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Sul consagra o politicamente correto
FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO
Marxistas de carteirinha, anarquistas, terapeutas holísticos, ongueiros, hippies, insatisfeitos em
geral, companheiros e companheiras: muito cuidado com o que
falam, comem, vestem nestes dias
de Porto Alegre.
No reino da diversidade e da liberdade do Fórum Social Mundial, a lista do que "não pode" pode ser extensa: o duro é saber onde o politicamente correto de um
esbarra no politicamente correto
do Outro (assim, com maiúscula,
que é preciso amá-Los, relativizá-Los e entendê-Los como a nós
mesmos).
Pode sandália comprada com
os hippies do Acampamento da
Juventude? Pode, desde que não
seja de couro natural -os verdes
e protetores dos animais podem
estar à espreita.
Afora conflitos entre os mais extremistas, vale etiqueta ongueira e
de esquerda básica: nada de exibicionismo consumista alimentando o caixa das multinacionais
-marcas famosas estão fora de
questão.
O mesmo vale para a globalizada (e supostamente transgênica)
batata chips, acompanhada da
não menos famigerada latinha do
refrigerante negro: nem no banheiro químico do acampamento, com a luz apagada.
Britney Spears está vetada. Ponha no lugar o queridinho das
massas esquerdóides: o franco-espanhol Manu Chao. Quem não
sabia o hit "Clandestino" ( Perdido en el corazón/De la grande
Babylon/ Me dicen el clandestino/
Por no llevar papel) deve ter passado vergonha no show que o
músico fez na quarta, na abertura.
Nada de inglês sem necessidade:
é cara, e não "brother", e é fazer
contatos, e não "networking".
Agora a lista do que soma pontos: pega bem ser natureba - comer granola, fibras. Melhor ainda:
se abastecer de produtos orgânicos ou provenientes de assentamentos de sem-terra.
Citar expressões em tupi, aqui e
ali, enquanto defende o presidente venezuelano Hugo Chávez e o
"default" argentino ajuda a gerar
empatia nas rodinhas de violão.
Bom também é exibir um anel
preto de coco -símbolo do
"compromisso social" ou da
"aliança dos pobres", depende da
ONG ou da tribo. Sinal de que se
trata de iniciados -não de mochileiros de primeira viagem.
Extremistas do socialmente e
ambientalmente responsável?
Nem tanto. As maiores empresas
do fórum oponente, em Davos,
devem estar de olho nos hábitos
do "sul geopolítico", como eles
gostam de dizer em Porto Alegre.
Se no campo político -e econômico- Porto Alegre ainda está
longe de ter interferência direta, é
no comportamental -o tal ethos
do consumo, do qual são vanguarda- e no discurso que a onda que move o encontro se faz
sentir. Que o digam as fundações
das grandes empresas e as malas
diretas com "caro(a) cliente".
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