São Paulo, Quinta-feira, 28 de Outubro de 1999
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PDT x PDT
Pedetista diz que governador do Rio tem fixação pela Presidência e que usa evangélicos eleitoralmente
Brizola teme que Garotinho vire Jânio

MARCELO BERABA
Diretor da Sucursal do Rio

SÉRGIO TORRES
da Sucursal do Rio

O presidente nacional do PDT, Leonel Brizola, disse ontem que o governador do Rio, Anthony Garotinho, está com "fixação" na Presidência da República. Na sua opinião, Garotinho pode até vir a ser candidato do PDT, desde que faça um bom governo no Rio e mude a forma de relacionamento com os partidos que o apóiam.
Ele disse esperar que as práticas políticas do governador "não sejam as de um Jânio Quadros (presidente em 61 e prefeito de São Paulo entre 86 e 88), que atropelava os partidos, que humilhava os partidos. E que acabou no brejo, na solidão". O ex-governador diz que Garotinho tem a tendência de absorver decisões e menosprezar os partidos.
Brizola criticou ainda o encontro de Garotinho com Paulo Maluf ("Será que alguém tem o que aprender com Maluf?") e o uso político que estaria fazendo dos evangélicos. "Não concordo com este projeto de querer explorar o movimento evangélico em função de uma candidatura, com objetivos eleitorais."
Ele informou que vai dar uma lição de humildade ao governador, ligando para ele para aconselhá-lo. A seguir, os principais pontos da entrevista à Folha, concedida no hall do seu prédio em Copacabana, zona sul do Rio.

Folha - O que o senhor acha da candidatura do Garotinho para presidente da República?
Leonel Brizola -
O que se discute no fundo são as práticas do regime presidencialista e democrático. Como deve ser o relacionamento do governador eleito com os partidos responsáveis pela eleição. Eu não deixei de me advertir sobre este quadro e suas consequências até mesmo antes de o atual governador assumir. Já mesmo no curso da campanha.

Folha - Que advertências?
Brizola -
Eu percebi que o nosso candidato, depois governador, tinha essa tendência de absorver as decisões e menosprezar os partidos. Tanto que no curso da campanha ele tratou de construir uma estrutura paralela. Não há dúvida de que Garotinho era o melhor candidato que possuíamos. Tanto que vencemos. E aí começamos. Creio que sua primeira visita foi a mim, com a declaração de que nós devíamos nos tranquilizar porque ele haveria de ter uma preocupação principal de coordenar harmonicamente as nossas forças e o trabalho de cooperação entre os partidos e o governo. Logo em seguida começamos a tomar conhecimento pela imprensa de suas iniciativas, das suas idéias, de convidar o Ciro Gomes para a Fazenda, e outros. A partir daí começaram nossos apelos a ele para que assumisse as práticas que a vida republicana consagrou.

Folha - O que aconteceu? Por que começaram os problemas?
Brizola -
No caso específico do governador Garotinho, acho que isso se deve primeiro à sua formação. Porque ele pertenceu ao PCB quando jovem, depois passou para o PT, não se deu no PT por causa das práticas assembleístas, não conseguiu se eleger vereador pelo PT, e caminhou na nossa direção. Nós, que éramos fracos em Campos frente a uma oligarquia poderosa, recebemos aquele jovem com uma vocação de comunicador, profissional de rádio e o cercamos de estímulo e apoio.

Folha - Mas o que o senhor atribui à formação?
Brizola -
Ele passou a assumir a liderança do partido. Elegeu-se deputado, prefeito, sempre com nosso apoio. Não se criou ninguém mais em Campos. E o que se desenvolvia ali, aquela árvore tratava de afogar e até eliminar do partido. Nós sempre nos deixamos sensibilizar pelas razões daquele companheiro que era o líder da região. Eleito prefeito de Campos, Garotinho passou a acumular os poderes partidário e governamental. Garotinho formou a sua consciência, a sua prática, no exercício do poder absoluto em Campos. Ele era o partido, integrado só por seus amigos e familiares, e ele era o governo, integrado também por amigos e companheiros incondicionais. Quando havia qualquer discordância, expulsava. E não foram fáceis as relações do candidato com o partido durante a campanha.

Folha - Sempre por causa desse problema de centralização?
Brizola -
Sempre pelo mesmo problema de criação de grupos, uma espécie de aparato paralelo e no fundo centralização e decisões pessoais. Mas, como ele é jovem, nós sempre cultivamos a esperança de que isso pudesse mudar.
Eu tive inúmeras conversas com ele, muito francas, sobre como deveriam ser as práticas no presidencialismo. O governador tem de ouvir os partidos. Os partidos têm que cooperar com o governador, mas não uma cooperação cega. Os motivos que levaram o PT a esta crise existem na relação entre o PDT e Garotinho, de sobra.

Folha - Mas o Lula, presidente do PT, apoiou o governador.
Brizola -
O apoio não tem maior significação, tanto que hoje eu li na Folha uma correção dessa atitude do Lula. Ele ouviu o assunto meio por cima, influenciado por alguns companheiros do PT. Temendo um rompimento, ele tomou aquela decisão. Mas o assunto é mais complexo.
No caso do PT, o governador tem declarado que precisa ter um bom entrosamento com a vice-governadora (Benedita da Silva, do PT), porque ele vai ser candidato a presidente, e ela então irá substituí-lo e, se ela não estiver entrosada, ela vai naturalmente demitir todos do governo e formar um apoio para outro candidato.

Folha - O Garotinho costuma falar sobre a candidatura presidencial de uma forma assim tão natural?
Brizola -
Natural.

Folha - Seria um açodamento da parte dele?
Brizola -
Não, acho que é uma fixação e uma inversão de valores. O grande compromisso de quem é eleito é o interesse público. Não pode colocar essas aspirações como prioridade.

Folha - O que o senhor achou da declaração de Garotinho identificando no PT um "Partido da Boquinha"?
Brizola -
Uma declaração desafortunada. Mas não posso imaginar que tenha sido uma casca de banana, uma inadvertência.

Folha - O senhor acha que foi pensado?
Brizola -
Eu acho que foi pensado. Porque a coincidência com a convenção já estaria advertindo que não podia dizer isso. Evidentemente que isso, com aparência de dar força para a corrente que apóia a vice-governadora e possível candidata a prefeita, com essa aparência, mas que, no fundo, só poderia ser em prejuízo a vice-governadora. E foi o que aconteceu. Porque criou um quadro de irritação. É tal o pragmatismo do nosso governador que às vezes penso que numa brincadeira de mau gosto, mas deliberadamente, ele resolveu criar um quadro de irritação na convenção do PT.

Folha - O que ele ganha com isso?
Brizola -
Não sei. Muitos interpretam que o prejuízo para Benedita da Silva neste episódio coincide talvez com algum plano que possa existir por aí. Não conheço esse plano. Mas como vivemos numa época de pragmatismo...

Folha - E a candidatura do Garotinho a presidente, o senhor é a favor?
Brizola -
Há da parte dele uma fixação com a sua candidatura a presidente. Nós já dissemos a ele que não somos antecipadamente contra a candidatura. Basta, primeiro, que venha a ser, junto com as qualidades de dinamismo, de comunicador, um bom governante do Rio. Realizar um bom governo no Rio pode não ser suficiente, mas é indispensável. Segundo, que as suas práticas não sejam as de um Jânio Quadros, que atropelava os partidos, que humilhava os partidos. E que acabou no brejo, na solidão, que o fez perder o equilíbrio e o levou à renúncia. Ele pode ser candidato, mas não como agora. Ele está procurando o Maluf! Será que alguém tem o que aprender com Maluf?

Folha - O senhor tem outras discordâncias com o governador?
Brizola -
Eu não concordo com essa linha que ele está seguindo em relação aos evangélicos. Não concordo com essa prática, com esse projeto, de querer explorar o movimento evangélico em função de uma candidatura, com objetivos eleitorais. Eu falo isso com segurança porque eu tenho formação evangélica. Não foi por causa de um acidente que pudesse ter me proporcionado a visão de alguma coisa (referência à conversão de Garotinho ao protestantismo depois de um acidente de automóvel). Não, tive uma formação desde adolescente. De repente achar que o movimento evangélico deve ser transformado numa tribuna eleitoral, não me parece aceitável. Não deixa de ser uma manobra obscurantista. Quanto sangue custou à humanidade a separação da igreja do Estado? Por que voltarmos agora à isso, separar as pessoas entre que são de Deus e as que não são?.

Folha - Como será a relação com o governador a partir de agora?
Brizola -
Eu sou otimista. Eu também fui eleito governador, com 35 anos, mais novo do que ele. A despeito das divergências, o que temos de fazer agora é recolher as lições. Vou viajar e antes disso vou ligar para o governador. O correto seria ele tomar a iniciativa de me ligar, pela sua idade e pelo que nos deve. Mas eu vou lhe dar uma lição de humildade: vou telefonar.

Folha - O senhor acha que o Garotinho pode deixar o partido como ocorreu com Marcello Alencar, Cesar Maia, Saturnino Braga, Jaime Lerner?
Brizola -
Não, acho que Garotinho tem essa origem fora do partido, mas veio muito jovem e nós confiamos no seu julgamento sobre a forma como nós o acolhemos e tratamos. Que ele entenda que precisa atuar de acordo com a sua família, de acordo com a sua casa, e não com qualquer Paulo Maluf da vida, muito menos com os fernandos henriques.


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