São Paulo, segunda, 28 de setembro de 1998

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Trabalho faz Luciana, 8, chegar atrasada

da Agência Folha

A menina Luciana Alves de Lima, 8, não sabe o que é um "tamagochi" (bichinho eletrônico virtual), mas seu trabalho de cuidar dos bichos-da-seda tem princípio semelhante, mas, obviamente, sem nenhuma diversão.
Sua tarefa é não deixar que os bichos morram de fome. Ela trabalha também aos sábados, domingos, às vezes à noite, perde algumas aulas e não raramente chega atrasada.
Conversando com a Agência Folha, Luciana reclamou que nos meses em que o bicho precisa ser alimentado a cada uma hora, ela chega atrasada à escola, onde cursa a 3ª série, e a professora não admite sua entrada na sala.
Luciana trabalha com a irmã gêmea, Lucilene, e a mais velha, Elenice, 13, na criação. Elenice faz a parte mais pesada, que é cortar os galhos de amora com um facão, todos os dias, mas também ajuda na alimentação dos bichos.
Os bichos-da-seda ficam num pequeno cercado de lona e madeira, as chamadas "camas", onde ficam exclusivamente para comer e se preparar para formar o casulo.
O período varia de acordo com a temperatura e a estação do ano, de 25 dias a até mais de um mês.
Sempre que os bichos acabam com as folhas de amora, as crianças voltam ao batente. Elenice contou que sente coceiras pelo corpo por causa das folhas de amora e eventualmente se corta ao roçar as extremidades das folhas.
A mãe delas, Maria de Jesus Alves da Silva, 41, disse que nas férias escolares as crianças "trabalham direto". Maria afirmou que a família lucra cerca de R$ 200 mensais com a criação do bicho.
No barracão de Adalto Pedro Martins, 37, trabalham as cinco filhas, de 5, 8, 9, 11 e 12 anos de idade. A mais velha, Lília, disse que há dias em que trabalha até às 23h, para acordar às 5h para trabalhar, inclusive nos finais de semana.
Adalto, "brasiguaio" que viveu 13 anos no Paraguai e conseguiu um lote do Incra em Novo Horizonte do Sul em 86, iniciou o cultivo dos bichos em 94, depois que a a agricultura "fracassou".
Hoje ele diz tirar até R$ 470 mensais da sericicultura. "Às vezes a gente emenda o dia com a noite. As crianças ajudam bastante, mas têm que dormir quando o cansaço chega", disse Martins.



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