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ANPOCS
Para Murilo de Carvalho, crime "é bom" para governo por impedir politização
Tráfico barra surgimento do "MST urbano", diz historiador
RAFAEL CARIELLO
ENVIADO ESPECIAL A CAXAMBU (MG)
O historiador José Murilo de
Carvalho, 65, disse ontem que,
"de alguma maneira, é bom politicamente para o governo que haja o tráfico nas favelas", já que o
crime organizado impediria a politização de muitos dos seus moradores e a "possibilidade de organização dessas pessoas à maneira do MST [Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra]
num enorme movimento de democracia de base".
"Não sei se as instituições
agüentariam [esse movimento]
sem recorrer à ordem", afirmou o
integrante da Academia Brasileira
de Letras e professor titular da
UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro). Ele explicou que o
recurso à ordem de que fala quer
dizer "restrições à liberdade", estão relacionadas ao uso da força.
As declarações foram feitas durante debate realizado no 28º Encontro Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que acontece até sábado,
em Caxambu (MG). O encontro
começou anteontem.
Campo e cidade
Segundo o historiador, o tráfico
"não deixa entrar" outras instituições e organizações na favela,
"despolitizando essa massa". "O
tráfico vem bloquear a possibilidade de politização", declara.
O MST serve de exemplo para
José Murilo por ir contra "uma
tradição brasileira de as pessoas
não se revoltarem".
A diferença em relação a um
movimento similar nas cidades,
ele diz, é que a população rural é
cada vez menor no Brasil -"uma
espécie em extinção"-, enquanto nas favelas urbanas, um movimento dessa natureza alcançaria a
maioria dos pobres e miseráveis
de todo o país.
Os sem-terra se organizam num
"movimento de natureza democrática radical", usando "métodos
que às vezes estão na margem da
legalidade", que no entanto, por
conta do pequeno número de
pessoas vivendo no campo, não
terá um impacto maior na política
nacional, defende o acadêmico.
A história, ele diz, poderia ser
diferente se um movimento parecido engajasse maciçamente as
massas urbanas. "E se surge um
movimento dos favelados, dos
sem-emprego?", pergunta.
Republicanismo
O historiador participou, ao lado do cientista político Luiz Werneck Vianna (presidente da Anpocs), de um seminário sobre o
"republicanismo", que para ele
reúne a preocupação com o "bom
governo" e exige cidadãos "virtuosos", preocupados com o bem
comum. O conceito é distinto do
de democracia, argumenta, que
tem como preocupação central "a
inclusão dos muitos" e é voltada
para as idéias de direitos e de participação.
Para José Murilo, o país tem um
"republicanismo quebrado", cujo
sintoma -do lado da ausência de
bom governo- está na desigualdade econômica e social.
"O que fazer com a Roma tropical, com a plebe, com esses 50 milhões de brasileiros que ficaram
para trás?", perguntou.
O problema é central, ele disse,
porque não há política social ou
crescimento econômico capaz de
incluí-los todos. "Essa massa não
é a causa, mas é o ambiente da
violência urbana."
Werneck Vianna defendeu a
idéia de que o país tem sim uma
tradição republicana própria, que
remonta à criação da unidade nacional no processo de independência. "Somos organizados como que por uma providência."
Para o cientista político, há hoje
a tentativa de se fazer uma "cirurgia política liberal" (ele não identificou o cirurgião) que ataca o Estado e as relações deste com a sociedade, e tem como objetivo de
fundo "desmontar a tradição republicana brasileira".
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