São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2005

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JANIO DE FREITAS

A tática das derrotas

Se os petistas administrassem o país com a capacidade que têm para perturbar depoimentos que os incomodem, o governo Lula seria aquilo mesmo que prometeu na campanha. Mas o resultado final é, no mínimo, duvidoso: pode-se concluir que as obstruções e as protelações do PT têm estendido a crise mais do que qualquer outro fator. José Dirceu, aplicando a mesma tática em recursos judiciais e regimentais, vale-se de seus direitos e é bom que os use todos, mas chega ao mesmo resultado dos petistas de CPI: com mais dois recursos derrotados ontem, entrará ainda mais frágil no julgamento previsto para hoje, no Conselho de Ética.
Muitos dos depoimentos tomados nas CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos só ocorreram em razão de resistências do PT a admitir o óbvio. Em vez de enfraquecer o ponto incômodo e dá-lo depressa como ultrapassado, ainda que passando a outra questão desagradável, a ranhetice míope do PT presenteou a oposição, muitas vezes, com o prazer de convocar mais um depoimento exasperante para o governo e os petistas.
O PT só perdeu com essa conduta: cada sessão de CPI onerou-o com mais alguma culpa, deixou novas suspeitas para uso futuro e ainda propiciou a sugestão de mais convocações, que os petistas não puderam impedir nem detendo maioria com seus aliados. E tome de esticar a crise.
Por outros meios, José Dirceu fez o mesmo. Já na semana passada, o apoio exaltado que recebeu dos ministros Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence, acompanhados com mais contenção por Eros Grau, não impediu a derrota feia do seu desejo de ter o processo de cassação suspenso pelo Supremo Tribunal Federal. Dirceu voltou logo ao Supremo para ter outra vez rejeitada a suspensão, como liminar -embora uma pequena restrição de Eros Grau ao relatório de acusação no Conselho de Ética.
Também julgada ontem em outra instância, não era provável que a tese da suspensão do processo vencesse na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Mas não há dúvida de que as duas derrotas de Dirceu no Supremo facilitaram decisões de deputados contra ele. Cada uma das derrotas que se sobrepõem tem colaborado para convicções de que sua cassação conta com legitimação jurídica.
Depois de tantas protelações equivocadas, governo e PT levaram a crise a uma bomba que estava esquecida. Tanto a crise se estendeu que alguém se lembrou de falar de umas fitas que estavam esquecidas no judiciário paulista. Na acareação, ontem, entre o secretário do presidente da República Gilberto Carvalho e dois irmãos de Celso Daniel, o prefeito assassinado de Santo André, a tática petista de perturbação impediu que trechos das fitas fossem ouvidos, mas não que fossem lidos. E o pouco que então apareceu, por persistência do senador Álvaro Dias, é como o portal de uma crise nova. O mensalão não sai do cenário, mas a morte de Celso Daniel passa a ocupá-lo também. Afinal.


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