|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SUCESSÃO NO ESCURO
Mendonça de Barros diz que empresários preferem Tasso, vê inconsistência no PT e defende "centro social"
2002 tira o desenvolvimentismo da toca
Eduardo Knapp/Folha Imagem
|
O ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, durante entrevista à Folha em seu escritório, na Vila Olímpia |
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
Derrotado sucessivas vezes ao
longo dos anos FHC pelo grupo
da ortodoxia liberal e do ajuste fiscal puro, liderado por Pedro Malan, o grupo do desenvolvimentismo e da política industrial acredita que chegou, enfim, a sua hora.
Os discursos de José Serra e Tasso Jereissati, ambos pré-candidatos à sucessão presidencial pelo
PSDB e ambos críticos da política
econômica do governo, seriam o
sinal mais eloquente de que o eixo
da discussão no país mudou.
Formulador e porta-voz desse
grupo, o economista Luiz Carlos
Mendonça de Barros, o Mendonção, 58, embora filiado ao PSDB,
colocou recentemente à disposição do PMDB, a pedidos, um programa de ação econômica.
É, como ele mesmo admite, um
"programa Pirandello" (referência à peça "Seis Personagens à
Procura de um Autor", escrita em
1921 pelo dramaturgo italiano
Luigi Pirandello, 1867-1936). Ou
seja, está à espera de um candidato e de uma coalizão política que o
viabilizem no ano que vem.
Mendonça o define como sendo
um programa de "centro social" e
acredita que todas as propostas
em gestação, do PT ao PFL, convergem, com diferenças de ênfase
e método, para esse ponto de fuga, que irá pautar o ano de 2002.
Ligado ideologicamente a Serra,
Mendonça acredita que o perfil de
Tasso é mais palatável aos olhos
do empresariado e vê ainda muita
ambiguidade e inconsistência na
trajetória "light" adotada pelo PT.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida à
Folha na tarde da última sexta:
Folha - O programa que o sr. escreveu e colocou à disposição do
PMDB pode ser chamado de proposta "nem Lula nem Malan"? Em
outras palavras, o que ele prega é a
"continuidade sem continuísmo"?
Luiz Carlos Mendonça de Barros -
Acho que podemos ler esse programa de outra forma, isto é, o
que queríamos fazer e não conseguimos. O governo Fernando
Henrique Cardoso tinha um grupo, cuja pretensão era fazer uma
grande mudança quando chegasse ao poder. Os catalisadores desse grupo sempre foram o Sérgio
[Motta] e o Serra. Fomos um dos
núcleos do governo FHC e, na
área econômica, um dos dois grupos que existiam. O segundo núcleo era formado basicamente pelos economistas da PUC do Rio de
Janeiro, que tiveram uma liderança na questão da estabilidade.
Folha - Esse grupo foi hegemônico no primeiro mandato.
Mendonça - Não é que foi hegemônico, mas era um grupo homogêneo, ao qual se agregou o
nosso grupo, pois reconhecemos
que o primeiro mandato era basicamente o da estabilização. Só
que, à medida que a questão da
estabilidade foi conseguida, mais
rápido do que imaginávamos, isso começou a se alterar.
O câmbio foi a primeira causa
de divergência. O Serra, que era
ministro do Planejamento, acabou se indispondo publicamente
com o Gustavo [Franco, presidente do Banco Central]. Teve de
sair e ser candidato à prefeitura
[de São Paulo, em 1996]. Inclusive, ele achava que nós todos deveríamos sair junto com ele.
Quando chegou o segundo
mandato, houve uma necessidade
de reequilibrar esse poder, pois a
estabilidade já estava praticamente feita, ou bem adiantada, e as decisões relativas ao crescimento e à
abertura passaram ao topo da
agenda. Foi quando FHC decidiu
institucionalizar esse segundo
grupo no Ministério do Desenvolvimento Econômico.
Folha - Veio então o episódio do
grampo do BNDES, que acabou inviabilizando esse grupo.
Mendonça - Nós saímos, e o presidente perdeu esse lado.
Folha - O sr. acredita que ele tinha mesmo disposição de bancar
esse grupo?
Mendonça - Acredito. O resultado é que nós saímos e, logo depois, veio a desvalorização do
real, que foi relativamente bem
administrada e deu um fôlego para a economia começar a se movimentar de novo. Com a retomada
do crescimento, a partir do final
de 1999 e começo de 2000, nós fomos vistos como o grupo que estava errado, os perdedores.
O crescimento consolidou Malan. Embora a gente viesse alertando que havia uma questão não
resolvida: a fragilidade externa.
Mas, como o problema não existia, ficava muito difícil manter
acesa a discussão. Com a crise argentina e a do apagão, a discussão
voltou. O Brasil, apesar dos discursos de que a gente tem uma
economia menos problemática
que a da Argentina, hoje está numa situação tão ruim quanto à do
vizinho. Isso fez com que o debate
sobre política industrial e fragilidade externa voltasse à tona.
E voltou num momento importante, em que se encerra um período longo de Fernando Henrique e se abre uma nova escolha
para a sociedade. Achamos que,
nesse momento, seria até responsabilidade nossa tirar do baú tudo
aquilo que a gente vinha escrevendo e falando durante anos.
Foi aí que nós decidimos escrever esse documento apartidário.
Folha - A versão corrente é que o
texto foi encomendado pelo PMDB.
Mendonça - Isso tudo estava sendo discutido, mas não havia aparecido um fato político que gerasse uma data. O Moreira Franco
me ligou e pediu para conversar
comigo. Ele veio com o Michel
Temer [presidente do PMDB] e
pediu para eu fazer o programa
econômico do partido. Então, disse que tinha pronta uma carta de
princípios e que não haveria problema de dar para que eles fizessem disso o programa do partido.
Folha - Parte desse programa poderia ser encampado pelo PT?
Mendonça - Sim. Acredito que
houve uma certa convergência ao
centro dos vários partidos do
país. Um passa a usar princípios e
ações defendidos pelo outro. Eu
dei um seminário hoje [sexta-feira] e quem falou antes de mim foi
o Cristovam Buarque [ex-governador do Distrito Federal]. Se ele
fosse candidato a presidente pelo
PT, talvez até votasse nele, porque
ele tem uma posição muito parecida com essa. O problema do PT
é que ele ainda tem um lado socialista, que nega a possibilidade de
haver no país uma economia de
mercado.
Folha - Mas não o grupo do Lula,
hoje muito pragmático. A versão
do PT light não vai prevalecer?
Mendonça - Não. E já há provas
disso. O Lula esteve na Telefônica,
onde lhe falaram da universalização e da qualidade dos serviços.
No ocasião, ele disse que, se soubesse disso antes, seria a favor da
privatização. Passaram-se uns 15
dias, ele foi dar uma palestra num
sindicato. Disse que a privatização da Telebrás foi um estupro na
sociedade. A mídia junta as duas
coisas e o discurso dele desmonta.
Folha - É ambíguo demais?
Mendonça - É. É inconsistente
também. Eu já vi referência no PT
sobre um imposto sobre o patrimônio. Não dá certo. Esse pedaço
do rico é a poupança do país, que
financia o crescimento. Na hora
que eu pego essa fatia e dou para o
pobre, estou consumindo a poupança do país. Ao final, todos empobrecem. Nossa visão é a do
crescimento sustentado. Difere da
da direita, que diz que o objetivo é
a estabilidade macroeconômica.
Folha - O cientista político Fábio
Wanderley Reis sustenta que a democracia brasileira precisa passar
pelo teste do PT. Uma vitória de Lula representa risco institucional?
Mendonça - Não acredito. Primeiro, porque você tem o Congresso. Certamente, se o Lula ganhar, não será com maioria do
Congresso. Ele vai ter de construir
uma maioria e vai ter de vir para o
centro. E aí, ele vai ter problema
com a esquerda dele e é possível
que ela rache com o PT. O próprio
partido vai ter de modular muito
as suas propostas para passá-las
no Congresso.
Folha - O sr. definiu seu programa
como sendo de centro-social. Que
candidato ou coalizão política é capaz de encampar essas idéias?
Mendonça - A gente não sabe
muito o que o PMDB pensa, por
isso fiquei feliz de eles virem atrás
do meu plano. Mesmo o programa econômico do PFL, divulgado
pela Folha, representa o centro-social. O [Jorge] Bornhausen
[presidente do PFL] é uma direita
responsável. Dá pra conversar.
Essa direita não é mais a direita do
"Consenso de Washington".
Quando você ouve o PFL falar em
baixar os juros é extraordinário. O
que chamam de "malanismo", essa forma de ver a economia, não
tem candidato à sucessão.
Folha - Seria por isso que o Malan
nem se filiou ao PSDB?
Mendonça - Acho que há uma
predisposição da sociedade para
esse programa de centro, que preserva a estabilidade, coloca o crescimento como objetivo fundamental e aceita intervenções do
governo para melhorar a distribuição de renda.
Folha - Que papel teria nessa proposta o "Ministério da Produção"?
Mendonça - Você teria um eixo
de finanças, que seria o Ministério
da Fazenda, que cuidaria da questão fiscal, da monetária, da dívida
pública -que bateu no limite e
deve ser olhada como prioridade- e da fragilidade externa.
O objetivo é diminuir a dependência da entrada de recursos para estabilizar a taxa de câmbio, o
que não significa prefixá-lo. Isso
para que os investidores visualizem o quadro macroeconômico
do Brasil estável para os próximos
dez ou 15 anos. O plano vai mais
longe. Diz que o objetivo da política econômica é o desenvolvimento. É uma mudança importante. E
é um desenvolvimento sustentado, que precisa da estabilidade.
Já o Ministério do Desenvolvimento ficaria encarregado de
criar condições para que as regras
do funcionamento do mercado
no Brasil sejam competitivas.
Produzir no Brasil não pode ser
mais caro do que produzir no exterior. É preciso fazer uma série
de reformas para homogeneizar
os custos de produção aqui dentro com os lá de fora, como a reforma fiscal, a questão dos juros, a
legislação trabalhista, a questão
do mercado de capitais, o monopólio dos direitos do consumidor
-criando controles do governo
para que isso não aconteça-, ou
seja, um bloco de medidas para
criar condições competitivas.
Mas há um problema adicional,
o sistema produtivo brasileiro envelheceu nos últimos dez anos e
nós ficamos fora desse grande salto tecnológico. A aviação é um
dos poucos setores em que o Brasil é competitivo na área de alta
tecnologia, mas, mesmo assim,
metade do valor de venda dos
aviões da Embraer ainda é importada. Temos de criar uma série de
estímulos para que esse pessoal
venha criar essa indústria aqui.
Vou dar um exemplo: hoje há
uma crise na área de tecnologia de
ponta pelo colapso dos investimentos nos EUA; há uma série de
empresas -que não são as líderes
de mercado- em dificuldade,
que não têm fluxo de capital, mas
que têm a tecnologia. Se o Brasil
chega e diz que vai arranjar capital, elas vêm para cá. A ação não é
fácil, tem que ter alguns princípios e só pode ser realizada em
elos da cadeia produtiva que tenham grande escala.
Folha - Isso que o sr. diz parece
ser tudo o que o ministro Serra gostaria de dizer, mas não pode.
Mendonça - Os dois, Tasso e Serra, tiveram coragem de explicitar
as suas diferenças em relação ao
governo. Normalmente, o candidato da situação tem de estar
sempre bem com o presidente.
Parte dessa mudança, Fernando
Henrique já vinha fazendo via
Sergio Amaral [Desenvolvimento]. Eu acredito que o presidente
tenha consciência hoje de que tem
de mudar o desenho de sua política econômica. E ele estava fazendo essa transição sem que as pessoas percebessem até que o Serra
e o Tasso as explicitaram.
Folha - Afinal, Serra ou Tasso?
Mendonça - O Serra é um político de personalidade mais forte do
que o Tasso. É evidente que tanto
os empresários como a classe política preferem uma pessoa mais
doce, mais acomodadora. O Serra
é um sujeito duro e tem uma personalidade mais áspera. Embora
o Tasso, para quem o conhece de
perto, seja tão ou mais autoritário
do que o Serra. Os dois candidatos têm personalidades completamente diferentes da do presidente. Acho que o Tasso tem uma
idéia vaga da coisa, mas ainda deixa muito espaço para ser preenchido. O Serra tem convicções
mais organizadas. Agora, qualquer dos dois que seja o candidato
tem essa grande vantagem: eles
absorveram a necessidade de mudança da política econômica.
Folha - Sua proposta não parece
muito mais um programa do PSDB?
Da origem do PSDB pelo menos?
Mendonça - Acho que ele é a cara
do PSDB de São Paulo. É a cara do
PSDB antes de ganhar a eleição
para presidente e espero que seja
a cara do PSDB daqui para a frente. A grande vantagem de um partido político aberto é isso: os candidatos que afloram têm liberdade de ser do contra. Não é vergonha nenhuma um partido mudar
de foco. Agora, claramente, isso aí
tem muito mais o DNA do PSDB.
Folha - E a candidatura Ciro?
Mendonça - O Ciro está há muito
tempo na vitrine. Ele não tem
nem um documento igual a esse.
O que ele pensa? Quais as prioridades dele? O Itamar tem uma solidez maior, um partido grande e
organizado por trás dele. Não há
mais espaço para essas aventuras
que tivemos no passado. O Collor
foi um desespero. Acredito que a
eleição do ano que vem vai estar
centrada em duas correntes: uma
que se penitencia por não ter feito
certas coisas, mas que promete fazer, que seria o candidato do governo; e outra que nunca mexeu
nisso e está dizendo: "Deixa eu ir
lá, que eu sei fazer isso" e que vai
ter de provar que tem competência de ir lá e fazer.
Texto Anterior: Grafite Próximo Texto: Perfil: Mendonça foi da AP, assim como Serra e Motta Índice
|