São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Prioridade será corrigir câmbio, afirma documento lido por Palocci em reunião com ministros

PT rompe "lua-de-mel" e vê "apagão" do Estado sob FHC

Matuiti Mayezo - Sérgio Lima/Folha Imagem
Lula, de óculos novos, em reunião ontem em Brasília; no destaque, Marisa, também com novos óculos


ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Num longo discurso que surpreendeu pela contundência e abrangência das críticas ao atual governo, o futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, disse ontem que a prioridade imediata a partir de janeiro será "corrigir a taxa de câmbio".
Segundo ele, essa correção não será com "medidas artificiais": "Os primeiros cinco anos do atual governo deixaram-nos como ensinamento as consequências funestas de se manter uma taxa de câmbio sobrevalorizada. Não podemos cometer o erro inverso".
Ao abrir a primeira reunião ministerial comandada pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, à tarde, no escritório de transição, Palocci apontou o que considera um dos maiores erros do governo Fernando Henrique Cardoso: "No que se refere ao planejamento estratégico, o Estado brasileiro vive um prolongado "apagão'", disse, em um discurso baseado nos resultados do trabalho da equipe petista de transição.
Palocci criticou os indicadores econômicos, o aumento da dívida e principalmente a incapacidade do governo FHC de garantir crescimento e de combater a miséria.
Já o futuro presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirmou sobre o câmbio, após a reunião, que "certamente todas as distorções [na cotação do dólar] terão de ser corrigidas no devido tempo pelo mercado". Na primeira parte da reunião, aberta à imprensa, Lula estava ladeado por sua mulher, Marisa, e pelo vice-presidente eleito, José Alencar.

INCLUSÃO SOCIAL
"O Brasil precisa compatibilizar a consolidação da estabilidade monetária, em bases mais sólidas do que as atuais, com a construção das condições para a retomada do desenvolvimento social e econômico, integrando aos mercados de renda e consumo milhões de excluídos ou semi-excluídos."

CRESCIMENTO
"Para superar a atual dissociação entre estabilidade e crescimento, o Brasil precisará realizar, nos próximos anos, uma criteriosa, responsável e cuidadosa transição do quadro econômico e social deixado pelo atual governo para a recuperação de sua capacidade de crescimento. (...) A busca de metas voltadas para taxas de crescimento anual acima de 5% do PIB não pode ser reduzida a apenas um objetivo de governo: deve representar, sim, um esforço de todo o país. (...) Sem essa mobilização nacional, todo esforço de governo terá fôlego curto e será prisioneiro de formulações estritamente técnicas, tão zelosas quanto limitadas."

PLANEJAMENTO
"A desintegração do planejamento nas áreas de energia, comunicações, ciência e tecnologia, integração nacional, meio ambiente e desenvolvimento; (...) a ausência de regras claras para a atuação das agências reguladoras. (...) O planejamento governamental atingiu um nível de esvaziamento brutal. (...) No que se refere a isso, o Estado brasileiro vive um prolongado "apagão'".

SOCIAL IMPROVISADO
"A improvisação de uma série de programas sociais nos últimos dois anos é ilustrativa e realça a persistência de uma visão que ainda não incorporou a inclusão social como tema central de uma política de Estado".

ILUSÃO DO MERCADO
"O atual governo difundiu a ilusão de que o crescimento e a redução da exclusão social seriam resultante natural do desenvolvimento dos mercados e do uso, sem contra-indicações, da abundante poupança externa disponível no início dos anos 90. As fragilidades que se acumularam e os desequilíbrios econômicos acentuados nos últimos anos, tanto internos quanto externos, conformaram uma situação delicada."

INSTABILIDADE
"A instabilidade atual questiona os próprios avanços que se obtiveram com a estabilidade da moeda, o controle relativo da inflação e um marco institucional fortalecido pela responsabilidade fiscal."

SEM MEDIDAS EXÓTICAS
"Não fazemos tábula rasa dos últimos oito anos e não partilhamos da visão daqueles que acham que tudo deva ser reinventado. (...) Em nosso governo não haverá medidas exóticas, quebra de contratos ou condescendência com a irresponsabilidade fiscal. Também não pretendemos provocar bolhas de crescimento econômico a partir de uma permissividade perigosa com a inflação."

MAIOR DESAFIO
"Zelar pela estabilidade monetária com retomada do crescimento e redução da nossa secular desigualdade social. (...) O quadro de distribuição de renda está inalterado há trinta anos. Temos consciência de que os votos recebidos por V. Excia. [Lula] vieram para corrigir a excessiva sedução pelos mercados que marcou a atuação do governo nos últimos anos".

MOEDA E INFLAÇÃO
"Todo o país assustou-se com a volta de índices altos de inflação. É uma herança pesada que aumenta enormemente nossa responsabilidade. (...) Estamos ainda longe de debelarmos todos os riscos para nossa estabilidade".

CÂMBIO
"(...) A prioridade imediata do nosso governo a partir de 1º de janeiro deve ser a de corrigir aquele que é talvez o preço mais fundamental da economia, a taxa de câmbio. (...) Essa correção de forma alguma será feita com adoção de medidas artificiais."

EXPECTATIVAS E FMI
"O momento é de coordenar expectativas, de reduzir ansiedades e de buscar o fluxo normal dos financiamentos e a extrema responsabilidade no gasto público. (...) Não queremos e não podemos incorrer no erro do atual governo de fazer endividamento novo para cobrir endividamento velho. Em oito anos de governo, recorreu-se três vezes a pacotes de ajuda e programas de emergência do FMI. Não é bom para o país que isso venha a se perpetuar".

DESIGUALDADE
"É perfeitamente possível para o Brasil perseguir metas de crescimento econômico dessa grandeza [taxas anuais de mais de 8% ao ano, como na China e na Índia" e mudar radicalmente -no espaço de uma geração- a face da profunda desigualdade com que convivemos há séculos".

EDUCAÇÃO
"Não dá para aceitar a piora dos já baixos índices de desempenho dos alunos brasileiros em disciplinas elementares como português e matemática".

CORRUPÇÃO
"Combater a corrupção significa enterrar de vez a percepção de que a lei vale para uns e não vale para outros".

ESTADOS
- "Sabemos hoje que alguns Estados apresentam reais dificuldades de equilíbrio orçamentário. Seria um erro, contudo, pretender uma renegociação das dívidas ignorando o delicado momento das finanças nacionais. (...) Isso não significa que o governo federal deva virar as costas para os novos governadores".


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