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PDT x PDT
Pedetista diz que governador do Rio tem fixação pela Presidência e que usa evangélicos eleitoralmente
Brizola teme que Garotinho vire Jânio
MARCELO BERABA
Diretor da Sucursal do Rio
SÉRGIO TORRES
da Sucursal do Rio
O presidente nacional do PDT,
Leonel Brizola, disse ontem que o
governador do Rio, Anthony Garotinho, está com "fixação" na
Presidência da República. Na sua
opinião, Garotinho pode até vir a
ser candidato do PDT, desde que
faça um bom governo no Rio e
mude a forma de relacionamento
com os partidos que o apóiam.
Ele disse esperar que as práticas
políticas do governador "não sejam as de um Jânio Quadros (presidente em 61 e prefeito de São
Paulo entre 86 e 88), que atropelava os partidos, que humilhava os
partidos. E que acabou no brejo,
na solidão". O ex-governador diz
que Garotinho tem a tendência de
absorver decisões e menosprezar
os partidos.
Brizola criticou ainda o encontro de Garotinho com Paulo Maluf ("Será que alguém tem o que
aprender com Maluf?") e o uso
político que estaria fazendo dos
evangélicos. "Não concordo com
este projeto de querer explorar o
movimento evangélico em função de uma candidatura, com objetivos eleitorais."
Ele informou que vai dar uma
lição de humildade ao governador, ligando para ele para aconselhá-lo. A seguir, os principais
pontos da entrevista à Folha, concedida no hall do seu prédio em
Copacabana, zona sul do Rio.
Folha - O que o senhor acha da
candidatura do Garotinho para
presidente da República?
Leonel Brizola - O que se discute no fundo são as práticas do regime presidencialista e democrático. Como deve ser o relacionamento do governador eleito com
os partidos responsáveis pela eleição. Eu não deixei de me advertir
sobre este quadro e suas consequências até mesmo antes de o
atual governador assumir. Já
mesmo no curso da campanha.
Folha - Que advertências?
Brizola - Eu percebi que o nosso
candidato, depois governador, tinha essa tendência de absorver as
decisões e menosprezar os partidos. Tanto que no curso da campanha ele tratou de construir uma
estrutura paralela. Não há dúvida
de que Garotinho era o melhor
candidato que possuíamos. Tanto
que vencemos. E aí começamos.
Creio que sua primeira visita foi a
mim, com a declaração de que
nós devíamos nos tranquilizar
porque ele haveria de ter uma
preocupação principal de coordenar harmonicamente as nossas
forças e o trabalho de cooperação
entre os partidos e o governo. Logo em seguida começamos a tomar conhecimento pela imprensa
de suas iniciativas, das suas idéias,
de convidar o Ciro Gomes para a
Fazenda, e outros. A partir daí começaram nossos apelos a ele para
que assumisse as práticas que a vida republicana consagrou.
Folha - O que aconteceu? Por
que começaram os problemas?
Brizola - No caso específico do
governador Garotinho, acho que
isso se deve primeiro à sua formação. Porque ele pertenceu ao PCB
quando jovem, depois passou para o PT, não se deu no PT por causa das práticas assembleístas, não
conseguiu se eleger vereador pelo
PT, e caminhou na nossa direção.
Nós, que éramos fracos em Campos frente a uma oligarquia poderosa, recebemos aquele jovem
com uma vocação de comunicador, profissional de rádio e o cercamos de estímulo e apoio.
Folha - Mas o que o senhor
atribui à formação?
Brizola - Ele passou a assumir a
liderança do partido. Elegeu-se
deputado, prefeito, sempre com
nosso apoio. Não se criou ninguém mais em Campos. E o que
se desenvolvia ali, aquela árvore
tratava de afogar e até eliminar do
partido. Nós sempre nos deixamos sensibilizar pelas razões daquele companheiro que era o líder da região. Eleito prefeito de
Campos, Garotinho passou a acumular os poderes partidário e governamental. Garotinho formou
a sua consciência, a sua prática,
no exercício do poder absoluto
em Campos. Ele era o partido, integrado só por seus amigos e familiares, e ele era o governo, integrado também por amigos e companheiros incondicionais. Quando havia qualquer discordância,
expulsava. E não foram fáceis as
relações do candidato com o partido durante a campanha.
Folha - Sempre por causa desse problema de centralização?
Brizola - Sempre pelo mesmo
problema de criação de grupos,
uma espécie de aparato paralelo e
no fundo centralização e decisões
pessoais. Mas, como ele é jovem,
nós sempre cultivamos a esperança de que isso pudesse mudar.
Eu tive inúmeras conversas com
ele, muito francas, sobre como
deveriam ser as práticas no presidencialismo. O governador tem
de ouvir os partidos. Os partidos
têm que cooperar com o governador, mas não uma cooperação cega. Os motivos que levaram o PT
a esta crise existem na relação entre o PDT e Garotinho, de sobra.
Folha - Mas o Lula, presidente
do PT, apoiou o governador.
Brizola - O apoio não tem maior
significação, tanto que hoje eu li
na Folha uma correção dessa atitude do Lula. Ele ouviu o assunto
meio por cima, influenciado por
alguns companheiros do PT. Temendo um rompimento, ele tomou aquela decisão. Mas o assunto é mais complexo.
No caso do PT, o governador
tem declarado que precisa ter um
bom entrosamento com a vice-governadora (Benedita da Silva,
do PT), porque ele vai ser candidato a presidente, e ela então irá
substituí-lo e, se ela não estiver
entrosada, ela vai naturalmente
demitir todos do governo e formar um apoio para outro candidato.
Folha - O Garotinho costuma
falar sobre a candidatura presidencial de uma forma assim tão
natural?
Brizola - Natural.
Folha - Seria um açodamento
da parte dele?
Brizola - Não, acho que é uma
fixação e uma inversão de valores.
O grande compromisso de quem
é eleito é o interesse público. Não
pode colocar essas aspirações como prioridade.
Folha - O que o senhor achou
da declaração de Garotinho
identificando no PT um "Partido
da Boquinha"?
Brizola - Uma declaração desafortunada. Mas não posso imaginar que tenha sido uma casca de
banana, uma inadvertência.
Folha - O senhor acha que foi
pensado?
Brizola - Eu acho que foi pensado. Porque a coincidência com a
convenção já estaria advertindo
que não podia dizer isso. Evidentemente que isso, com aparência
de dar força para a corrente que
apóia a vice-governadora e possível candidata a prefeita, com essa
aparência, mas que, no fundo, só
poderia ser em prejuízo a vice-governadora. E foi o que aconteceu.
Porque criou um quadro de irritação. É tal o pragmatismo do nosso
governador que às vezes penso
que numa brincadeira de mau
gosto, mas deliberadamente, ele
resolveu criar um quadro de irritação na convenção do PT.
Folha - O que ele ganha com
isso?
Brizola - Não sei. Muitos interpretam que o prejuízo para Benedita da Silva neste episódio coincide talvez com algum plano que
possa existir por aí. Não conheço
esse plano. Mas como vivemos
numa época de pragmatismo...
Folha - E a candidatura do Garotinho a presidente, o senhor é
a favor?
Brizola - Há da parte dele uma
fixação com a sua candidatura a
presidente. Nós já dissemos a ele
que não somos antecipadamente
contra a candidatura. Basta, primeiro, que venha a ser, junto com
as qualidades de dinamismo, de
comunicador, um bom governante do Rio. Realizar um bom
governo no Rio pode não ser suficiente, mas é indispensável. Segundo, que as suas práticas não
sejam as de um Jânio Quadros,
que atropelava os partidos, que
humilhava os partidos. E que acabou no brejo, na solidão, que o fez
perder o equilíbrio e o levou à renúncia. Ele pode ser candidato,
mas não como agora. Ele está procurando o Maluf! Será que alguém tem o que aprender com
Maluf?
Folha - O senhor tem outras
discordâncias com o governador?
Brizola - Eu não concordo com
essa linha que ele está seguindo
em relação aos evangélicos. Não
concordo com essa prática, com
esse projeto, de querer explorar o
movimento evangélico em função de uma candidatura, com objetivos eleitorais. Eu falo isso com
segurança porque eu tenho formação evangélica. Não foi por
causa de um acidente que pudesse ter me proporcionado a visão
de alguma coisa (referência à conversão de Garotinho ao protestantismo depois de um acidente
de automóvel). Não, tive uma formação desde adolescente. De repente achar que o movimento
evangélico deve ser transformado
numa tribuna eleitoral, não me
parece aceitável. Não deixa de ser
uma manobra obscurantista.
Quanto sangue custou à humanidade a separação da igreja do Estado? Por que voltarmos agora à
isso, separar as pessoas entre que
são de Deus e as que não são?.
Folha - Como será a relação
com o governador a partir de
agora?
Brizola - Eu sou otimista. Eu
também fui eleito governador,
com 35 anos, mais novo do que
ele. A despeito das divergências, o
que temos de fazer agora é recolher as lições. Vou viajar e antes
disso vou ligar para o governador.
O correto seria ele tomar a iniciativa de me ligar, pela sua idade e
pelo que nos deve. Mas eu vou lhe
dar uma lição de humildade: vou
telefonar.
Folha - O senhor acha que o
Garotinho pode deixar o partido
como ocorreu com Marcello
Alencar, Cesar Maia, Saturnino
Braga, Jaime Lerner?
Brizola - Não, acho que Garotinho tem essa origem fora do partido, mas veio muito jovem e nós
confiamos no seu julgamento sobre a forma como nós o acolhemos e tratamos. Que ele entenda
que precisa atuar de acordo com a
sua família, de acordo com a sua
casa, e não com qualquer Paulo
Maluf da vida, muito menos com
os fernandos henriques.
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