São Paulo, Sexta-feira, 28 de Maio de 1999
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JANIO DE FREITAS
Os três e outros patetas

É pena que o lado grave dos malfeitos do governo seja tão grave, sempre, que se precise tratá-los, e aos envolvidos como autores ou como áulicos, com a seriedade merecida pelos problemas do país. É pena, porque são muito engraçados, na sua política-pastelão, nas malandrices que saltam do segredo indispensável às manchetes desmoralizantes.
O próprio presidente da República autoriza o uso do seu nome para pressões ilegais, um ministro e um presidente do BNDES articulam a deformação da concorrência na maior privatização do mundo -e tudo o que resulta disso é um belo escândalo, do qual nenhum dos praticantes se recuperará, jamais. Só não é um episódio dos "Três Patetas" porque o número foi maior, com a participação de Pérsio Arida, Pio Borges, Elena Landau e outros associados àqueles.
O patetismo foi ainda maior do que seria uma derrota no leilão. É de pura má-fé a história, repetida por gente do governo e políticos e jornalistas-governistas, de que ""o consórcio que o governo é acusado de ajudar perdeu o leilão, logo, não houve ajuda". O consórcio dos interesses de Mendonça de Barros e Lara Resende, em favor do qual Fernando Henrique autorizou pressões em seu nome, na verdade estava autodesclassificado. Já comprara uma telefônica que o impedia, pelas regras do leilão, de arrematar o grupo formado por Telerj e mais 15 telefônicas. Os que armavam as jogadas, de dentro e de fora do governo, esqueceram as regras que armaram.
O outro argumento de defesa, também muito do agrado de Fernando Henrique e por ele mandado divulgar, em seu nome, pelo novo porta-voz, não é menos gaiato: vale por uma confissão do que o governo faz em caso de concorrências.
Depois de inventar uma diferença legal entre leilão e licitação, diz o tal argumento que, ""no caso de leilão, cabe ao governo (leia-se ao presidente) buscar maior competição e estimular o maior número de competidores". Ou seja, nas obras e demais concorrências que não sejam por leilão convencional, o governo não quer competição nem maior número de competidores.
É verdade. Foi o que aconteceu, por exemplo, na licitação do bilionário projeto Sivam, ""vencida" pela Raytheon, segundo o desejo manifestado por Bill Clinton.
Há mais sobre os leilões, nos quais ainda ""cabe ao governo zelar pela qualidade dos competidores do ponto de vista técnico e financeiro". Se fosse o caso de licitação, dada a diferença de funções do governo nos dois gêneros, tal zelo não existiria, é o que diz o próprio governo.
E, argumento final da lisura, ""em última análise, quem decide o leilão é o preço, da forma mais lisa possível na competição final". É verdade, outra vez. Nas outras concorrências a decisão depende de outros fatores, tratados sem cerimônia mesmo em telefonemas dados para ou da Presidência da República, como ficou comprovado já no primeiro escândalo de gravação do governo Fernando Henrique. Outro caso gaiato: um integrante do governo quis provar negociata de outro e provou que a negociata era do governo mesmo.


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