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ENTREVISTA DA 2ª
Ciro defende controle do câmbio e
diz não querer gerir "massa falida"
FERNANDO CANZIAN
Editor de Brasil
ROBERTO COSSO
da Reportagem Local
Ciro Gomes, 41, diz que não será
candidato à Presidência da República em 2002 caso ""o pior" aconteça à economia do país. ""Não tenho vocação para síndico de massa falida." E ele prevê o pior.
Ciro afirma que o modelo econômico atual ""não se sustenta" e
propõe, de imediato, a centralização cambial. A medida evitaria a
fuga de capitais enquanto o governo negocia um ""alongamento" no perfil da dívida pública.
""Resta esta última fresta", diz,
para evitar que o país caminhe
para ""a volta da inflação ou para a
explosão da dívida".
Leia a seguir trechos de entrevista concedida na última semana, em São Paulo, na qual Ciro detalha as propostas com que pretende chegar à Presidência:
Folha - Quais são suas propostas para o Brasil?
Ciro Gomes - A questão básica é
o desenvolvimento. O desenvolvimento é consequência de uma
equação objetiva que, basicamente, tem que cobrir o seguinte itinerário: só há desenvolvimento se
houver investimento, só há investimento se houver poupança.
Hoje, o Brasil não tem desenvolvimento porque a poupança está
estrangulada. A poupança pública é negativa. O governo pratica
déficits monstruosos. Por isso,
eleva a taxa de juros, expandindo
a dívida pública. A taxa de poupança interna do país está entre
15% e 20%. Então, internamente
não há poupança que financie um
desenvolvimento, que tem que
ser a taxas altas se tivermos a presunção de ganhar a corrida das
usinas de desemprego que hoje
existem.
O capital estrangeiro tem vindo
basicamente investir em negócios
instalados. Vem na privatização a
preço de banana e para a compra
de empresas nacionais estranguladas no financiamento com deságio médio de 30% a 35%.
Qualquer projeto estrutural para o país tem que dizer de onde
vem o investimento. Essa é a resposta que nós temos de dar.
Folha - Mas como é possível
fazer isso imediatamente?
Ciro - É preciso desatar o nó da
dívida pública. Para elevar a poupança interna é necessário celebrar um novo pacto tributário,
com a audácia de dizer para a população que o Estado precisa ser
enriquecido, não empobrecido.
Propomos que o sistema atual
seja revogado e substituído por
um novo sistema muito mais simples, muito mais compreensivo,
muito mais consentâneo (adequado) com a racionalidade que o
Brasil precisa.
Folha - E o nó da Previdência?
Ciro - É a poupança compulsória privada previdenciária. Hoje o
Brasil tem um sistema previdenciário de repartição falido. Estruturalmente falido por várias razões. Sem embargo de consertar
todos os privilégios que têm que
ser removidos, o problema brasileiro é na receita.
Hoje, você tem um paradoxo no
Brasil em que construção civil e
atividades que empregam muita
gente pagam uma brutal conta
para a Previdência e uma fábrica
robotizada fatura horrores, porque tem meia dúzia de operários,
e não paga nada. A idéia é pôr a
máquina para pagar mais.
Folha - E como o sr. vai fazer,
caso seja eleito, a transição entre um sistema e o outro?
Ciro - Haverá um movimento
transitório. A despesa pública que
tomou um volume intolerável é a
despesa com o juro da dívida. Esse ano aproxima-se de R$ 119 bilhões o que se vai gastar com juros
para carregar a dívida interna do
país. Isso é muito próximo da receita líquida tributária da União.
O governo está mascarando números, chamando a atenção para
o superávit maior da história e
não sei o que, mas ele está contabilizando alho com bugalho. Não
é sustentável. O governo Fernando Henrique tem várias armadilhas dessas armadas.
Folha - Como é que o sr. desarma isso, se esses papéis da dívida já estão vendidos a essas taxas de juro?
Ciro - Pior. A dívida é toda de
curto prazo. Essa dívida inteira,
de R$ 408 bilhões do setor público
federal, vence em oito meses. E é
isso que está estrangulando tudo.
Folha - O que fazer?
Ciro - A solução correta, estrutural, é privatizar, sacrificar o patrimônio e pagar a dívida. Tínhamos combinado lá atrás e isso foi
criminosamente traído por essa
gente do governo. Galoparam a
dívida de R$ 61 bilhões para R$
408 bilhões e no mesmo passo
venderam o patrimônio e dissiparam o dinheiro financiando o
consumo de popularidade fácil.
Resta agora um problema terrível, que é a absoluta insustentabilidade desse perfil e a ameaça da
volta da inflação. Resta uma última fresta, delicadíssima, de alta
complexidade para fazer, mas nós
acreditamos que é possível ser feito, desde que esses dados dos movimentos estruturais estejam indicados com clareza.
Precisamos conseguir uma negociação do perfil da dívida, garantir o pagamento, garantir que
não vai haver calote, que não vai
haver quebra de contrato, que
não vai haver aventura colorida
(referindo-se a Fernando Collor),
que não vai haver nada de compulsório e tentar uma negociação
dessa dívida.
Seria absolutamente ingênuo
imaginar que apenas a boa vontade dos credores da dívida seria suficiente para que essa dívida fosse
reestruturada no seu prazo, embora o seu volume tenha que ser
garantido.
Folha - O que o sr. está dizendo é que, antes de começar a
negociar, o sr. vai tomar uma
medida unilateral...
Ciro - Dentro da ordem jurídica.
Folha - Mas o sr. concorda que
nessa sua proposta o sr. vai ter
que tomar uma medida unilateral antes?
Ciro - É. Eu não posso sentar à
mesa com a porta aberta.
Folha - Então, o sr. vai ter que
fechar a porta antes.
Ciro - Sim.
Folha - E, ao anunciar agora
que o sr. vai fechar essa porta,
todos vão passar por ela antes...
Ciro - Tenho vivência suficiente
para saber o que estou fazendo.
Então eu estou dizendo a regra
antes e correndo o risco de não
me eleger. Ou de me eleger em cima de um fato consumado que é
uma brutal fuga de capitais.
Mas todas essas propostas são
para o atual governo. Todas essas
propostas que nós estamos fazendo não presumem esperar que o
desastre se consume.
Folha - Mas são propostas
suas, não são?
Ciro - Sim, mas a nossa dinâmica no debate é propor com clareza, porque eu não quero ser presidente da República enganando
ninguém. Eu não vou dizer diferente do que eu penso. Então, eu
sei, com a minha experiência, que
eu estou correndo o risco grave de
não me eleger, mas eu só quero
me eleger se a opinião pública
brasileira souber claramente o
que é a proposta.
Folha - Mas aí o sr. eventualmente se elege tendo deixado
claro que vai fechar a porta,
mesmo que de forma transitória
e seletiva, para impedir a fuga
de capitais. Nos dois meses que
vão anteceder a sua posse, boa
parte do dinheiro vai embora. O
que o sr. vai fazer depois?
Ciro - Esse é um problema. É um
problema porque não estará
acontecendo no meu governo. É
um problema para o atual governo. E isso vai se resolver racionalmente ou selvagemente pela inflação antes disso. Eu não tenho a
menor dúvida disso.
Folha - Pelo o que o sr. diz, essas propostas são para o atual
governo. E o atual governo dificilmente vai adotá-las.
Ciro - Então, sentamos daqui a
três anos para conversar sobre
quais serão as propostas.
Folha - Mas qual vai ser o seu
plano B lá na frente?
Ciro - Não dá para fazer o plano
B agora porque eu não sei qual é a
variável no futuro. Eu estou dando uma proposta que é contemporânea do problema.
Folha - Mas assim é fácil, não?
Ciro - Mas eu só posso propor
sobre o problema. Se amanhã tem
um problema lá na frente, eu não
sei. Você vai me obrigar a dizer o
seguinte: não, e se houve uma fuga de capital? Se houve uma inflação galopante? Isso é outro problema, a gente senta e conversa. E
se esse problema emergir antes de
três anos, voltamos a conversar. A
minha proposta é para o Brasil
hoje. Eu não participo do ""fora
FHC" da oposição, acho que essa
corda não deve ser esticada.
E nem participo daquela psicologia de que a gente tem que ver o
circo pegar fogo para rir do palhaço no fim. Eu quero propor para o
país hoje. Eu não posso refletir sobre o problema brasileiro daqui a
três anos, seria uma imprudência.
Folha - Então, digamos que tudo continue igual. Daqui a três
anos o sr. virá então com um pacote de propostas que não são
essas que acabou de enumerar,
certo?
Ciro - Não, não. As propostas
serão dinamicamente discutidas
ao longo dos próximos três anos e
quatro meses. Hoje, o problema
brasileiro é esse e a solução que
nós propomos é essa.
Folha - Certo, então esse não é
o seu programa de governo.
Ciro - Isso aqui é a transição.
Folha - Mas o sr. está propondo isso para um governo do
qual não faz parte.
Ciro - Não, eu estou propondo
uma solução para o problema que
eu estou criticando. Eu acho que o
problema do estrangulamento
patrimonial brasileiro está mal
administrado, não vai dar em nada. Vai dar em calote ou inflação.
Eu quero prevenir que isso não
aconteça e estou propondo uma
solução. Para não fazer assim: eu
critico o governo, mas não digo o
que eu proponho se eu estivesse
no lugar hoje.
Folha - O que o sr. propõe ao
governo FHC de imediato é o seguinte: a primeira ação a ser tomada para seguir seu conjunto
de medidas é fazer uma centralização cambial. Certo?
Ciro - Controlar seletivamente,
transitoriamente, a conta de capitais. Tem muita gente refletindo
sobre isso e o debate está interditado porque isso encerra certos
privilégios no país. Eu acho que
conta de capital é ""boi" aberto. Eu
fui ministro da Fazenda, não fiz
nenhum programa de controle de
conta de capitais. Por quê? Porque naquele momento não tinha
esse problema.
Folha - Então, se o quadro piorar, se ocorrer um dos dois cenários, de volta da inflação ou explosão da dívida...
Ciro - Sentamos para conversar.
Você não pode ter um plano para
uma realidade completamente
distinta e imponderável.
Folha - E se o presidente Fernando Henrique chegar para o
sr. hoje e disser: gostei, vem cá
para o governo fazer. O sr. vai?
Ciro - Assim, só, não. Porque eu
não acredito nele e auxiliar do
presidente, no presidencialismo,
tem que confiar.
Folha - O que é "assim só
não"?
Ciro - Suponha que o país celebre um consenso em cima de um
susto, de um problema grave, que
a sociedade brasileira toda discuta um novo esforço e, sinceramente, todo mundo entenda que
está na hora de um esforço de unidade nacional. Aí qualquer um
tem que ir ajudar.
Folha - O sr. concorda com a
tese de que quanto pior, melhor
para sua candidatura?
Ciro - Para mim é péssimo. Se o
pior acontecer, eu não sou candidato.
Folha - Por quê?
Ciro - Porque eu não sou irresponsável. Não tenho vocação para síndico de massa falida, nem
para salvador da pátria.
O ideal para mim é que esse governo acerte. Você está olhando
no meu olho: o ideal para mim é
que esse governo acerte.
Folha - Mas aí as suas chances
diminuem.
Ciro - Sim. Eu espero que tenha
chance zero se esse governo tiver
um sucesso absoluto, porque aí
eu não preciso nem ser candidato
a presidente.
Folha - E aí o sr. vai fazer o
quê?
Ciro - Ah! Eu posso ser qualquer
coisa ou nada. As pessoas raciocinam sempre com aquele político
velho do passado. De como é que
eu fico na foto?
Na eleição passada, antes de sair
do PSDB, me mandaram escolher
um ministério pela quarta vez.
Não aceitei. Depois, insistiram
muito para eu ser candidato a governador do Ceará, as pesquisas
dizendo que eu teria 70% dos votos. Não aceitei. Depois, que eu
fosse candidato a senador. Não
aceitei. Creio que teria um mandato de deputado federal com relativo conforto. Não aceitei.
Fui lá para esse negócio (referindo-se ao período em que passou em Harvard, nos EUA), a
mim encantador, de tentar construir uma coisa que me dá muito
mais entusiasmo. Começar praticamente do zero, tudo de novo.
Folha - E o sr. vê chance de a
conjuntura melhorar?
Ciro - Remota. Persistindo no
paradigma, nenhuma, porque o
modelo atual é inconsistente. O
modelo não se sustenta, não vai
dar certo.
Folha - Quem substituirá Ruth
Cardoso na presidência do Comunidade Solidária em um
eventual governo Ciro Gomes?
Ciro - Mamãe.
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