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SUCESSÃO NO ESCURO
Programa elaborado por Mendonça de Barros e entregue ao PMDB põe em xeque eixo da política econômica
Debate eleitoral antecipa fim da era Malan
RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Está na praça, circulando de
mãos em mãos entre políticos de
Brasília, um documento de 19 páginas que tem todos os ingredientes para se transformar numa referência central da sucessão de
Fernando Henrique Cardoso.
O nome da peça é anódino:
"Carta de Intenções". O conteúdo, não. Dividido em seis itens, o
texto se autodefine como um
"Programa de Ação Econômica".
Na prática, e em resumo, trata-se
do esboço de um plano de governo que decreta o fim da era Malan, coloca o desenvolvimento como prioridade e condição para a
distribuição de renda e se oferece
como opção do governismo para
enfrentar a candidatura petista de
Luiz Inácio Lula da Silva.
Oficialmente, o texto é uma
obra do Instituto Sérgio Motta
(ministro das Comunicações e
homem forte do governo FHC até
morrer, em 1998). Seu autor, porém, chama-se Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista e sucessor de Motta no ministério,
onde ficou até ser espirrado do
poder em decorrência da crise deflagrada pelo grampo do BNDES.
O documento, ainda inédito, está nas mãos do PMDB -ou de
um certo PMDB. Nasceu de um
almoço de Mendonça de Barros
com Michel Temer, presidente da
legenda, e Moreira Franco, assessor especial da Presidência da República. Os dois pediram a Mendonção -como é conhecido esse
prócer da chamada ala desenvolvimentista do tucanato- um
programa de governo. Filiado ao
PSDB, Mendonça lhes deu de presente o texto em questão, que,
afirma, já estava escrevendo.
"Centro social"
Dividido entre Itamar Franco e
FHC, verdadeira "barata tonta"
da aliança governista, carente de
idéias e fragmentado em interesses regionais, coube curiosamente
ao PMDB ser o primeiro depositário de um programa que Mendonça resume como sendo de
"centro-social". No momento em
que o PT migra para o centro e na
semana em que o PFL divulgou o
esboço de seu programa de governo com fortes ressalvas à ortodoxia liberal da era Malan, a expressão "centro-social" surge como
uma espécie de ovo de Colombo
da sucessão de FHC.
É possível ver no programa de
Mendonção ecos tanto do programa do PT como do PFL -e nos
três esboços uma convergência
para o centro com ênfase para o
desenvolvimento e a área social,
em contraste com a primazia da
estabilidade que marca a era FHC.
Talvez ainda mais importante
do que isso, a última semana explicitou de vez a guerra velada no
governismo pelo sucessor de
FHC, travada pelo governador do
Ceará, Tasso Jereissati, e pelo ministro da Saúde, José Serra. Tucanos como FHC, ambos se lançaram a 2002 fazendo críticas à política econômica do governo.
Em São Paulo, Tasso decretou o
fim do "Consenso de Washington" e pediu a presença do Estado
para ordenar a atividade econômica e orientar a dinâmica do
mercado. Em Brasília, Serra respondeu pregando a necessidade
de uma "lei de responsabilidade
cambial". O meio político entendeu o recado: foram dois socos no
estômago do fernando-malanismo saídos do coração do tucanato
no intervalo de apenas dois dias.
Sujeito oculto
É difícil imaginar a "Carta de Intenções" de Mendonção servindo
de esteio programático à candidatura Itamar Franco, que segue
sendo a opção da legenda a 2002.
Tanto é assim que já circula outra versão para a peça dentro do
próprio PMDB: ela foi feita sob
medida para a candidatura Serra,
que teria no partido seu parceiro
preferencial numa eventual aliança. Ministro de FHC, Serra estaria
por enquanto impedido de se
opor frontalmente, ao menos de
forma sistemática, à política econômica de Pedro Malan.
As afinidades entre a "Carta" e o
discurso de Serra parecem naturais: o ministro e Mendonção têm
idéias muito próximas e estilos de
atuar parecidos, a despeito de diferenças pessoais que enfrentaram nos últimos anos.
Moreira Franco nega a versão
de que estaria trabalhando como
articulador oculto da candidatura
Serra. "O pensamento político do
PMDB precisa se renovar, atualizar-se. Ele terá um compromisso
com a estabilidade fiscal, mas a
moeda forte só faz sentido quando ela está no bolso do cidadão e
não entesourada no BC", diz Moreira, justificando a necessidade
de o PMDB ter programa antes de
ter candidato a presidente.
No PMDB, o texto de Mendonção já está sendo submetido a estudiosos em universidades de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio
de Janeiro, São Paulo e Pernambuco, além do IETS (Instituto de
Estudos do Trabalho e Sociedade), do Rio. Antigos economistas
da sigla como Carlos Estevão, Luciano Coutinho e Luiz Gonzaga
Beluzzo, "reciclados", como se diz
no PMDB, também participam.
A idéia é que uma versão aprimorada do texto seja debatida pela Fundação Ulysses Guimarães,
presidida por Moreira, antes da
prévia do partido, em janeiro.
O mais provável, porém, é que o
texto, ou seu "espírito", que é o da
"continuidade sem continuísmo", migre para o centro da plataforma de governo do candidato
que vier a ser ungido pelas forças
governistas, hoje em apuros.
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