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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ PALOCCI NA MIRA
Advogado afirma que é possível comprovar pagamento mensal de R$ 50 mil de uma empreiteira para o então prefeito de Ribeirão
Dá para provar propina a Palocci, diz Buratti
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O advogado Rogério Buratti diz
que não é missão impossível obter
provas de que a empresa Leão
Leão pagava R$ 50 mil mensais ao
atual ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, quando ele era
prefeito de Ribeirão Preto pela segunda vez, entre 2001 e 2002.
"Uma investigação razoável
consegue comprovar que existia
um fluxo de saída de dinheiro da
empresa", disse em entrevista à
Folha. O caminho para chegar às
provas, segundo ele, são os saques
feitos em postos bancários do
Bradesco e do Banespa que funcionavam dentro da Leão Leão,
responsável pela limpeza urbana
de Ribeirão àquela época.
Buratti, que foi secretário de
Governo de Palocci na primeira
passagem pela Prefeitura de Ribeirão, tornou-se uma espécie de
homem-bomba depois de incluir
o ministro da Fazenda entre os
suspeitos de receber propina de
empresas. O advogado diz ter decidido contar o que sabia depois
de passar dois dias na prisão e fazer um acordo de delação premiada, "mas já vinha nessa crise".
A faísca para falar o que sabia foi
a revelação de Duda Mendonça
de que recebera R$ 10 milhões do
PT num paraíso fiscal, segundo
Buratti: "Quando eu vi o depoimento do Duda Mendonça numa
das CPIs, aquilo me tocou muito.
O Duda foi uma pessoa fundamental na eleição do presidente
Lula, gozou da confiança íntima
do PT e estava ali revelando coisas
que eventualmente ele não precisaria ter revelado".
Trocas de mensagens de computador com o filho Tomás, 14,
via MSN, só fizeram crescer a crise, conta. "Mesmo antes de eu ser
preso, eu ficava perguntando: Por
que eu? Por que eu fico quieto?
Por que eu levo a fama?" O filho
respondeu com uma platitude
que lhe pareceu uma revelação:
"A melhor coisa é a verdade". O
seu mantra a partir de então é:
"Não sou o único culpado".
Anteontem, um dia depois de
comemorar o depoimento que
dera à CPI na véspera, um Buratti
sorridente negou que tenha praticado tráfico de influência no Ministério da Fazenda ou que tenha
feito lobby para o Banco Prosper.
O sorriso deve-se à avaliação de
que o seu depoimento fora um sucesso -não recuou um milímetro na acusação de que o então
prefeito Palocci recebera propina,
mas não deixou de qualificar o
ministro da Fazenda de "integro".
É nesse fio de navalha que Buratti caminha. O melhor indicador de sua estratégia é a avaliação
que fez de seu depoimento na CPI
dos Bingos de que o ponto alto
havia sido a avaliação do senador
Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) de que Buratti havia dito uma
meia-verdade com a acusação
que fizera a Palocci, mas que o ministro respondera na mesma
moeda, com outra meia-verdade.
A seguir, a entrevista:
![](http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Folha - O governo desqualificou a
acusação sobre a propina que o ministro Palocci teria recebido da empresa Leão Leão com o argumento
de que o sr. não apresenta provas.
É possível obter provas?
Rogério Tadeu Buratti - Acho
que é. Nós vivemos num momento onde as acusações são lançadas
e depois as pessoas vão atrás das
provas, confirmando ou não o
que é falado. A própria investigação do "mensalão" foi isso. A
princípio, o governo também desqualificou as acusações. Falou que
era leviandade do deputado Roberto Jefferson [PTB-RJ] e depois
nós todos fomos sendo surpreendidos por evidências que levavam
a constatar que era verdade.
Eu acho que uma investigação
razoável consegue comprovar
que existia um fluxo de saída de
dinheiro da empresa. Agora, nós
não vamos comprovar a entrega
do dinheiro. Mas nós vamos comprovar que existia um fluxo de
saída de dinheiro da empresa.
Folha - A saída era por meio de
cheques?
Buratti - Era por meio de saques
bancários.
Folha - Há registro contábil da
saída?
Buratti - Tem, sempre tem. A
empresa tinha todo o cuidado do
mundo de fazer com que sua contabilidade fosse correta. E era. Por
emissão de notas, você tem saques em dinheiro e eles representavam isso -os pagamentos.
Folha - Quem na empresa autorizava esses saques?
Buratti - A empresa como um
todo. Não existia uma pessoa. Era
uma política da empresa.
Folha - O presidente da Leão
Leão, Luiz Claudio Leão, sabia que
a empresa pagava essa mesada a
Palocci?
Buratti - Toda a diretoria sabia.
Eu soube porque era da diretoria.
Folha - Então, há testemunhas de
que Palocci recebia o dinheiro?
Buratti - De que o Palocci recebia, não. Há testemunhas de que
havia saques.
Folha - Que eram entregues à
Prefeitura de Ribeirão...
Buratti - De Ribeirão e de outras
cidades.
Folha - O sr. estaria disposto a colaborar na obtenção das provas?
Buratti - O Ministério Público
escolheu um caminho, desde o
ano passado, de coleta de provas.
Buscou na contabilidade da empresa vários documentos. Eu
acredito que hoje eu não possa colaborar com isso. Não porque não
saiba. Mas porque eu nunca
acompanhei o registro contábil
das operações. Acho que a apuração, a quebra de sigilo que vai ser
feita, a investigação que está em
curso é capaz de chegar nisso.
Folha - O sr. acha que o caminho
do Ministério Público está correto?
Buratti - O Ministério Público
foi duro demais. Tenho dificuldade em dizer que o caminho que
ele escolheu é o correto. Mas acho
que, a partir do ponto que nós estamos, é possível que eles avancem nessa investigação.
Folha - O seu advogado conta que
houve muita pressão para que o sr.
retirasse na CPI o que havia dito sobre a propina. O sr. pode contar de
onde partiram essas pressões?
Buratti - Honestamente, a mim
não chegaram as pressões. Nenhuma das pessoas que me viu
nas condições em que fui colocado na semana passada, com a prisão, a roupa amarela, a algema, teve coragem de pedir para eu voltar atrás. Não sei se meu advogado, o dr. [Roberto] Telhada, recebeu pressões. Em momento algum pensei em mudar o que eu tinha dito em Ribeirão. Como eu
disse na CPI, foi uma decisão extremamente difícil para mim.
Folha - Foi a decisão mais difícil
da sua vida?
Buratti - Foi uma das decisões
mais difíceis da minha vida. Mas,
depois que eu a tomei, não recuaria. Prefiro enxergar como uma
oportunidade de restabelecer a
minha vida. Eu acho que a minha
vida foi vilipendiada, atacada sobre todos os aspectos. Tentei enxergar minha prisão não como
um meio de virar o jogo, mas para
recomeçar a minha vida, com a
cara mais limpa, assumindo os
eventuais erros que tivesse cometido. Mas, principalmente, porque não sou o único culpado.
Folha - O sr. já disse que se cansou
de ser o único vilão da história. Foi
isso que o levou a contar sobre a
mesada de R$ 50 mil?
Buratti - Não fui formado para
ser vilão. Vivo essa contradição há
mais de dez anos. Eu tinha uma
formação católica, depois entrei
na militância política. Não me
preparei para assumir o papel que
eu tive de assumir.
Folha - O sr. está dizendo que assumiu responsabilidades de outros?
Buratti - Não exatamente. Mas
em vários momentos da minha
vida, desde 1994, eu acabei focado
como a pessoa que fazia coisas erradas. De certa forma, eu absorvi
isso. Há pouco tempo eu percebi
que era um fardo pesado demais.
Eu já vinha nessa crise. E, honestamente, quando percebi que pessoas que tinham trabalhado nas
campanhas estavam revelando
coisas... Quando eu vi o depoimento do Duda Mendonça numa
das CPIs, aquilo me tocou muito.
O Duda foi uma pessoa fundamental na eleição do presidente
Lula, gozou da confiança íntima
do PT e estava ali revelando coisas
que eventualmente ele não precisaria ter revelado. Não estou criticando. Ele fez o que a consciência
dele mandou.
Mesmo antes de ser preso, eu ficava perguntando: Por que eu?
Por que eu fico quieto? Por que eu
levo a fama? Tive um diálogo desse com o meu filho de 14 anos, o
Tomás. Ele me incentivava. Falava: "A melhor coisa é a verdade".
Fiquei pensando nisso. Quando
chegou a prisão, não tive dúvidas.
Logo que eu fui preso, tinha certeza de que queria dialogar.
Folha - O sr. foi conduzido pelo
Ministério Público a incluir o nome
do ministro Palocci?
Buratti - Não, não fui. Eu perguntei aos promotores o que eles
queriam. Eles falaram que era a
questão do lixo. Disse a eles o que
eu disse na CPI: posso falar sobre
o que eu sei e boa parte das coisas
que eu sei, sei porque eu sei, não é
porque eu consiga provar. Eu fiquei com medo de que isso não os
satisfizesse. Não tenho muito
mais informações que pudesse
sustentar. A gente sabe de coisas,
mas não quer dizer que possa sustentar as coisas que sabe. Eu não
fui coagido. O processo todo me
coagiu. Não foi a prisão.
Folha - Sem que ninguém lhe perguntasse, o sr. contou na CPI que
visitou a casa do ministro Palocci
em maio de 2003. O sr. lembra qual
foi o motivo da visita?
Buratti - Contei porque acho
que, se as relações sociais esporádicas que tive com o ministro fossem abertas, teria se evitado uma
série de constrangimentos. A minha mulher à época, a Elza, e
meus filhos Tomás e Giovana
queriam ver uma exposição em
Brasília. Foi uma visita social ao
ministro. Fomos à casa dele, tomamos lanche, no sábado. No domingo almocei na casa do Juscelino [Dourado, chefe-de-gabinete
de Palocci].
Folha - O sr. conversou sobre a
GTech com o ministro?
Buratti - Não, essa visita foi em
maio, junho. O processo da
GTech já tinha terminado em
março, abril de 2003.
Folha - O sr. intermediou um encontro da Somague como o ministro Palocci. Esse grupo português é
sócio da Triângulo do Sol, que ganhou concessão de rodovia em São
Paulo com a Leão Leão, empresa da
qual o sr. foi diretor. Isso não é tráfico de influências?
Buratti - Não. Sempre que precisei de apoios à Leão Leão, à Somague, eu o fiz formalmente. Isso
não é tráfico de influência. Tráfico
de influência, por definição, é
quando você faz com que a pessoa
mude ou faça alguma coisa para
te favorecer. Solicitar uma audiência com o ministro é um processo rigorosamente normal.
Eu liguei para o gabinete do ministro e disse que o grupo Somague, que ele conhecia da época em
que foi prefeito de Ribeirão, queria fazer uma visita de cortesia.
Vinha o presidente da Somague
em Portugal para essa visita. O
Juscelino me orientou a que a Somague mandasse um e-mail para
o gabinete e marcasse a visita.
Folha - A Somague não enfrentava problemas na SDE (Secretaria de
Defesa Econômica), um órgão subordinado ao ministro?
Buratti - Eu não conheço. Nunca
trabalhei para a Somague.
Folha - Por que o sr. fez questão
de vestir um camisa da seleção portuguesa de futebol quando foi solto pela polícia? É algum recado sobre negócios em Portugal?
Buratti - Nenhum. Foi a roupa
que meu irmão levou.
Folha - Logo depois de ter sido
demitido pelo então prefeito Palocci, em 1994, o sr. viajou para os
EUA com ele. O que os srs. fizeram
nessa viagem?
Buratti - Não foi bem em seguida. Foi a Denver, em abril ou maio
de 1995, se não me engano. Naquela época, eu tinha saído da
prefeitura e montado a Assessorarte. Como era uma empresa nova, fui trabalhar na Câmara com o
deputado João Paulo [Cunha].
Uma das experiências que eu tinha acumulado na prefeitura era
no processo de concessão do serviço de esgoto. Tive a oportunidade de preparar o edital, de acompanhar boa parte da licitação.
Houve o evento em Denver porque a empresa que tinha ganho a
licitação, em um "joint venture"
com uma empresa brasileira, era
americana, a CH2MHill. Tinha
um seminário e convidaram o
prefeito. Fui ao seminário porque
eu imaginava que poderia atuar
nessa área. Esse negócio não prosperou por falta de regulamentação. Estivemos juntos em Denver.
Não havia nada errado.
Folha - O sr. poderia explicar que
tipo de negócios discute com Vladimir Poletto nas gravações feitas
pela polícia? Parece que vocês fazem lobby para o Banco Prosper.
Buratti - O Vladimir trabalhou
na Prefeitura de Ribeirão com o
secretário Ralf [Barquete, apontado por Buratti como a pessoa que
recebia os R$ 50 mil mensais para
Palocci]. Ele prestou serviços para
mim na Assessorarte. Quando
saiu da Prefeitura de Ribeirão
Preto, tinha expectativa de ir para
o governo federal e não foi. Era
um militante antigo do PT, tem
uma formação técnica em administração e economia, tem especialização na área financeira.
Foi trabalhar no Rio numa
construtora e depois no Banco
Prosper, que é do mesmo grupo
da construtora. Com a morte do
Ralf [no ano passado], houve um
vácuo no negócio deles: ele não
sabia se o negócio continuava. Ele
recorreu a mim como amigo, pedindo opinião. Nunca tive negócios com o Vladimir nem com o
Banco Prosper.
Folha - Na CPI, o sr. disse que o PT
condenou-o sem ter provas em
1994 ao afastá-lo da prefeitura. Na
Justiça, segundo o sr. contou, não
houve processo. A acusação de que
Palocci receberia propina é uma
vingança contra o PT?
Buratti - Não, de forma alguma.
A denúncia contra mim partiu de
gente do PT, foi fogo amigo. Foram pessoas da prefeitura que
furtaram a fita do meu gabinete e
divulgaram na imprensa. Na fita,
eu converso com empreiteiros sobre cronograma de obras e licitações. Não se fala de dinheiro, de
propina. De fato, é uma situação
inadequada. A divulgação da fita
deveria provocar o que provocou:
minha saída do governo, uma
CPI, um inquérito civil e um inquérito penal. Não sou avesso às
investigações. Admiti meu erro.
Mas nunca achei que o PT tenha
tido um comportamento solidário. Eu tinha cometido um erro,
mas não havia suspeita de pagamento de propina. Só que isso
marcou a minha vida apesar de eu
ter sido inocentado. Eu acho que
demorou muito tempo para as
pessoas do PT falarem que eu tinha sido absolvido. Não é vingança o que estou fazendo. Esse clima
que o Brasil vive, essa estupefação
em que todo mundo se encontra
em razão do que acontece com figuras importantes do PT, me faz
acreditar que tudo deve ser passado a limpo e que cada um pague
por seus erros.
Folha - O senador Antonio Carlos
Magalhães disse na CPI que a história de propina que o sr. contara era
uma meia verdade e a resposta do
ministro Palocci também era uma
meia verdade. Há alguma verdade
nessa avaliação do senador?
Buratti - Em 1994, quando fui à
Câmara de Ribeirão Preto prestar
esclarecimentos, recebi muita solidariedade de pessoas do PFL, do
PTB, do PMDB, de partidos que
não eram da base do prefeito Palocci. A fala do senador Antonio
Carlos Magalhães é uma fala que
me fez sentir que eu tinha feito a
coisa certa. Eu não tenho por que
dizer além do que eu sei em relação ao ministro Palocci.
Folha - Então o sr. confirma que é
uma meia verdade?
Buratti - Eu disse o que eu sabia.
Como eu disse na CPI, para mim
o ministro Palocci é um homem
íntegro, correto e tem um papel
muito importante nesse país. Eu
não assacaria nenhum tipo de calúnia, nenhum tipo de coisa que
eu não conseguisse provar que
viesse a atingir a honra do ministro. Então, eu falei o que me foi
dado a conhecer sobre o ministro
Palocci em relação a esse assunto.
Mais do que isso eu teria sido leviano.
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