São Paulo, sábado, 28 de novembro de 2009

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Tarso critica consenso na Itália sobre Battisti

Segundo o ministro, se valesse ideia da uniformidade de opiniões, até nazismo poderia ser legitimado

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A BERNA

O ministro Tarso Genro (Justiça) minimiza o raro consenso da direita e da esquerda italiana pela extradição do terrorista Cesare Battisti, dizendo que ele não deve servir de parâmetro ou influir no julgamento brasileiro do caso porque, se consenso nacional sinalizasse algo, "teríamos de legitimar o nazismo ou o stalinismo".
"O consenso pode ser uma questão histórica concreta do país. Isso não pode ser a medida para o julgador brasileiro dar ou não uma extradição", afirmou o ministro em entrevista à Folha, anteontem, em Berna. "Se valesse essa ideia do consenso teríamos de legitimar o nazismo ou o stalinismo."
Interpelado sobre a estranheza da comparação, posto que na Itália não vigora regime de supressão da liberdade, o ministro disse que estava falando de consenso político.
Sobre a declaração do líder de esquerda italiano Piero Fassino de que a "parte da esquerda brasileira que é contra a extradição não entendeu o caso", Tarso recomendou ao deputado, a quem disse respeitar muito, que lesse o processo no Brasil. "O ponto de vista que defendi está abrigado por quatro ministros do Supremo, depois cinco, e nos mais preparados juristas brasileiros."
Para o ministro, direita e esquerda no país europeu buscam "dividendos políticos" com o caso. "[Isso] é absolutamente natural e respeitável numa democracia", afirmou. "[Porém] o Brasil não pode estar subordinado a esse jogo político interno."
O Supremo Tribunal Federal votou há dez dias para extraditar Battisti, condenado na Itália por envolvimento em quatro assassinatos nos anos 70, quando era membro do grupo radical PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) -ele alega inocência. Mas votou também para passar a questão às mãos do presidente Lula, que só deve se pronunciar em 2010.
Tarso, que concedeu refúgio ao italiano no início do ano, voltou a apresentar seus argumentos sobre as condições do julgamento e disse que, caso Lula diga "sim" a Roma, ele não verá a decisão como uma desautorização do seu parecer. "O presidente tem o direito de mudar sua avaliação."

Dinheiro bloqueado
O ministro veio à Suíça junto com o secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, para discutir a repatriação de "entre US$ 20 milhões e US$ 30 milhões" em fundos desviados por quatro fiscais da Receita no chamado "propinoduto" do Rio, descoberto em 2002 e que culminou na condenação de 22 pessoas. "Estamos revertendo o fluxo do duto", disse Tuma Júnior.
Ontem, o Ministério da Justiça anunciou que conseguiu repatriar os cerca de US$ 30 milhões. Ainda não há data para a Suíça liberar o montante, mas as autoridades afirmaram que isso deverá ser feito em curto prazo. O dinheiro irá para os cofres da União, com a possibilidade de parte dele ser repassada ao governo do Rio.
Tarso se reuniu com sua colega suíça, Eveline Widmer-Schlumpf, e com a chanceler Micheline Calmy-Rey para tratar do tema. Não foi decidido ainda dentro de qual arcabouço legal o dinheiro retornará ao país, mas o ministro espera que seja pela Convenção de Mérida, tratado internacional sobre corrupção ao qual o país aderiu em 2006.
Tarso disse que o governo em Berna reconheceu o dinheiro como produto de corrupção. "Se não fosse o reconhecimento concreto que houve na sentença judicial aqui na Suíça de que esses recursos saíram do propinoduto, eles não estariam obrigados a devolver, porque não existe um invólucro jurídico contratual entre nós que obrigasse eles a devolverem."
Ele colocou ainda o significado moral da repatriação, que faz com que o Brasil "possa desmontar a imagem que tem de impunidade". Também elogiou o que definiu como mudança de cultura política em países europeus, que têm se mostrado mais dispostos a colaborar em investigações do tipo.

Colaborou a Sucursal de Brasília



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