São Paulo, Quinta-feira, 28 de Outubro de 1999
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PRIVATIZAÇÃO
Norte-americana AES compra geradora paulista por R$ 938 mi, ágio de 30%; banco emprestará R$ 360 mi
BNDES "salva" leilão de energética em SP

PATRÍCIA ANDRADE
PATRICIA ZORZAN
da Reportagem Local

A decisão do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) de financiar grupos estrangeiros na privatização da Companhia de Geração de Energia Elétrica Tietê viabilizou a compra da estatal ontem pela empresa norte-americana AES por R$ 938 milhões.
O valor corresponde a um ágio de 29,97% sobre o preço mínimo, que era de R$ 721,7 milhões -um dos menores obtidos pelo governo de São Paulo no processo de privatização do setor energético. O ágio só não foi menor do que os dos leilões da Eletropaulo Metropolitana e Bandeirante, vendidas pelo preço mínimo, em 98.
O presidente da AES no Brasil, Luiz David Travesso, admitiu que a participação do BNDES foi "fundamental" para que a empresa entrasse no leilão.
"Tínhamos decidido não participar da privatização. Buscamos financiamento no mercado local e no internacional sem a resposta que esperávamos. No nosso caso, o BNDES viabilizou a compra", declarou Travesso.
Segundo ele, a AES estava negociando o financiamento com o banco há cerca de 10 dias, mas só obteve o sinal verde na véspera do leilão. O BNDES nega o contato.
O empréstimo concedido pelo banco foi de 50% do preço mínimo, cerca de R$ 360 milhões, a serem pagos com carência de um ano e prazo total de cinco para quitação. Como o vencedor foi uma empresa estrangeira, a correção monetária terá por base uma cesta de moedas (variação cambial) mais a taxa de risco anual, que está em torno de 5%.
A AES comprou 38,66% do capital total da empresa, sendo que 31,92% em ações ordinárias (com direito a voto) e 6,74% em preferenciais. As ordinárias correspondem a 61,62% do capital votante da companhia, o que significa que a norte-americana adquiriu o controle acionário da Tietê.

Cemig
O leilão foi realizado em meio a um clima de tensão ocasionado pela anulação do acordo entre o governo mineiro e os acionistas privados da energética Cemig.
Entre as empresas prejudicadas com as mudanças nas regras do jogo em Minas está a própria AES, detentora, em consórcio, de 33% do capital ordinário (com direito a voto) da empresa.
"Essa é uma questão isolada, específica do governo de Minas, mas obviamente há uma preocupação de que episódios como esse se alastrem", avaliou Travesso.
Pelo menos uma empresa -a norte-americana Duke Energy, considerada uma das mais fortes participantes- desistiu de entrar no leilão por causa dos problemas com a Cemig. O governo paulista chegou a pensar em adiar a venda da Tietê diante da perspectiva de haver menos concorrentes.
Na segunda-feira, o governador Mário Covas (PSDB) se reuniu com a equipe responsável pelo programa de desestatização para avaliar a situação. Decidiram manter a data da venda porque quatro empresas ainda se dispunham a competir pela geradora.
No dia seguinte à reunião, três grupos depositaram garantias para disputar o controle da Tietê -a vencedora AES, a belga Tractebel e a brasileira VBC (Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa).
Mas, durante o leilão, somente duas empresas apresentaram propostas. A corretora representante da Tractebel entregou seu lance de R$ 761,2 milhões, um ágio de 5,47%, quando faltavam 30 segundos para o final do prazo. "O senhor vai ter um pouquinho mais de dinheiro, seu Mário", brincou o corretor da AES depois da leitura do lance da concorrente Tractebel.
"Fizemos uma boa venda", afirmou o governador. Covas negou que a concessão do empréstimo do BNDES tenha influenciado na manutenção da data do leilão.
"Eu não fiz e não deixei ninguém do meu governo fazer qualquer contato com o banco. O BNDES empresta dinheiro a quem ele quiser. Não vou atrás deles pedir dinheiro para os outros, mas para o governo do Estado. E quando preciso, em geral, não obtenho", completou.

Sinalização
Na avaliação do secretário de Energia de São Paulo, Mauro Arce, a compra da Tietê justamente pela AES "é uma sinalização importante para os investidores estrangeiros", opinião compartilhada por representantes da empresa norte-americana AEP, que cogitou participar do leilão.
Segundo a Folha apurou, a AEP pretende disputar o controle da Paraná, a última das três geradoras de energia surgidas a partir da cisão da Cesp.
O pagamento pela Tietê terá de ser feito até o próximo dia 10, à vista. Além dos R$ 938 milhões, a AES terá de pagar mais R$ 23,3 milhões, correspondentes ao ágio de 50% em parte das ações oferecidas aos funcionários.
Caso os empregados da Tietê não se interessem pela compra, a empresa norte-americana terá de depositar ainda R$ 70 milhões na conta do governo até o dia 20 de dezembro. Além disso, a AES assume a dívida da companhia, que é de R$ 1,2 bilhão.
Ao chegar ao leilão, Covas foi recebido por cerca de cem manifestantes, segundo a PM. O governador ganhou de um dos participantes do protesto várias moedas e algumas notas de R$ 1. "Vou dar para o primeiro pobre que encontrar", disse o tucano.


Colaborou a Sucursal do Rio

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