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CELSO PINTO
Ciro Gomes, Cavallo e a dívida interna
A proposta do candidato à
Presidência Ciro Gomes de renegociar as condições da dívida
interna, defendida há muito tempo, parecia fazer pouco sentido
quando as projeções indicavam
uma boa chance de reduzir a dívida líquida do setor público de
49% do PIB para 46,5%, ou até
menos, no final deste ano. A piora
no cenário econômico pode dar
nova força à sua idéia.
O Banco Central voltou a intervir pesado no câmbio, ontem. Se
estimativas de mercado estiverem
corretas, é possível que o BC tenha gasto, em uma semana, algo
perto de US$ 1,4 bilhão no mercado à vista, mais R$ 5,4 bilhões líquidos em títulos indexados, para
tentar segurar o câmbio. Mesmo
assim, foi difícil segurar a cotação
perto de R$ 2,30 por dólar.
Tudo indica que, após deixar o
câmbio se acomodar alguns dias,
para ver até onde podia cair, várias empresas estão se convencendo que R$ 2,30 é um bom preço
para voltar a comprar proteção
contra alta ("hedge"), o que pressiona a cotação. Ontem, esta pressão foi clara. O BC tem bala na
agulha para tentar forçar uma
nova queda de patamar, mas corre o risco de gastar demais, o que
seria um convite aos especuladores para testá-lo.
É uma má notícia. O câmbio a
R$ 2,30 não é baixo o suficiente
para dar tranquilidade em relação à dívida pública. O banco
CSFB-Garantia calcula que, se o
câmbio ficar em R$ 2,30, a dívida
líquida fecha o ano em 53% do
PIB (supondo um crescimento de
2,5%, IPCA de 5,9% e juros médios de 17,75%). Como ainda é
preciso somar mais 1% do PIB por
conta do saneamento dos bancos
federais, a dívida líquida fecharia
em 54% do PIB, comparado a
49,3% em 2000. Um resultado
mais do que decepcionante para
um país que está gerando um dos
maiores superávits primários do
mundo (6,1% do PIB de janeiro a
abril e previsão de 3% no ano).
Desde que lançou a proposta de
renegociação, Ciro Gomes trabalhou na idéia. Ele argumenta que
sua proposta não é nada mais do
que Domingo Cavallo acabou de
fazer na Argentina, com aplauso
do FMI: trocar dívida curta por
dívida mais longa, de forma voluntária, oferecendo juros mais
atraentes como estímulo. Irônico,
Ciro diz que, como Cavallo deu
um nome inglês à sua operação,
"swap", as pessoas gostaram.
O argumento central de Ciro é
que, tentar resolver o problema
da dívida interna pela ortodoxia,
gerando superávits fiscais crescentes, custa caro para a economia e não funciona. Duas outras
opções ele rejeita: um calote ou
desvalorizar a dívida deixando a
inflação disparar. Sobra uma renegociação voluntária, induzida
pelo governo. À la Cavallo.
Ele acha que pode sentar à mesa com grandes detentores da dívida, como os fundos de pensão, e
convencê-los a aceitar uma ampliação de prazo, em troca de
maiores juros. Sabe-se que já andou sondando alguns fundos. A
dívida está pulverizada entre milhares de investidores, mas a
maior parte está concentrada em
poucos administradores e bancos.
O problema da proposta de Ciro
é idêntico ao de Cavallo. Mesmo
que a operação seja um sucesso,
como foi na Argentina, ela implica em ganhar alguns anos de
tranquilidade, mas piorar o custo
da dívida a longo prazo. Só funciona se, durante os anos de tranquilidade, a economia crescer
muito e com uma política fiscal
consistente.
Ciro, é claro, acha que poderá
fazer isso. Suas propostas de reformas tributária e previdenciária
são conhecidas. A essência é acabar com a tributação sobre a produção e elevar a tributação sobre
o consumo, além de fazer uma
ampla mudança previdenciária.
Acha que poderá aprovar isso tudo com plebiscitos nacionais. Não
é simples e tem riscos.
Menos conhecidas do público
são suas opiniões sobre dois outros temas importantes: as metas
inflacionárias e a independência
do BC. Ele é claramente favorável
a um BC independente, mas desde que a mudança seja feita a
partir do novo governo, não deste.
Sobre metas inflacionárias, ele
apóia, mas com qualificações.
Acha que deve haver, sim, uma
meta de inflação a ser perseguida,
mas junto com uma meta para o
crescimento.
Ele diz que um grupo de economistas o está ajudando a montar
um modelo econômico que procure determinar quais a limitações para se atingir diferentes metas de crescimento. Por exemplo:
se o país quiser crescer 6% ao ano,
quais as restrições nas contas externas, na infra-estrutura e na inflação que haveria? Se as restrições não são facilmente superáveis, então o que seria preciso para se crescer a 5%?
A intenção é poder determinar
uma taxa mínima de crescimento
econômica que seja sustentável e
determinar que taxa de inflação
seria compatível com ela. A partir
daí, seriam fixadas as metas para
a inflação e para o PIB. O objetivo, obviamente, seria tentar perseguir o maior crescimento com a
menor inflação.
Em teoria, um BC independente
poderia ter metas simultâneas
para a inflação e o PIB. O Fed
americano, por lei, tem um mandato para perseguir estabilidade
da moeda e pleno emprego. Na
prática, um BC com os dois mandatos enfrentaria várias situações
em que poderia ter que arriscar
uma delas em favor da outra. Como a tradição do Brasil é a inflação, não a estabilidade, o mercado tenderia a desconfiar que o BC
teria um viés mais a favor do PIB
do que dos preços.
Ciro diz que quer ter alguém
com perfil conservador no BC.
Sua aposta, é que, com a dívida
interna renegociada e a área fiscal reformada, haverá melhores
condições para retomar o crescimento com juros baixos. Mais
simples de dizer do que de fazer.
É curioso notar que a idéia de
Ciro para a meta inflacionária
não está tão distante da proposta
do PT de se fazer uma Carta, com
metas para a inflação, o PIB e a
área social. Aliás, Aloizio Mercadante, do PT, também não descarta a idéia de mudanças no BC
em direção a uma maior independência, mas não da forma
proposta por este governo.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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