São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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ANPOCS

Para Murilo de Carvalho, crime "é bom" para governo por impedir politização

Tráfico barra surgimento do "MST urbano", diz historiador

RAFAEL CARIELLO
ENVIADO ESPECIAL A CAXAMBU (MG)

O historiador José Murilo de Carvalho, 65, disse ontem que, "de alguma maneira, é bom politicamente para o governo que haja o tráfico nas favelas", já que o crime organizado impediria a politização de muitos dos seus moradores e a "possibilidade de organização dessas pessoas à maneira do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] num enorme movimento de democracia de base".
"Não sei se as instituições agüentariam [esse movimento] sem recorrer à ordem", afirmou o integrante da Academia Brasileira de Letras e professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ele explicou que o recurso à ordem de que fala quer dizer "restrições à liberdade", estão relacionadas ao uso da força.
As declarações foram feitas durante debate realizado no 28º Encontro Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que acontece até sábado, em Caxambu (MG). O encontro começou anteontem.

Campo e cidade
Segundo o historiador, o tráfico "não deixa entrar" outras instituições e organizações na favela, "despolitizando essa massa". "O tráfico vem bloquear a possibilidade de politização", declara.
O MST serve de exemplo para José Murilo por ir contra "uma tradição brasileira de as pessoas não se revoltarem".
A diferença em relação a um movimento similar nas cidades, ele diz, é que a população rural é cada vez menor no Brasil -"uma espécie em extinção"-, enquanto nas favelas urbanas, um movimento dessa natureza alcançaria a maioria dos pobres e miseráveis de todo o país.
Os sem-terra se organizam num "movimento de natureza democrática radical", usando "métodos que às vezes estão na margem da legalidade", que no entanto, por conta do pequeno número de pessoas vivendo no campo, não terá um impacto maior na política nacional, defende o acadêmico.
A história, ele diz, poderia ser diferente se um movimento parecido engajasse maciçamente as massas urbanas. "E se surge um movimento dos favelados, dos sem-emprego?", pergunta.

Republicanismo
O historiador participou, ao lado do cientista político Luiz Werneck Vianna (presidente da Anpocs), de um seminário sobre o "republicanismo", que para ele reúne a preocupação com o "bom governo" e exige cidadãos "virtuosos", preocupados com o bem comum. O conceito é distinto do de democracia, argumenta, que tem como preocupação central "a inclusão dos muitos" e é voltada para as idéias de direitos e de participação.
Para José Murilo, o país tem um "republicanismo quebrado", cujo sintoma -do lado da ausência de bom governo- está na desigualdade econômica e social.
"O que fazer com a Roma tropical, com a plebe, com esses 50 milhões de brasileiros que ficaram para trás?", perguntou.
O problema é central, ele disse, porque não há política social ou crescimento econômico capaz de incluí-los todos. "Essa massa não é a causa, mas é o ambiente da violência urbana."
Werneck Vianna defendeu a idéia de que o país tem sim uma tradição republicana própria, que remonta à criação da unidade nacional no processo de independência. "Somos organizados como que por uma providência."
Para o cientista político, há hoje a tentativa de se fazer uma "cirurgia política liberal" (ele não identificou o cirurgião) que ataca o Estado e as relações deste com a sociedade, e tem como objetivo de fundo "desmontar a tradição republicana brasileira".


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