São Paulo, quarta-feira, 27 de novembro de 2002

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ELIO GASPARI

Cuidado, o povo quer festa

Incomoda um pouco saber que um governo eleito que vem batendo cabeças em questões como as alíquotas do Imposto de Renda e os critérios do projeto Fome Zero só se acerta numa coisa: a preparação da grande festa da posse de Lula. Não se sabe o nome de um só ministro, mas já se conhece o carnavalesco da República. Sabendo-se que a festa ficará nas mãos de Duda Mendonça. Ruim não será. Essa sensação de desconforto desaparece quando se vê que há itamaratecas e planaltontos preocupados com a hipótese de a choldra aparecer na praça dos Três Poderes.,
À primeira vista, o povo na rua pode colocar em risco a segurança dos convidados. Falso. Ele só quer sorrir, cantar e alegrar a cidade. Quem coloca em risco os convidados são os especialistas dos cerimoniais. Na posse do general Costa e Silva caiu embaixador no lago e algumas convidadas, tendo saltado de seus carros presos num engarrafamento, ficaram espetadas com seus saltos altos no gramado do Alvorada. Festa boa só a dos generais, quando havia mais gente dentro do palácio do que do lado de fora.
Na primeira posse de FFHH, conseguir comida foi tão difícil que teria caído bem um projeto de Fome Zero. Em ambas, o presidente desfilou numa velha Rolls Royce de ecos coloniais. Isso num país que tem um dos grandes parques automobilísticos do mundo. A ekipekonômica colocou essa indústria a produzir desempregados, mas ainda assim ela merece respeito.
Quando a perspectiva de haver povo na rua ameaça a ordem das cerimônias, percebe-se que há algo de novo e de bom na posse e na festa de Lula.
Parece que onde quer que ele vá, atrai a patuléia. Não é bem isso. Onde quer que Lula esteja, a choldra tem a sensação de que pode vê-lo, tocá-lo, sem ser mantida a dois quarteirões de distância ou tomar um empurrão. Quando JK morreu, havia um ingrediente intrigante na lembrança que deixara no andar de baixo. As pessoas o haviam visto e quase sempre viram-no rindo, saudando-as.
A dificuldade da burocracia das cerimônias nacionais para botar o povo na fotografia é tão grande que se temem transtornos se ele for à Esplanada e cair na gandaia por conta da eleição de um sujeito que teve só duas posições na vida: ou era candidato derrotado à Presidência, ou tinha que ver a cerimônia pela televisão, porque não fazia parte daquele pedaço do Brasil que recebe convite para esse tipo de festa oficial.
Nesse Brasil em que fica difícil arrumar um lugar para o povo numa Esplanada capaz de engolir até multidões papalinas, deu-se o inesperado: um pernambucano desceu do pau de arara e saiu andando, andou meio século e no dia 1º de janeiro ele estará na boca da rampa do Palácio do Planalto. Atrás dele, estarão outros como ele.


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