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CAMINHO DAS ÁGUAS
Dom Luiz Cappio afirma que acordo com governo não está sendo cumprido e sinaliza nova greve de fome
Bispo critica Lula e ameaça retomar protesto
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O bispo de Barra (BA), dom
Luiz Flávio Cappio, afirmou que o
governo federal não cumpre o
acordo fechado com ele no início
do mês e sinalizou ontem que a
qualquer momento pode iniciar
nova greve de fome.
"Quem está disposto a morrer
não tem medo de sanções", disse,
ao declarar que não teme eventuais represálias do Vaticano.
No início do mês, o religioso interrompeu dez dias de jejum depois de ter recebido a promessa
do Palácio do Planalto de que as
obras de transposição do rio São
Francisco seriam interrompidas e
novas discussões sobre o atual
projeto do governo seriam retomadas.
Ontem, irritado com as informações de que o Exército continua trabalhando na abertura de
trincheiras nos canais para a
transposição e com as ameaças do
ministro Ciro Gomes (Integração
Nacional) de que as obras vão começar "imediatamente", dom
Luiz não economizou críticas ao
Planalto. Até o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva virou alvo do
bispo de Barra.
Contramão
Dom Luiz chegou ontem a Brasília para participar, ao lado de
cerca de 5.000 integrantes de movimentos sociais, da "Assembléia
Popular: Mutirão por um Novo
Brasil". O objetivo do evento, que
termina amanhã, é pedir mudanças na política econômica e na reforma agrária.
Na tarde de ontem, o frade disse
que o governo está descumprindo
o acordo e que o ministro da Integração Nacional está na "contramão" do que foi decidido com o
Palácio do Planalto.
"Queremos tirar esses pontos
[ação do Exército e declarações de
Ciro] a limpo com o presidente, e
não com o Ciro Gomes", afirmou,
cercado por índios Truká, de Pernambuco. "Se supõe que, a partir
de um grande debate, não sejamos papagaios para não sermos
ouvidos. Vamos esperar que eles
cumpram a parte deles."
Diante do que chamou de "ferimento" do acordo, dom Luiz não
descarta novo jejum contra o
atual projeto de transposição
-do qual é opositor por não
acreditar que trará benefícios à
população ribeirinha.
Condições
No início do mês, quando o governo teve de recuar diante de um
desgastante processo de negociação com o bispo de Barra, ficou
pré-agendado um encontro de
Lula com o bispo no Planalto.
Agora, diante das declarações de
Ciro Gomes, o religioso decidiu
impor condições para a audiência, ainda sem previsão de data.
"Quando formos lá [no Planalto],
não queremos ir sozinhos. Vamos
levar os sujeitos dessa elaboração.
Eu espero que [a audiência] não
demore muito."
Na manhã de ontem, na mesma
assembléia, o economista e coordenador nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra) João Pedro Stedile citou a "ignorância" do presidente
Lula e a "mentira" do ministro
Antonio Palocci Filho (Fazenda)
ao tratarem do modelo de política
econômica do governo federal.
"O Lula não sabe o que diz quando vai na televisão e diz que essa
política econômica é minha. É
uma ignorância dele."
À tarde, em entrevista, dom
Luiz também criticou diretamente o presidente Lula. "Eu sempre
vesti a camisa do Lula. E todo o
meu gesto [jejum] foi para, quem
sabe, sensibilizar o senhor presidente da República a voltar às
suas premissas originais", declarou o religioso. "Porque ele se tornou refém do capital, ele foi seqüestrado e hoje é um instrumento do capital internacional. Que
ele volte a olhar para o povo", afirmou.
"Mentira"
Ontem à noite, os cerca de 5.000
participantes da assembléia, percorreram a Esplanada dos Ministérios e se concentraram na praça
dos Três Poderes. Antes, passaram em frente à Embaixada dos
EUA. Na linha de frente estava
dom Luiz e líderes do MST. No
Planalto, representantes dos movimentos entregaram ao ministro
Jaques Wagner (Relações Institucionais) dois documentos, cobrando pressa na reforma agrária
e mais diálogo sobre o rio São
Francisco.
Sobre as declarações do frade,
Wagner afirmou: "Eu não menti a
ele [dom Luiz], assim como não
mentiria para o presidente da República. Tivemos um diálogo que
foi produtivo e houve um compromisso de prolongamento do
debate. Esse compromisso está
mantido pelo presidente da República".
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