São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2005

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CAMINHO DAS ÁGUAS

Dom Luiz Cappio afirma que acordo com governo não está sendo cumprido e sinaliza nova greve de fome

Bispo critica Lula e ameaça retomar protesto

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, afirmou que o governo federal não cumpre o acordo fechado com ele no início do mês e sinalizou ontem que a qualquer momento pode iniciar nova greve de fome.
"Quem está disposto a morrer não tem medo de sanções", disse, ao declarar que não teme eventuais represálias do Vaticano.
No início do mês, o religioso interrompeu dez dias de jejum depois de ter recebido a promessa do Palácio do Planalto de que as obras de transposição do rio São Francisco seriam interrompidas e novas discussões sobre o atual projeto do governo seriam retomadas.
Ontem, irritado com as informações de que o Exército continua trabalhando na abertura de trincheiras nos canais para a transposição e com as ameaças do ministro Ciro Gomes (Integração Nacional) de que as obras vão começar "imediatamente", dom Luiz não economizou críticas ao Planalto. Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva virou alvo do bispo de Barra.

Contramão
Dom Luiz chegou ontem a Brasília para participar, ao lado de cerca de 5.000 integrantes de movimentos sociais, da "Assembléia Popular: Mutirão por um Novo Brasil". O objetivo do evento, que termina amanhã, é pedir mudanças na política econômica e na reforma agrária.
Na tarde de ontem, o frade disse que o governo está descumprindo o acordo e que o ministro da Integração Nacional está na "contramão" do que foi decidido com o Palácio do Planalto.
"Queremos tirar esses pontos [ação do Exército e declarações de Ciro] a limpo com o presidente, e não com o Ciro Gomes", afirmou, cercado por índios Truká, de Pernambuco. "Se supõe que, a partir de um grande debate, não sejamos papagaios para não sermos ouvidos. Vamos esperar que eles cumpram a parte deles."
Diante do que chamou de "ferimento" do acordo, dom Luiz não descarta novo jejum contra o atual projeto de transposição -do qual é opositor por não acreditar que trará benefícios à população ribeirinha.

Condições
No início do mês, quando o governo teve de recuar diante de um desgastante processo de negociação com o bispo de Barra, ficou pré-agendado um encontro de Lula com o bispo no Planalto. Agora, diante das declarações de Ciro Gomes, o religioso decidiu impor condições para a audiência, ainda sem previsão de data. "Quando formos lá [no Planalto], não queremos ir sozinhos. Vamos levar os sujeitos dessa elaboração. Eu espero que [a audiência] não demore muito."
Na manhã de ontem, na mesma assembléia, o economista e coordenador nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) João Pedro Stedile citou a "ignorância" do presidente Lula e a "mentira" do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) ao tratarem do modelo de política econômica do governo federal. "O Lula não sabe o que diz quando vai na televisão e diz que essa política econômica é minha. É uma ignorância dele."
À tarde, em entrevista, dom Luiz também criticou diretamente o presidente Lula. "Eu sempre vesti a camisa do Lula. E todo o meu gesto [jejum] foi para, quem sabe, sensibilizar o senhor presidente da República a voltar às suas premissas originais", declarou o religioso. "Porque ele se tornou refém do capital, ele foi seqüestrado e hoje é um instrumento do capital internacional. Que ele volte a olhar para o povo", afirmou.

"Mentira"
Ontem à noite, os cerca de 5.000 participantes da assembléia, percorreram a Esplanada dos Ministérios e se concentraram na praça dos Três Poderes. Antes, passaram em frente à Embaixada dos EUA. Na linha de frente estava dom Luiz e líderes do MST. No Planalto, representantes dos movimentos entregaram ao ministro Jaques Wagner (Relações Institucionais) dois documentos, cobrando pressa na reforma agrária e mais diálogo sobre o rio São Francisco.
Sobre as declarações do frade, Wagner afirmou: "Eu não menti a ele [dom Luiz], assim como não mentiria para o presidente da República. Tivemos um diálogo que foi produtivo e houve um compromisso de prolongamento do debate. Esse compromisso está mantido pelo presidente da República".


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