São Paulo, quarta-feira, 27 de outubro de 2004

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RAIO-X DA HABITAÇÃO

Texto de Plano Municipal de Habitação sugere R$ 8,6 bi em dez anos para enfrentar déficit, mas governos destinaram R$ 400 milhões/ano

Investimentos em moradia têm de dobrar

SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os números são assustadores: faltam 380 mil unidades habitacionais na cidade de São Paulo e 26% da população vive em habitações que exigem regularização ou urbanização (veja quadro).
Mudar esse cenário -torcendo para que ele não piore- já exigiria R$ 8,6 bilhões na próxima década, segundo projeções otimistas constante do texto do Plano Municipal de Habitação, formulado pela Prefeitura de São Paulo.
São R$ 860 milhões anuais -mais do que o dobro do que gastaram juntos, a cada ano, a administração petista de Marta Suplicy e o governo tucano de Geraldo Alckmin desde 2001.
De janeiro de 2001 até hoje, a prefeitura investiu R$ 1,2 bilhão em habitação -incluindo verbas federais e de parceiros. O Estado, R$ 446 milhões. Pelo dados oficiais, atenderam 38 mil das 380 mil famílias que precisam de casa e beneficiaram -com mais ou menos impacto- 112 mil das 690 mil que vivem na clandestinidade.
Os números deixam evidente o gargalo do setor. "Falta financiamento. Nós vamos cair sempre no problema do financiamento. Hoje, as verbas da prefeitura muitas vezes só dão para remover o risco. Operamos na situação limite", afirma Marcos Barreto, secretário municipal de Habitação.
A escassez de recursos é o estopim de um círculo vicioso: sem dinheiro, a produção habitacional não ganha escala. Sem escala, ela não vence nem sequer o incremento anual de demanda e possivelmente nunca reduzirá o déficit.
É aí que surge a principal crítica à gestão petista na cidade: quem não tem dinheiro para fazer, tem de induzir outros a fazerem, reza a cartilha dos urbanistas.
Para isso, o poder público pode lançar mão de instrumentos que combatem a especulação imobiliária -o preço da terra é tido como o maior empecilho no acesso à moradia- e tentam empurrar o mercado à habitação social.
A prefeitura diz que fez o que pôde, mas nem todos concordam. "Criamos as Zeis [Zonas Especiais de Interesse Social], onde o proprietário pode construir mais do que o permitido, sem pagar, desde que 50% da área seja para habitação social. É 12% do território do município", diz Barreto.
"É, verdade, é uma reserva de mercado. Mas os proprietários ainda estão lá, esperando que isso não pegue. O que tinha de ser feito para pegar? Cobrar, por exemplo, o IPTU progressivo no tempo [imposto aumenta ano a ano se o lote não for urbanizado] para lotes vazios. A prefeitura pôs no plano diretor, mas não adotou", diz Cândido Malta, 68, professor da FAU e ex-secretário de Planejamento (76-81).
Depois de pagar um IPTU maior a cada ano, o proprietário pode, por exemplo, ter o lote desapropriado por títulos da dívida pública -um mico no mercado.
"Eles abriram caminhos, mas falta quantidade. E para isso é preciso dinheiro ou incentivo", concorda João Claudio Robusti, 57, presidente do Sinduscon (sindicato da indústria da construção). "Mas não dá para negar que a gestão de Marta Suplicy trouxe avanços importantes. Hoje, a solução não é só Cingapura, como por tanto tempo se viu", completa.
A avaliação de Robusti resume uma impressão recorrente. Se a administração petista foi tímida na indução do mercado, teve seu ponto alto na diversidade de programas, compatível com a multiplicidade de necessidades.
"Marta andou no caminho certo. No Habitat de Vancouver, em 1976, já se abandonava a saída única", diz o arquiteto Ricardo Toledo Silva, 53, diretor da FAU, coordenador do Infurb (Núcleo de Pesquisa em Informações Urbanas) e ex-secretário de Desenvolvimento Urbano (88-89), referindo-se à tradicional idéia de que déficit habitacional se ataca com construção em série de casas.
Além de ações de regularização em área invadida, mutirões e Cingapuras, a gestão Marta ofereceu à cidade duas outras formas de acesso à moradia: em situações emergenciais ou temporárias, bolsas de até R$ 300 para ajudar no aluguel por até 30 meses. Para quem ganha até três salários mínimos, a cessão de apartamentos públicos em troca de um aluguel de até 15% da renda familiar (veja quadro). No primeiro caso, estão os ex-moradores do São Vito, até que o prédio seja reformado. O segundo é o Parque do Gato.
"O que a gente defende é que o bom é um pouco de tudo. Pode soar estranho, mas o sonho da casa própria é quase ultrapassado. O importante é dar acesso à moradia", sintetiza a arquiteta e urbanista Maria Lúcia Refinetti Martins, 52, coordenadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU/USP.
Em véspera de eleição, quando agrada a tucanos e petistas, a tendência parece mesmo uma unanimidade. "A companhia foi um empreiteira durante muito tempo. De 2000 para cá vimos que a solução não está apenas na construção de unidade. O sorteio não elimina áreas de risco, favelas. Aí começamos projetos especiais. Há muita convergência entre os programas da prefeitura e as nossas ações", narra Raul do Valle, 65, presidente da CDHU, a companhia de habitação do Estado, conhecida por sorteios de casas.
"Acho que a habitação é uma das áreas em que a administração municipal teve mais acertos. O problema é que a situação é muito diferente da educação, por exemplo. O número de crianças fora da escola é mínimo, já há quase simetria entre oferta e demanda. Na habitação, a diferença é enorme."


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