São Paulo, sexta-feira, 28 de janeiro de 2005

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Sul consagra o politicamente correto

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

Marxistas de carteirinha, anarquistas, terapeutas holísticos, ongueiros, hippies, insatisfeitos em geral, companheiros e companheiras: muito cuidado com o que falam, comem, vestem nestes dias de Porto Alegre.
No reino da diversidade e da liberdade do Fórum Social Mundial, a lista do que "não pode" pode ser extensa: o duro é saber onde o politicamente correto de um esbarra no politicamente correto do Outro (assim, com maiúscula, que é preciso amá-Los, relativizá-Los e entendê-Los como a nós mesmos).
Pode sandália comprada com os hippies do Acampamento da Juventude? Pode, desde que não seja de couro natural -os verdes e protetores dos animais podem estar à espreita.
Afora conflitos entre os mais extremistas, vale etiqueta ongueira e de esquerda básica: nada de exibicionismo consumista alimentando o caixa das multinacionais -marcas famosas estão fora de questão.
O mesmo vale para a globalizada (e supostamente transgênica) batata chips, acompanhada da não menos famigerada latinha do refrigerante negro: nem no banheiro químico do acampamento, com a luz apagada.
Britney Spears está vetada. Ponha no lugar o queridinho das massas esquerdóides: o franco-espanhol Manu Chao. Quem não sabia o hit "Clandestino" ( Perdido en el corazón/De la grande Babylon/ Me dicen el clandestino/ Por no llevar papel) deve ter passado vergonha no show que o músico fez na quarta, na abertura.
Nada de inglês sem necessidade: é cara, e não "brother", e é fazer contatos, e não "networking".
Agora a lista do que soma pontos: pega bem ser natureba - comer granola, fibras. Melhor ainda: se abastecer de produtos orgânicos ou provenientes de assentamentos de sem-terra.
Citar expressões em tupi, aqui e ali, enquanto defende o presidente venezuelano Hugo Chávez e o "default" argentino ajuda a gerar empatia nas rodinhas de violão.
Bom também é exibir um anel preto de coco -símbolo do "compromisso social" ou da "aliança dos pobres", depende da ONG ou da tribo. Sinal de que se trata de iniciados -não de mochileiros de primeira viagem.
Extremistas do socialmente e ambientalmente responsável? Nem tanto. As maiores empresas do fórum oponente, em Davos, devem estar de olho nos hábitos do "sul geopolítico", como eles gostam de dizer em Porto Alegre.
Se no campo político -e econômico- Porto Alegre ainda está longe de ter interferência direta, é no comportamental -o tal ethos do consumo, do qual são vanguarda- e no discurso que a onda que move o encontro se faz sentir. Que o digam as fundações das grandes empresas e as malas diretas com "caro(a) cliente".


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