São Paulo, Sexta-feira, 28 de Maio de 1999
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GRAMPO NO BNDES
Constituição não é Código de Trânsito, diz presidente
Oposição trata caso com "leviandade", afirma FHC

Ichiro Guerra/Folha Imagem
Fernando Henrique discursa em lançamento de programa educativo


WILSON SILVEIRA
da Sucursal de Brasília


O presidente Fernando Henrique Cardoso acusou ontem "certos setores do país e da oposição" de tratarem com "leviandade" e "paixão política" o episódio do grampo telefônico que revelou a tentativa do governo de favorecer o Banco Opportunity no leilão da Telebrás.
Parlamentares da oposição, segundo FHC, por vezes confundem a Constituição com o Código de Trânsito e tratam o impeachment como se fosse multa. "A toda hora tem uma multa, multa, multa."
Sem citar a Folha, que divulgou conversas inéditas do grampo telefônico, FHC disse que suas críticas valiam não só para quem exerce funções públicas, mas "também para aqueles que criticam as funções públicas, que não devem confundir seus interesses particulares porventura existentes, por justos que sejam, com o julgamento dos homens públicos".
As afirmações foram feitas no início da tarde, no Palácio do Planalto, durante solenidade em que foi lançado um programa que vai substituir o Crédito Educativo.
Estavam presentes os ministros Paulo Renato Souza (Educação), Clóvis Carvalho (Casa Civil) e Waldeck Ornelas (Previdência) e os presidentes do Senado e da Câmara, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Michel Temer (PMDB-SP). A seguir, trechos do discurso mais contundente feito até agora por FHC sobre o caso do grampo:
ERRO - "Meu , há limites. Há limites da paciência nacional no ver a leviandade, a leviandade com que certos setores do país e da oposição se comportam diante de fatos que são tranquilos, serenos, que podem ser julgados, podem ser criticados, podem até estar errados, mas que não podem ser objeto de utilização pela paixão política e muito menos pela voracidade de mercado, que faz esquecer que nós estamos numa nação".

LEVIANDADE - "É leviana a interpretação (das conversas) quando ela toma a parte e não mostra o todo, não mostra o contexto. Quando ela pega o fragmento e transforma o fragmento numa coisa desproporcionadamente grande.
(...) Se algum aluno meu fizesse isso, eu reprovaria, por ser ou incompetente ou imoral (aplausos) ou estar burlando ou não ter a capacidade de entender do que se trata.
Mas, como não sou mais professor, sou apenas presidente da República, quase sempre me calo. E, quando calo, não calo porque consenti, não calo porque concordei, não calo porque temi.
Calo porque sei a responsabilidade do meu cargo, do cargo em que o povo me pôs aqui por duas vezes já. Calo porque muitas vezes é mais fácil vociferar do que atuar. E nós estamos atuando. Atuando, transformando, fazendo o Brasil progredir".

IMPEACHMENT - "Tenta-se banalizar a apropriação da privacidade de alguém simplesmente para fazer barulho, e outros aproveitam-se disso como ensejo para banalizar um instrumento constitucional da maior respeitabilidade, transformando ou querendo transformar este país numa terra sem lei, sem Justiça".

MAIS EDUCAÇÃO - "Eu tenho certeza de que o único caminho que nos levará a evitar que no futuro pessoas de boa-fé, pessoas trabalhadoras, pessoas dedicadas sejam postas no pelourinho (...) é mais educação, mais educação, mais educação. Não vai bastar o crescimento econômico. Não vai bastar a distribuição de renda".

INTERESSE PÚBLICO - "Esses esforços são feitos levando sempre em consideração (...) o que existe de fundamental na população e sem perder de vista que estamos aqui numa nação e não num mercado. E é bom que se diga que essa é a preocupação permanente do governo.
Até mesmo quando, levianamente, alguns imaginam que o governo ter-se-á embrenhado em assuntos privados quando, na verdade, estava defendendo o interesse público com energia e com a serenidade que nos caracteriza, com a tranquilidade do dever cumprido, com a, eu até diria, a satisfação de dizer que chego aos 68 anos tendo toda uma vida de trabalho e que nunca -e friso, nunca- tive qualquer coisa, a mais remota, que pudesse ser suspeição de algum interesse no exercício de cargo público que não fosse o do povo, que não fosse o do meu país. Nunca".

"GOVERNO DE MORAL" - "Sem moral não há progresso. Eu me orgulho de dizer que este governo é um governo de moral. (...) E porque tem na moral o seu fundamento não pode transigir com as leviandades, com as interpretações malévolas, com as insinuações, com as distorções, sejam elas de quem forem, mas muito menos ainda quando se trata de interpretações, distorções, aleivosias sobre o presidente da República".

COMPROMISSO MORAL - "Eu espero que, com essas bolsas (de estudo), que são muitas, e muitas outras virão, nós possamos formar cidadãos que tenham realmente um compromisso moral mais forte do que aquele que até hoje foi possível alcançar em muitos dos nossos costumes.
E que esse compromisso moral não seja apenas uma hipocrisia, apenas uma apelação pseudo-ética para disfarçar a falta de capacidade de reconhecer o imenso esforço que está sendo feito neste país, no dia-a-dia, não por mim apenas, não pelos ministros, apenas, não pelos parlamentares, apenas, mas por essa sociedade inteira".

ZONA CINZENTA - Mais tarde, ao dar posse à Comissão de Ética Pública -que terá como missão a conclusão do código de ética do servidor-, FHC disse haver uma "zona cinzenta" nos limites para a atuação dos servidores, "que não sabem o que é apropriado ou não".


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