São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2001

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SUCESSÃO NO ESCURO

Programa elaborado por Mendonça de Barros e entregue ao PMDB põe em xeque eixo da política econômica

Debate eleitoral antecipa fim da era Malan

RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Está na praça, circulando de mãos em mãos entre políticos de Brasília, um documento de 19 páginas que tem todos os ingredientes para se transformar numa referência central da sucessão de Fernando Henrique Cardoso.
O nome da peça é anódino: "Carta de Intenções". O conteúdo, não. Dividido em seis itens, o texto se autodefine como um "Programa de Ação Econômica". Na prática, e em resumo, trata-se do esboço de um plano de governo que decreta o fim da era Malan, coloca o desenvolvimento como prioridade e condição para a distribuição de renda e se oferece como opção do governismo para enfrentar a candidatura petista de Luiz Inácio Lula da Silva.
Oficialmente, o texto é uma obra do Instituto Sérgio Motta (ministro das Comunicações e homem forte do governo FHC até morrer, em 1998). Seu autor, porém, chama-se Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista e sucessor de Motta no ministério, onde ficou até ser espirrado do poder em decorrência da crise deflagrada pelo grampo do BNDES.
O documento, ainda inédito, está nas mãos do PMDB -ou de um certo PMDB. Nasceu de um almoço de Mendonça de Barros com Michel Temer, presidente da legenda, e Moreira Franco, assessor especial da Presidência da República. Os dois pediram a Mendonção -como é conhecido esse prócer da chamada ala desenvolvimentista do tucanato- um programa de governo. Filiado ao PSDB, Mendonça lhes deu de presente o texto em questão, que, afirma, já estava escrevendo.

"Centro social"
Dividido entre Itamar Franco e FHC, verdadeira "barata tonta" da aliança governista, carente de idéias e fragmentado em interesses regionais, coube curiosamente ao PMDB ser o primeiro depositário de um programa que Mendonça resume como sendo de "centro-social". No momento em que o PT migra para o centro e na semana em que o PFL divulgou o esboço de seu programa de governo com fortes ressalvas à ortodoxia liberal da era Malan, a expressão "centro-social" surge como uma espécie de ovo de Colombo da sucessão de FHC.
É possível ver no programa de Mendonção ecos tanto do programa do PT como do PFL -e nos três esboços uma convergência para o centro com ênfase para o desenvolvimento e a área social, em contraste com a primazia da estabilidade que marca a era FHC.
Talvez ainda mais importante do que isso, a última semana explicitou de vez a guerra velada no governismo pelo sucessor de FHC, travada pelo governador do Ceará, Tasso Jereissati, e pelo ministro da Saúde, José Serra. Tucanos como FHC, ambos se lançaram a 2002 fazendo críticas à política econômica do governo.
Em São Paulo, Tasso decretou o fim do "Consenso de Washington" e pediu a presença do Estado para ordenar a atividade econômica e orientar a dinâmica do mercado. Em Brasília, Serra respondeu pregando a necessidade de uma "lei de responsabilidade cambial". O meio político entendeu o recado: foram dois socos no estômago do fernando-malanismo saídos do coração do tucanato no intervalo de apenas dois dias.

Sujeito oculto
É difícil imaginar a "Carta de Intenções" de Mendonção servindo de esteio programático à candidatura Itamar Franco, que segue sendo a opção da legenda a 2002.
Tanto é assim que já circula outra versão para a peça dentro do próprio PMDB: ela foi feita sob medida para a candidatura Serra, que teria no partido seu parceiro preferencial numa eventual aliança. Ministro de FHC, Serra estaria por enquanto impedido de se opor frontalmente, ao menos de forma sistemática, à política econômica de Pedro Malan.
As afinidades entre a "Carta" e o discurso de Serra parecem naturais: o ministro e Mendonção têm idéias muito próximas e estilos de atuar parecidos, a despeito de diferenças pessoais que enfrentaram nos últimos anos.
Moreira Franco nega a versão de que estaria trabalhando como articulador oculto da candidatura Serra. "O pensamento político do PMDB precisa se renovar, atualizar-se. Ele terá um compromisso com a estabilidade fiscal, mas a moeda forte só faz sentido quando ela está no bolso do cidadão e não entesourada no BC", diz Moreira, justificando a necessidade de o PMDB ter programa antes de ter candidato a presidente.
No PMDB, o texto de Mendonção já está sendo submetido a estudiosos em universidades de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco, além do IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), do Rio. Antigos economistas da sigla como Carlos Estevão, Luciano Coutinho e Luiz Gonzaga Beluzzo, "reciclados", como se diz no PMDB, também participam.
A idéia é que uma versão aprimorada do texto seja debatida pela Fundação Ulysses Guimarães, presidida por Moreira, antes da prévia do partido, em janeiro.
O mais provável, porém, é que o texto, ou seu "espírito", que é o da "continuidade sem continuísmo", migre para o centro da plataforma de governo do candidato que vier a ser ungido pelas forças governistas, hoje em apuros.


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