileiro é esse e a solução que nós propomos é essa.

Folha - Certo, então esse não é o seu programa de governo.
Ciro
- Isso aqui é a transição.

Folha - Mas o sr. está propondo isso para um governo do qual não faz parte.
Ciro
- Não, eu estou propondo uma solução para o problema que eu estou criticando. Eu acho que o problema do estrangulamento patrimonial brasileiro está mal administrado, não vai dar em nada. Vai dar em calote ou inflação. Eu quero prevenir que isso não aconteça e estou propondo uma solução. Para não fazer assim: eu critico o governo, mas não digo o que eu proponho se eu estivesse no lugar hoje.

Folha - O que o sr. propõe ao governo FHC de imediato é o seguinte: a primeira ação a ser tomada para seguir seu conjunto de medidas é fazer uma centralização cambial. Certo?
Ciro
- Controlar seletivamente, transitoriamente, a conta de capitais. Tem muita gente refletindo sobre isso e o debate está interditado porque isso encerra certos privilégios no país. Eu acho que conta de capital é ""boi" aberto. Eu fui ministro da Fazenda, não fiz nenhum programa de controle de conta de capitais. Por quê? Porque naquele momento não tinha esse problema.

Folha - Então, se o quadro piorar, se ocorrer um dos dois cenários, de volta da inflação ou explosão da dívida...
Ciro
- Sentamos para conversar. Você não pode ter um plano para uma realidade completamente distinta e imponderável.

Folha - E se o presidente Fernando Henrique chegar para o sr. hoje e disser: gostei, vem cá para o governo fazer. O sr. vai?
Ciro
- Assim, só, não. Porque eu não acredito nele e auxiliar do presidente, no presidencialismo, tem que confiar.

Folha - O que é "assim só não"?
Ciro
- Suponha que o país celebre um consenso em cima de um susto, de um problema grave, que a sociedade brasileira toda discuta um novo esforço e, sinceramente, todo mundo entenda que está na hora de um esforço de unidade nacional. Aí qualquer um tem que ir ajudar.

Folha - O sr. concorda com a tese de que quanto pior, melhor para sua candidatura?
Ciro
- Para mim é péssimo. Se o pior acontecer, eu não sou candidato.

Folha - Por quê?
Ciro
- Porque eu não sou irresponsável. Não tenho vocação para síndico de massa falida, nem para salvador da pátria.
O ideal para mim é que esse governo acerte. Você está olhando no meu olho: o ideal para mim é que esse governo acerte.

Folha - Mas aí as suas chances diminuem.
Ciro
- Sim. Eu espero que tenha chance zero se esse governo tiver um sucesso absoluto, porque aí eu não preciso nem ser candidato a presidente.

Folha - E aí o sr. vai fazer o quê?
Ciro
- Ah! Eu posso ser qualquer coisa ou nada. As pessoas raciocinam sempre com aquele político velho do passado. De como é que eu fico na foto?
Na eleição passada, antes de sair do PSDB, me mandaram escolher um ministério pela quarta vez. Não aceitei. Depois, insistiram muito para eu ser candidato a governador do Ceará, as pesquisas dizendo que eu teria 70% dos votos. Não aceitei. Depois, que eu fosse candidato a senador. Não aceitei. Creio que teria um mandato de deputado federal com relativo conforto. Não aceitei.
Fui lá para esse negócio (referindo-se ao período em que passou em Harvard, nos EUA), a mim encantador, de tentar construir uma coisa que me dá muito mais entusiasmo. Começar praticamente do zero, tudo de novo.

Folha - E o sr. vê chance de a conjuntura melhorar?
Ciro
- Remota. Persistindo no paradigma, nenhuma, porque o modelo atual é inconsistente. O modelo não se sustenta, não vai dar certo.

Folha - Quem substituirá Ruth Cardoso na presidência do Comunidade Solidária em um eventual governo Ciro Gomes?
Ciro
- Mamãe.


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