São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2001

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SUCESSÃO NO ESCURO

Mendonça de Barros diz que empresários preferem Tasso, vê inconsistência no PT e defende "centro social"

2002 tira o desenvolvimentismo da toca

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, durante entrevista à Folha em seu escritório, na Vila Olímpia


FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL

Derrotado sucessivas vezes ao longo dos anos FHC pelo grupo da ortodoxia liberal e do ajuste fiscal puro, liderado por Pedro Malan, o grupo do desenvolvimentismo e da política industrial acredita que chegou, enfim, a sua hora.
Os discursos de José Serra e Tasso Jereissati, ambos pré-candidatos à sucessão presidencial pelo PSDB e ambos críticos da política econômica do governo, seriam o sinal mais eloquente de que o eixo da discussão no país mudou.
Formulador e porta-voz desse grupo, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, o Mendonção, 58, embora filiado ao PSDB, colocou recentemente à disposição do PMDB, a pedidos, um programa de ação econômica.
É, como ele mesmo admite, um "programa Pirandello" (referência à peça "Seis Personagens à Procura de um Autor", escrita em 1921 pelo dramaturgo italiano Luigi Pirandello, 1867-1936). Ou seja, está à espera de um candidato e de uma coalizão política que o viabilizem no ano que vem.
Mendonça o define como sendo um programa de "centro social" e acredita que todas as propostas em gestação, do PT ao PFL, convergem, com diferenças de ênfase e método, para esse ponto de fuga, que irá pautar o ano de 2002.
Ligado ideologicamente a Serra, Mendonça acredita que o perfil de Tasso é mais palatável aos olhos do empresariado e vê ainda muita ambiguidade e inconsistência na trajetória "light" adotada pelo PT.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida à Folha na tarde da última sexta:
 

Folha - O programa que o sr. escreveu e colocou à disposição do PMDB pode ser chamado de proposta "nem Lula nem Malan"? Em outras palavras, o que ele prega é a "continuidade sem continuísmo"?
Luiz Carlos Mendonça de Barros -
Acho que podemos ler esse programa de outra forma, isto é, o que queríamos fazer e não conseguimos. O governo Fernando Henrique Cardoso tinha um grupo, cuja pretensão era fazer uma grande mudança quando chegasse ao poder. Os catalisadores desse grupo sempre foram o Sérgio [Motta] e o Serra. Fomos um dos núcleos do governo FHC e, na área econômica, um dos dois grupos que existiam. O segundo núcleo era formado basicamente pelos economistas da PUC do Rio de Janeiro, que tiveram uma liderança na questão da estabilidade.

Folha - Esse grupo foi hegemônico no primeiro mandato.
Mendonça -
Não é que foi hegemônico, mas era um grupo homogêneo, ao qual se agregou o nosso grupo, pois reconhecemos que o primeiro mandato era basicamente o da estabilização. Só que, à medida que a questão da estabilidade foi conseguida, mais rápido do que imaginávamos, isso começou a se alterar.
O câmbio foi a primeira causa de divergência. O Serra, que era ministro do Planejamento, acabou se indispondo publicamente com o Gustavo [Franco, presidente do Banco Central]. Teve de sair e ser candidato à prefeitura [de São Paulo, em 1996]. Inclusive, ele achava que nós todos deveríamos sair junto com ele.
Quando chegou o segundo mandato, houve uma necessidade de reequilibrar esse poder, pois a estabilidade já estava praticamente feita, ou bem adiantada, e as decisões relativas ao crescimento e à abertura passaram ao topo da agenda. Foi quando FHC decidiu institucionalizar esse segundo grupo no Ministério do Desenvolvimento Econômico.

Folha - Veio então o episódio do grampo do BNDES, que acabou inviabilizando esse grupo.
Mendonça -
Nós saímos, e o presidente perdeu esse lado.

Folha - O sr. acredita que ele tinha mesmo disposição de bancar esse grupo?
Mendonça -
Acredito. O resultado é que nós saímos e, logo depois, veio a desvalorização do real, que foi relativamente bem administrada e deu um fôlego para a economia começar a se movimentar de novo. Com a retomada do crescimento, a partir do final de 1999 e começo de 2000, nós fomos vistos como o grupo que estava errado, os perdedores.
O crescimento consolidou Malan. Embora a gente viesse alertando que havia uma questão não resolvida: a fragilidade externa. Mas, como o problema não existia, ficava muito difícil manter acesa a discussão. Com a crise argentina e a do apagão, a discussão voltou. O Brasil, apesar dos discursos de que a gente tem uma economia menos problemática que a da Argentina, hoje está numa situação tão ruim quanto à do vizinho. Isso fez com que o debate sobre política industrial e fragilidade externa voltasse à tona.
E voltou num momento importante, em que se encerra um período longo de Fernando Henrique e se abre uma nova escolha para a sociedade. Achamos que, nesse momento, seria até responsabilidade nossa tirar do baú tudo aquilo que a gente vinha escrevendo e falando durante anos.
Foi aí que nós decidimos escrever esse documento apartidário.

Folha - A versão corrente é que o texto foi encomendado pelo PMDB.
Mendonça -
Isso tudo estava sendo discutido, mas não havia aparecido um fato político que gerasse uma data. O Moreira Franco me ligou e pediu para conversar comigo. Ele veio com o Michel Temer [presidente do PMDB] e pediu para eu fazer o programa econômico do partido. Então, disse que tinha pronta uma carta de princípios e que não haveria problema de dar para que eles fizessem disso o programa do partido.

Folha - Parte desse programa poderia ser encampado pelo PT?
Mendonça -
Sim. Acredito que houve uma certa convergência ao centro dos vários partidos do país. Um passa a usar princípios e ações defendidos pelo outro. Eu dei um seminário hoje [sexta-feira] e quem falou antes de mim foi o Cristovam Buarque [ex-governador do Distrito Federal]. Se ele fosse candidato a presidente pelo PT, talvez até votasse nele, porque ele tem uma posição muito parecida com essa. O problema do PT é que ele ainda tem um lado socialista, que nega a possibilidade de haver no país uma economia de mercado.

Folha - Mas não o grupo do Lula, hoje muito pragmático. A versão do PT light não vai prevalecer?
Mendonça -
Não. E já há provas disso. O Lula esteve na Telefônica, onde lhe falaram da universalização e da qualidade dos serviços. No ocasião, ele disse que, se soubesse disso antes, seria a favor da privatização. Passaram-se uns 15 dias, ele foi dar uma palestra num sindicato. Disse que a privatização da Telebrás foi um estupro na sociedade. A mídia junta as duas coisas e o discurso dele desmonta.

Folha - É ambíguo demais?
Mendonça -
É. É inconsistente também. Eu já vi referência no PT sobre um imposto sobre o patrimônio. Não dá certo. Esse pedaço do rico é a poupança do país, que financia o crescimento. Na hora que eu pego essa fatia e dou para o pobre, estou consumindo a poupança do país. Ao final, todos empobrecem. Nossa visão é a do crescimento sustentado. Difere da da direita, que diz que o objetivo é a estabilidade macroeconômica.

Folha - O cientista político Fábio Wanderley Reis sustenta que a democracia brasileira precisa passar pelo teste do PT. Uma vitória de Lula representa risco institucional?
Mendonça -
Não acredito. Primeiro, porque você tem o Congresso. Certamente, se o Lula ganhar, não será com maioria do Congresso. Ele vai ter de construir uma maioria e vai ter de vir para o centro. E aí, ele vai ter problema com a esquerda dele e é possível que ela rache com o PT. O próprio partido vai ter de modular muito as suas propostas para passá-las no Congresso.

Folha - O sr. definiu seu programa como sendo de centro-social. Que candidato ou coalizão política é capaz de encampar essas idéias?
Mendonça -
A gente não sabe muito o que o PMDB pensa, por isso fiquei feliz de eles virem atrás do meu plano. Mesmo o programa econômico do PFL, divulgado pela Folha, representa o centro-social. O [Jorge] Bornhausen [presidente do PFL] é uma direita responsável. Dá pra conversar. Essa direita não é mais a direita do "Consenso de Washington". Quando você ouve o PFL falar em baixar os juros é extraordinário. O que chamam de "malanismo", essa forma de ver a economia, não tem candidato à sucessão.

Folha - Seria por isso que o Malan nem se filiou ao PSDB?
Mendonça -
Acho que há uma predisposição da sociedade para esse programa de centro, que preserva a estabilidade, coloca o crescimento como objetivo fundamental e aceita intervenções do governo para melhorar a distribuição de renda.

Folha - Que papel teria nessa proposta o "Ministério da Produção"?
Mendonça -
Você teria um eixo de finanças, que seria o Ministério da Fazenda, que cuidaria da questão fiscal, da monetária, da dívida pública -que bateu no limite e deve ser olhada como prioridade- e da fragilidade externa.
O objetivo é diminuir a dependência da entrada de recursos para estabilizar a taxa de câmbio, o que não significa prefixá-lo. Isso para que os investidores visualizem o quadro macroeconômico do Brasil estável para os próximos dez ou 15 anos. O plano vai mais longe. Diz que o objetivo da política econômica é o desenvolvimento. É uma mudança importante. E é um desenvolvimento sustentado, que precisa da estabilidade.
Já o Ministério do Desenvolvimento ficaria encarregado de criar condições para que as regras do funcionamento do mercado no Brasil sejam competitivas. Produzir no Brasil não pode ser mais caro do que produzir no exterior. É preciso fazer uma série de reformas para homogeneizar os custos de produção aqui dentro com os lá de fora, como a reforma fiscal, a questão dos juros, a legislação trabalhista, a questão do mercado de capitais, o monopólio dos direitos do consumidor -criando controles do governo para que isso não aconteça-, ou seja, um bloco de medidas para criar condições competitivas.
Mas há um problema adicional, o sistema produtivo brasileiro envelheceu nos últimos dez anos e nós ficamos fora desse grande salto tecnológico. A aviação é um dos poucos setores em que o Brasil é competitivo na área de alta tecnologia, mas, mesmo assim, metade do valor de venda dos aviões da Embraer ainda é importada. Temos de criar uma série de estímulos para que esse pessoal venha criar essa indústria aqui.
Vou dar um exemplo: hoje há uma crise na área de tecnologia de ponta pelo colapso dos investimentos nos EUA; há uma série de empresas -que não são as líderes de mercado- em dificuldade, que não têm fluxo de capital, mas que têm a tecnologia. Se o Brasil chega e diz que vai arranjar capital, elas vêm para cá. A ação não é fácil, tem que ter alguns princípios e só pode ser realizada em elos da cadeia produtiva que tenham grande escala.

Folha - Isso que o sr. diz parece ser tudo o que o ministro Serra gostaria de dizer, mas não pode.
Mendonça -
Os dois, Tasso e Serra, tiveram coragem de explicitar as suas diferenças em relação ao governo. Normalmente, o candidato da situação tem de estar sempre bem com o presidente. Parte dessa mudança, Fernando Henrique já vinha fazendo via Sergio Amaral [Desenvolvimento]. Eu acredito que o presidente tenha consciência hoje de que tem de mudar o desenho de sua política econômica. E ele estava fazendo essa transição sem que as pessoas percebessem até que o Serra e o Tasso as explicitaram.

Folha - Afinal, Serra ou Tasso?
Mendonça -
O Serra é um político de personalidade mais forte do que o Tasso. É evidente que tanto os empresários como a classe política preferem uma pessoa mais doce, mais acomodadora. O Serra é um sujeito duro e tem uma personalidade mais áspera. Embora o Tasso, para quem o conhece de perto, seja tão ou mais autoritário do que o Serra. Os dois candidatos têm personalidades completamente diferentes da do presidente. Acho que o Tasso tem uma idéia vaga da coisa, mas ainda deixa muito espaço para ser preenchido. O Serra tem convicções mais organizadas. Agora, qualquer dos dois que seja o candidato tem essa grande vantagem: eles absorveram a necessidade de mudança da política econômica.

Folha - Sua proposta não parece muito mais um programa do PSDB? Da origem do PSDB pelo menos?
Mendonça -
Acho que ele é a cara do PSDB de São Paulo. É a cara do PSDB antes de ganhar a eleição para presidente e espero que seja a cara do PSDB daqui para a frente. A grande vantagem de um partido político aberto é isso: os candidatos que afloram têm liberdade de ser do contra. Não é vergonha nenhuma um partido mudar de foco. Agora, claramente, isso aí tem muito mais o DNA do PSDB.

Folha - E a candidatura Ciro?
Mendonça -
O Ciro está há muito tempo na vitrine. Ele não tem nem um documento igual a esse. O que ele pensa? Quais as prioridades dele? O Itamar tem uma solidez maior, um partido grande e organizado por trás dele. Não há mais espaço para essas aventuras que tivemos no passado. O Collor foi um desespero. Acredito que a eleição do ano que vem vai estar centrada em duas correntes: uma que se penitencia por não ter feito certas coisas, mas que promete fazer, que seria o candidato do governo; e outra que nunca mexeu nisso e está dizendo: "Deixa eu ir lá, que eu sei fazer isso" e que vai ter de provar que tem competência de ir lá e fazer.



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