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RAIO-X DA HABITAÇÃO
Texto de Plano Municipal de Habitação sugere R$ 8,6 bi em dez anos para enfrentar déficit, mas governos destinaram R$ 400 milhões/ano
Investimentos em moradia têm de dobrar
SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL
Os números são assustadores:
faltam 380 mil unidades habitacionais na cidade de São Paulo e
26% da população vive em habitações que exigem regularização
ou urbanização (veja quadro).
Mudar esse cenário -torcendo
para que ele não piore- já exigiria R$ 8,6 bilhões na próxima década, segundo projeções otimistas constante do texto do Plano
Municipal de Habitação, formulado pela Prefeitura de São Paulo.
São R$ 860 milhões anuais
-mais do que o dobro do que
gastaram juntos, a cada ano, a administração petista de Marta Suplicy e o governo tucano de Geraldo Alckmin desde 2001.
De janeiro de 2001 até hoje, a
prefeitura investiu R$ 1,2 bilhão
em habitação -incluindo verbas
federais e de parceiros. O Estado,
R$ 446 milhões. Pelo dados oficiais, atenderam 38 mil das 380
mil famílias que precisam de casa
e beneficiaram -com mais ou
menos impacto- 112 mil das 690
mil que vivem na clandestinidade.
Os números deixam evidente o
gargalo do setor. "Falta financiamento. Nós vamos cair sempre no
problema do financiamento. Hoje, as verbas da prefeitura muitas
vezes só dão para remover o
risco. Operamos na situação
limite", afirma
Marcos Barreto, secretário
municipal de
Habitação.
A escassez de
recursos é o estopim de um
círculo vicioso:
sem dinheiro, a
produção habitacional não ganha escala. Sem escala, ela não
vence nem sequer o incremento
anual de demanda e possivelmente nunca reduzirá o déficit.
É aí que surge a principal crítica
à gestão petista na cidade: quem
não tem dinheiro para fazer, tem
de induzir outros a fazerem, reza a
cartilha dos urbanistas.
Para isso, o poder público pode
lançar mão de instrumentos que
combatem a especulação imobiliária -o preço da terra é tido como o maior empecilho no acesso
à moradia- e tentam empurrar o
mercado à habitação social.
A prefeitura diz que fez o que
pôde, mas nem todos concordam.
"Criamos as Zeis [Zonas Especiais de Interesse Social], onde o
proprietário pode construir mais
do que o permitido, sem pagar,
desde que 50% da área seja para
habitação social. É 12% do território do município", diz Barreto.
"É, verdade, é uma reserva de
mercado. Mas os proprietários
ainda estão lá, esperando que isso
não pegue. O que tinha de ser feito
para pegar? Cobrar, por exemplo,
o IPTU progressivo no tempo
[imposto aumenta ano a ano se o
lote não for urbanizado] para lotes vazios. A prefeitura pôs no plano diretor, mas não adotou", diz
Cândido Malta, 68, professor da
FAU e ex-secretário de Planejamento (76-81).
Depois de pagar um IPTU
maior a cada ano, o proprietário
pode, por exemplo, ter o lote desapropriado por títulos da dívida
pública -um mico no mercado.
"Eles abriram caminhos, mas
falta quantidade. E para isso é preciso dinheiro ou incentivo", concorda João Claudio Robusti, 57,
presidente do Sinduscon (sindicato da indústria da construção).
"Mas não dá para negar que a gestão de Marta Suplicy trouxe avanços importantes. Hoje, a solução
não é só Cingapura, como por
tanto tempo se viu", completa.
A avaliação de Robusti resume
uma impressão recorrente. Se a
administração petista foi tímida
na indução do mercado, teve seu
ponto alto na diversidade de programas, compatível com a multiplicidade de necessidades.
"Marta andou no caminho certo. No Habitat de Vancouver, em
1976, já se abandonava a saída
única", diz o arquiteto Ricardo
Toledo Silva, 53, diretor da FAU,
coordenador do Infurb (Núcleo
de Pesquisa em Informações Urbanas) e ex-secretário de Desenvolvimento Urbano (88-89), referindo-se à tradicional idéia de que
déficit habitacional se ataca com
construção em série de casas.
Além de ações de regularização
em área invadida, mutirões e Cingapuras, a gestão Marta ofereceu
à cidade duas outras formas de
acesso à moradia: em situações emergenciais ou temporárias, bolsas
de até R$ 300
para ajudar no
aluguel por até
30 meses. Para
quem ganha
até três salários
mínimos, a
cessão de apartamentos públicos em troca
de um aluguel
de até 15% da renda familiar (veja
quadro). No primeiro caso, estão
os ex-moradores do São Vito, até
que o prédio seja reformado. O
segundo é o Parque do Gato.
"O que a gente defende é que o
bom é um pouco de tudo. Pode
soar estranho, mas o sonho da casa própria é quase ultrapassado. O
importante é dar acesso à moradia", sintetiza a arquiteta e urbanista Maria Lúcia Refinetti Martins, 52, coordenadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU/USP.
Em véspera de eleição, quando
agrada a tucanos e petistas, a tendência parece mesmo uma unanimidade. "A companhia foi um
empreiteira durante muito tempo. De 2000 para cá vimos que a
solução não está apenas na construção de unidade. O sorteio não
elimina áreas de risco, favelas. Aí
começamos projetos especiais.
Há muita convergência entre os
programas da prefeitura e as nossas ações", narra Raul do Valle,
65, presidente da CDHU, a companhia de habitação do Estado,
conhecida por sorteios de casas.
"Acho que a habitação é uma
das áreas em que a administração
municipal teve mais acertos. O
problema é que a situação é muito
diferente da educação, por exemplo. O número de crianças fora da
escola é mínimo, já há quase simetria entre oferta e demanda. Na
habitação, a diferença é enorme."
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