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JANIO DE FREITAS
Na porta das novidades
Mais do que em fase de recessão econômica, o Brasil já começou a entrar, por força das
circunstâncias, em mais um período de sérias modificações na
sua fisionomia institucional,
nas relações entre governo e população, governo federal e Estados. Um período bem à semelhança do que se passou nos últimos anos do regime militar.
Até onde as modificações irão
desta vez, seja no tempo ou nos
feitos, é uma incógnita. Mas os
sinais estão aí, acumulando-se
dia a dia e ganhando sempre
melhor nitidez. Nem por isso,
no entanto, mais notados em
seu sentido mais profundo, senão apenas como fatos isolados
e convencionais, que encerram
seu significado e alcance em si
mesmos.
Os países com grandes deformidades sociais e estrutura econômica desequilibrada não escapam de alterações muito
além da economia, quando
uma crise atinge seu sistema financeiro ou produtivo. Exemplos recentes dessa vulnerabilidade maior, nenhum dos ditos
tigres asiáticos feridos nos últimos dois anos, pela crise dos
""ataques especulativos", escapou de cirurgias plásticas, ainda inacabadas, na relação entre suas instituições e sua população.
O fim do regime militar deveu-se, mais que a qualquer de
outros fatores, aos problemas
que se seguiram à "segunda crise do petróleo", no começo dos
80, e culminaram com a explosão da dívida externa. A instabilidade da economia, seus reflexos trabalhistas e sociais e,
ainda, a paralisia administrava do governo tiveram efeito
crescente e decisivo. O empresariado importante influiu em
parte dos políticos do regime e
na maioria da chamada grande
imprensa, acionando uma corrente de opinião pública que se
avolumou em torno dos oposicionistas.
A alternativa do regime militar seria voltar à força bruta,
mas com perspectivas desastrosas, porque o endurecimento
não contava mais com suas bases nas classes alta e média. A
crise econômica foi a plataforma de onde o regime militar foi
lançado ao lixo da história. É
impossível saber que Brasil teria havido sem a crise, mas lembra-se, a propósito, que o plano
elaborado em comum pelo Estado-Maior das Forças Armadas e pela Escola Superior de
Guerra, como se soube bem antes do fim do regime, era a permanência dos militares no poder até pelo menos o ano 2000.
Apagado depressa esse pesadelo, volta-se a encontrar, nos
nossos dias, uma insatisfação
que se generaliza e se intensifica como não acontecia desde o
começo dos 80. E a crise nem
produziu ainda todas as faces
da sua nocividade. Até agora o
empresariado influente esteve a
salvo e parte dele, o que se ocupa
com as diferentes manipulações
de dinheiro, continua ganhando
aqui o que é impensável ganhar
em qualquer outro lugar do
mundo.
Mas a recessão que agora alcançará grande fatia do empresariado influente vem ao encontro de taxas de desemprego que
já estão em recordistas 20% no
ABC paulista e nos mal apurados 18% em âmbito nacional. O
governo está mais do que imobilizado (e não só por falta de dinheiro). Não lhe bastando a inexistência de investimentos, ocupa-se de cortes. Não mais de
obras: de vidas, de alívios, de socorro, de saúde infantil, de futuro para milhões de jovens. Corta
verbas da merenda escolar, corta verbas das cestas de alimentos para uma parte dos miseráveis, corta verbas de ensino colegial, corta verbas universitárias,
corta verba de serviços hospitalares, corta verbas, corta verbas.
Os sete governadores oposicionistas não parecem notar o que
desfecharam, exceto Itamar
Franco. Não se dão conta da importância que assumiram, ainda agem com inseguranças e
cuidados submissos diante do
governo federal. Mas o simples
fato de que tivessem a aliança de
quase todos os demais para estourar, na reunião com Fernando Henrique, a programação esquema que os minimizaria, seria bastante para indicar-lhes
algo mais do que vêm. Mais do
que falaram todos, no entanto.
Saíram com mais conquistas do
que seria esperável. Algumas,
até, que o governo recusava com
ênfase de posição definitiva.
Essa reunião acabará por impor mudanças importantes na
maneira antidemocrática como
o poder federal se relaciona com
Estados e municípios. E daí vão
advir, sem dúvida, melhores
possibilidades para administrações estaduais inteligentes e sérias. Como outro efeito, a mesma democratização vai ser induzida, por reflexos dos Estados
nos seus parlamentares, nas relações do Executivo com o Legislativo, que tenderá a tornar-se
menos subserviente, menos engolidor de centenas de medidas
provisórias indigestas e, quem
sabe, mais corajoso para proceder a alguns inquéritos moralizantes.
Nada disso eliminará a recessão. Muito ao contrário, será
produto dela, mais que de outros fatores. Afinal, os velhos
gregos legaram-nos a percepção
da dialética e a realidade não
teve, até hoje, como a renegar.
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