São Paulo, domingo, 28 de setembro de 1997.



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DOMINGUEIRA
O Golbery de Ciro

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

Quem imaginava que o jogo sucessório seria uma sedativa disputa entre FHC, no papel do mocinho, e Lula, na pele do bandido fulminado no duelo final, já tem elementos para acreditar que a política brasileira encena um passo à frente.
Pressionados pelos prazos de filiação e agitados pela antecipação, por parte do próprio governo, da agenda eleitoral, candidatos e partidos movimentam-se em busca de posições para 98.

Nada seria mais entediante se nesse processo não surgisse um elemento de ignição: Ciro Gomes, o candidato de renovação do populismo brasileiro.
Se vai atingir seus objetivos, não se sabe. Mas que sua presença desmontou a cena que passivamente projetava-se sobre 98, está fora de questão. O comentário letárgico, repetido entre goles de vinho nos salões do tucanato -"não há quem possa ameaçar o Fernando"- já não parece tão pacífico.
A estratégia óbvia do consenso dominante, a de opor o candidato do Real e da estabilização ao da instabilidade e da volta ao passado, começa a descer ladeira abaixo.
Mais do que um simples aventureiro, Ciro Gomes entra na disputa com um projeto político articulado e pensado exatamente para a circunstância que se apresenta. Pretende ser a alternativa aceitável no jogo plebiscitário do voto presidencialista.
Concorde-se ou não com o que diz, considere-se ou não a aposta perigosa e sem base de sustentação, o fato é que a entrevista publicada hoje pela Folha com o professor Mangabeira Unger -o Golbery de Ciro- revela a presença de vida inteligente na candidatura.
Inteligência do mal, dirão alguns, diante da desenvoltura com que o professor trata a sociedade como laboratório. Talvez ele venha a ser classificado de delirante ou irresponsável. Não seria arriscado, contudo, apostar que ele e sua criatura preocupam bem mais o Planalto do que Lula e seus seguidores.
A entrada em cena de Ciro Gomes, evidentemente programada para dar no que deu, causa apreensões entre tucanos e precipita os movimentos no tabuleiro das oposições de esquerda. Lula e Dirceu rapidamente começam a falar em frente e alianças, termos que não fazem parte do léxico oficial do PT.
As escaramuças das últimas semanas demonstram, mais uma vez, que na política brasileira a possibilidade de emergência do imponderável deve ser sempre muito ponderada. O que não permite prognósticos sobre o que realmente estará ocorrendo no ano que vem -talvez Ciro, como dizem em outras tribos, simplesmente "flope".
Uma única certeza é que a política, depois de um período de marasmo e mediocridade, volta a despertar algum interesse. Parece encaminhar-se para a superação do quadro dicotômico e encalacrado em que foi praticada nos últimos anos. Tanto melhor.









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