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ANÁLISE
ONGs avançam sobre esquerda
FERNANDO DE BARROS E SILVA
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Na Babel contra o liberalismo que se formou em
Porto Alegre, ecoa no ar uma dúvida: afinal, o que é isso, o Fórum
anti-Davos? Qual o sentido político da reunião? Que vozes estão
nela representadas? Quais desdobramentos o evento terá, se tiver
algum além de sua mera realização? Nova esquerda? Festa de
ONGs? Palco para o Partido dos
Trabalhadores, o PT? Para as investidas anticapitalistas do MST?
Um pouco de cada uma dessas
coisas, nem todas planejadas ou
previstas desde o início pelos organizadores. Os pais da idéia, o
empresário Oded Grajew, da Organização Não-Governamental
(ONG) Cives (Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania), e o jornalista Bernard Cassen, da ONG francesa Attac (Ação
por uma Taxação das Transações
Financeiras em Apoio aos Cidadãos). Os dois imaginavam um
encontro com menos ingerência
dos políticos e sem os atos de
"guerrilha" do MST.
Propostas práticas
O resumo mais preciso das intenções originárias do Fórum Social Mundial está no artigo "Porto
Alegre", assinado pelo jornalista
francês Ignacio Ramonet na primeira página da última edição do
"Le Monde Diplomatique". Ramonet dirige essa publicação, que
é uma espécie de revista em formato de jornal, de periodicidade
mensal, uma das últimas alinhadas à esquerda com certa difusão
mundial.
Diz ele: "(O Fórum existe) não
para protestar, como em Seattle,
Washington, Praga e outros lugares, contra as injustiças, as desigualdades e os desastres que provocam, um pouco por toda parte
no mundo, os excessos do neoliberalismo. Mas para tentar, desta
vez com espírito positivo e construtivo, propor um quadro teórico e prático que permita vislumbrar uma mundialização de tipo
novo, que afirme que um outro
mundo, menos desumano e mais
solidário, é possível".
Dizendo-se ainda "atônito"
com o assédio de mídia e público,
Grajew aposta que o Fórum anti-Davos pode significar o embrião
do que ele chama de "sociedade
civil global", um contrapeso às
empresas transnacionais e à ação
do capital mundializado. É uma
versão algo otimista e rósea para o
destino do evento.
Cassen, por sua vez, diz estar
mais interessado em ações concretas de movimentos organizados do que em fixar polarizações
ideológicas entre "direita" e "esquerda", coisa que, segundo ele,
perdeu o sentido.
Certas ou não, essas visões traduzem o fato de que se tenha falado tão pouco em "socialismo" e
de que "revolução" seja uma palavra estranha ao Fórum anti-Davos. Como diz Frei Betto, presente
ao Fórum, tem-se a impressão de
que o Muro de Berlim está caindo
outra vez, desta vez numa reunião
das esquerdas. O marxismo é
uma referência vaga e marginal
no encontro.
ONGs e bioesquerda
É sintomático, nesse ambiente
de baixa densidade ideológica e
bandeiras políticas pulverizadas,
que temas como o esgotamento
dos recursos naturais do planeta,
o sentido e os limites do progresso
tecnológico ou a bioética ocupem
lugar de destaque nas discussões.
O Fórum vai reafirmando a tendência de contaminação do pensamento de esquerda pelo ambientalismo e pelas Organizações
Não-Governamentais. E não é à
toa que alguns dos representantes
mais qualificados do Fórum pertençam a essa chamada "bioesquerda".
Não existe, por parte dos organizadores, a intenção de tirar um
documento oficial único de anti-Davos. Ele deve ser substituído
por uma série de cartas de compromisso e formação de grupos
de trabalho. Será mais uma vitória
das ONGs sobre a grande política.
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