São Paulo, quinta-feira, 28 de junho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CELSO PINTO

Ciro Gomes, Cavallo e a dívida interna

A proposta do candidato à Presidência Ciro Gomes de renegociar as condições da dívida interna, defendida há muito tempo, parecia fazer pouco sentido quando as projeções indicavam uma boa chance de reduzir a dívida líquida do setor público de 49% do PIB para 46,5%, ou até menos, no final deste ano. A piora no cenário econômico pode dar nova força à sua idéia.
O Banco Central voltou a intervir pesado no câmbio, ontem. Se estimativas de mercado estiverem corretas, é possível que o BC tenha gasto, em uma semana, algo perto de US$ 1,4 bilhão no mercado à vista, mais R$ 5,4 bilhões líquidos em títulos indexados, para tentar segurar o câmbio. Mesmo assim, foi difícil segurar a cotação perto de R$ 2,30 por dólar.
Tudo indica que, após deixar o câmbio se acomodar alguns dias, para ver até onde podia cair, várias empresas estão se convencendo que R$ 2,30 é um bom preço para voltar a comprar proteção contra alta ("hedge"), o que pressiona a cotação. Ontem, esta pressão foi clara. O BC tem bala na agulha para tentar forçar uma nova queda de patamar, mas corre o risco de gastar demais, o que seria um convite aos especuladores para testá-lo.
É uma má notícia. O câmbio a R$ 2,30 não é baixo o suficiente para dar tranquilidade em relação à dívida pública. O banco CSFB-Garantia calcula que, se o câmbio ficar em R$ 2,30, a dívida líquida fecha o ano em 53% do PIB (supondo um crescimento de 2,5%, IPCA de 5,9% e juros médios de 17,75%). Como ainda é preciso somar mais 1% do PIB por conta do saneamento dos bancos federais, a dívida líquida fecharia em 54% do PIB, comparado a 49,3% em 2000. Um resultado mais do que decepcionante para um país que está gerando um dos maiores superávits primários do mundo (6,1% do PIB de janeiro a abril e previsão de 3% no ano).
Desde que lançou a proposta de renegociação, Ciro Gomes trabalhou na idéia. Ele argumenta que sua proposta não é nada mais do que Domingo Cavallo acabou de fazer na Argentina, com aplauso do FMI: trocar dívida curta por dívida mais longa, de forma voluntária, oferecendo juros mais atraentes como estímulo. Irônico, Ciro diz que, como Cavallo deu um nome inglês à sua operação, "swap", as pessoas gostaram.
O argumento central de Ciro é que, tentar resolver o problema da dívida interna pela ortodoxia, gerando superávits fiscais crescentes, custa caro para a economia e não funciona. Duas outras opções ele rejeita: um calote ou desvalorizar a dívida deixando a inflação disparar. Sobra uma renegociação voluntária, induzida pelo governo. À la Cavallo.
Ele acha que pode sentar à mesa com grandes detentores da dívida, como os fundos de pensão, e convencê-los a aceitar uma ampliação de prazo, em troca de maiores juros. Sabe-se que já andou sondando alguns fundos. A dívida está pulverizada entre milhares de investidores, mas a maior parte está concentrada em poucos administradores e bancos.
O problema da proposta de Ciro é idêntico ao de Cavallo. Mesmo que a operação seja um sucesso, como foi na Argentina, ela implica em ganhar alguns anos de tranquilidade, mas piorar o custo da dívida a longo prazo. Só funciona se, durante os anos de tranquilidade, a economia crescer muito e com uma política fiscal consistente.
Ciro, é claro, acha que poderá fazer isso. Suas propostas de reformas tributária e previdenciária são conhecidas. A essência é acabar com a tributação sobre a produção e elevar a tributação sobre o consumo, além de fazer uma ampla mudança previdenciária. Acha que poderá aprovar isso tudo com plebiscitos nacionais. Não é simples e tem riscos.
Menos conhecidas do público são suas opiniões sobre dois outros temas importantes: as metas inflacionárias e a independência do BC. Ele é claramente favorável a um BC independente, mas desde que a mudança seja feita a partir do novo governo, não deste.
Sobre metas inflacionárias, ele apóia, mas com qualificações. Acha que deve haver, sim, uma meta de inflação a ser perseguida, mas junto com uma meta para o crescimento.
Ele diz que um grupo de economistas o está ajudando a montar um modelo econômico que procure determinar quais a limitações para se atingir diferentes metas de crescimento. Por exemplo: se o país quiser crescer 6% ao ano, quais as restrições nas contas externas, na infra-estrutura e na inflação que haveria? Se as restrições não são facilmente superáveis, então o que seria preciso para se crescer a 5%?
A intenção é poder determinar uma taxa mínima de crescimento econômica que seja sustentável e determinar que taxa de inflação seria compatível com ela. A partir daí, seriam fixadas as metas para a inflação e para o PIB. O objetivo, obviamente, seria tentar perseguir o maior crescimento com a menor inflação.
Em teoria, um BC independente poderia ter metas simultâneas para a inflação e o PIB. O Fed americano, por lei, tem um mandato para perseguir estabilidade da moeda e pleno emprego. Na prática, um BC com os dois mandatos enfrentaria várias situações em que poderia ter que arriscar uma delas em favor da outra. Como a tradição do Brasil é a inflação, não a estabilidade, o mercado tenderia a desconfiar que o BC teria um viés mais a favor do PIB do que dos preços.
Ciro diz que quer ter alguém com perfil conservador no BC. Sua aposta, é que, com a dívida interna renegociada e a área fiscal reformada, haverá melhores condições para retomar o crescimento com juros baixos. Mais simples de dizer do que de fazer.
É curioso notar que a idéia de Ciro para a meta inflacionária não está tão distante da proposta do PT de se fazer uma Carta, com metas para a inflação, o PIB e a área social. Aliás, Aloizio Mercadante, do PT, também não descarta a idéia de mudanças no BC em direção a uma maior independência, mas não da forma proposta por este governo.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


Texto Anterior: Ciro define aliança com o PTB como uma relação "simbiótica"
Próximo Texto: Pesquisa: Aprovação a FHC cai 12 pontos em três meses
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.