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CELSO PINTO
Os dilemas da indústria em 2003
Uma questão importante tem
preocupado os empresários.
A indústria brasileira tem exportado como nunca, só que há
pouca capacidade ociosa produtiva em alguns setores básicos.
Isso significa que, uma retomada mais razoável de crescimento
poderá esbarrar em alguma piora da balança, em pressão inflacionária, ou, o mais provável,
numa combinação das duas coisas.
Em outros termos, o país vai
pagar um preço pelo extraordinário ajuste externo que está fazendo. O preço inflacionário já
começou a ser pago. É efeito do
impacto da desvalorização cambial mas também da resistência
das empresas em absorver aumento de custos reduzindo suas
margens de lucro. Ao contrário
do que aconteceu na máxi de 99,
hoje as margens estão muito
mais estreitas. E a "dolarização"
dos preços, pelo sucesso nas exportações, é mais abrangente.
Ivoncy Ioschpe, presidente do
Iedi, instituto de pesquisa mantido por 45 grandes grupos nacionais, diz que a situação atual
lembra o período do ex-presidente Geisel, em meados dos
anos 70, quando foi preciso um
grande plano nacional para estimular a indústria de base. "O
país não aumentou sua indústria de base nos últimos anos",
argumenta. "Ela é mais eficiente, mas há estrangulamentos na
oferta em áreas como siderurgia,
petroquímica e papel e celulose,
o que leva a pressões inflacionárias". Como investimentos levam de dois a três anos para
amadurecer, ele acha que o
BNDES deveria começar, já, um
programa de coordenação de investimentos nesses setores.
Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi,
lembra que uma pesquisa do
instituto com 80 grandes empresas nacionais e 85 grandes estrangeiras mostrou que o coeficiente de exportação neste grupo
subiu de 13%, em 1989, para
16%, em 1997, e 18%, em 2000.
Em 2003, deve chegar a uns 25%
e caminha para 30%. É exatamente o que o país precisa para
ajustar suas contas externas,
mas não é uma mudança indolor.
Ele prefere lembrar o paralelo
do início dos anos 80, quando
maxidesvalorizações geraram
megasuperávits na balança, mas
fizeram a inflação saltar de 50%
para 100% ao ano. É preciso aumentar a capacidade produtiva,
especialmente em insumos básicos. Não via incentivos, diz, mas
com planos setoriais e apoio creditício do BNDES.
A exportação, hoje, atrai pelas
margens proporcionadas pelo
câmbio. No entanto, é bom lembrar que 75% ou mais da produção dessas grandes empresas se
destina ao mercado interno. Investimentos virão se houver
perspectivas positivas de crescimento no mercado interno e não
apenas um câmbio vantajoso.
Portanto, argumenta Almeida,
não dá para tentar controlar a
forte pressão inflacionária que
esse ajuste implica apenas com
juros altos e recessão. É preciso
dosar o controle inflacionário
com a preservação de algum
crescimento interno que estimule investimentos.
A baixa capacidade não é generalizada. O setor de bens de
consumo, pelos dados da FGV,
está utilizando apenas 78% de
sua capacidade. Dois anos de
massa salarial em baixa, desemprego em alta e crescimento medíocre deixaram indústrias inteiras, como a automobilística,
operando muito abaixo da capacidade. Nessa área, diz,
aguenta-se dois anos de crescimento mais forte sem problemas. A capacidade utilizada de
bens de capital é ainda menor,
69%, graças à queda dos investimentos. A da indústria de transformação é de 80%.
Quando se olha alguns setores
específicos, a história é outra.
Metalurgia está operando a 89%
da capacidade; papel e papelão a
93%; química a 85%; borracha a
88%; vestuário e calçados a 87%.
São setores que precisam de investimentos e que, em alguns casos, não conseguiriam manter
um crescimento das exportações
e atender ao mercado interno, se
o crescimento voltasse com alguma força.
Entre os setores onde sobra capacidade instalada, o caso mais
sério é o de material elétrico e comunicações, que usa hoje só 60%
da capacidade. Neste caso, lembra, dois fatores são importantes: o impacto do apagão do ano
passado e o fim do "boom" dos
investimentos em telecomunicações. Caiu a produção interna e
caíram as importações. A queda
nas importações de material elétrico e eletroeletrônico explica
30% da redução total das importações este ano.
Na verdade, quatro ou cinco
itens explicam 60% da queda
das importações, o que, na visão
de Almeida, sugere que nem toda queda de importações reflete
um processo mais duradouro de
substituição de importações. Em
alguns casos, há desvios de mercado, que a retomada de crescimento pode alterar.
Deixar os setores que estão exportando mais aproveitarem a
dolarização de seus preços para
aumentar margens no mercado
interno pressiona a inflação.
Mas melhora a lucratividade. E,
num país onde o mercado de capitais quase inexiste, os recursos
próprios continuam sendo a
maior fonte das empresas para
investimentos. Outra vez, há um
dilema. Quanto mais dura a política monetária e a recessão,
menor a pressão inflacionária,
pela compressão da margem de
lucro. Mas também menores serão os investimentos.
Enfim, são dilemas que qualquer partido que ganhasse as
eleições teria que enfrentar em
2003. É preciso manter o estímulo de longo prazo para o ajuste
externo, mas é crucial impedir
um descontrole inflacionário. O
Estado pode ajudar a coordenar
e estimular investimentos, mas
não pode, nem deve, repetir esquemas paternalistas de incentivos do passado.
E-mail CelPinto@uol.com.br
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