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DEPOIMENTO
Como chegamos perto da Operação Condor
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Tem toda a razão o historiador Peter Kornbluh, do Arquivo de Segurança Nacional, em
Washington, ao pedir que o governo brasileiro abra seus arquivos militares como a melhor
-ou única- fórmula para se
chegar à verdade sobre a Operação Condor, a multinacional
repressiva montada por países
do Cone Sul nos anos 70/80.
Posso testemunhar que é assim porque um grupo de jornalistas latino-americanos esteve
a um passo de pôr a mão em arquivos militares, no curso de
investigação informal que fizemos nos anos 70, quando ainda
todos os países que participaram da Condor eram ditaduras.
O grupo de jornalistas tinha
informações, aparentemente
corretas, de que a operação
nasceu durante ou nos bastidores de uma conferência dos
Exércitos americanos, realizada em 1975 no Hotel Carrasco
de Montevidéu. Esse tipo de
conferência gera um minucioso
relato de todos os temas que foram discutidos, mesmo fora
das sessões plenárias.
Prova-o o fato de que esta
Folha conseguiu o relatório
completo de uma dessas conferências, a 17ª (1987), quando as
ditaduras já estavam no ocaso
ou haviam terminado. A reportagem de 25 de setembro de
1988, e o resumo da capa do jornal dizia: "Representantes de
15 Exércitos das Américas, entre eles o do Brasil, assinaram
em novembro do ano passado
um acordo que prevê "ações nos
demais campos do poder", além
do estritamente militar, para "a
segurança e defesa do continente americano contra o Movimento Comunista Internacional (MCI)".
O acordo é um dos protocolos assinados na 17ª Conferência dos Exércitos Americanos,
realizada em Mar del Plata, na
Argentina. Todos foram mantidos em sigilo mas a Folha obteve, nesta semana, cópias dos 15
acordos, das atas das reuniões e
dos informes de inteligência
militar submetidos à apreciação dos oficiais reunidos.
O informe sobre "a situação
da subversão no Brasil", assinado pelo general de brigada Paulo Neves de Aquino, hoje sub-chefe-de-gabinete do Estado-Maior do Exército, afirma que
"dos 559 membros da Assembléia Geral Constituinte, cerca
de 30% são militantes ou simpatizantes das OS [organizações subversivas]".
Se esse era o teor quando a
democracia já estava de volta
na maioria dos países, fica fácil
imaginar o que poderiam conter as atas completas da conferência de 1975.
A certeza de que havia uma
operação militar coordenada e
ordenada de cima veio dos depoimentos de parentes das vítimas. A mim, coube entrevistar
a viúva do general e ex-presidente boliviano Juan José Torres, assassinado em 1976, e as
filhas do general chileno Carlos
Prats, morto por um carro-bomba em Buenos Aires, em
1974. Ou seja, não eram militantes da esquerda, que poderiam ser eliminado por comandos rotineiros, mas figuras que
haviam atingido o pico da carreira militar. Prats antecedeu
Pinochet no comando do Exército. Legalista, opôs-se ao golpe. Perdeu a vida por isso.
Os depoimentos dos familiares e outras apurações levaram
a uma pilha de indícios sobre a
Condor. Mas faltava uma prova
documental.
A oportunidade de obtê-la
parecia ter surgido com a perspectiva de eleição na Bolívia,
no início dos anos 80. O candidato favorito era Hernán Siles
Suazo, histórico líder do Movimento Nacionalista Revolucionário, amigo de alguns dos jornalistas do grupo. A idéia era
convencê-lo, uma vez chegado
ao poder, a entregar-nos os arquivos militares.
Como eu era o único jornalista não-exilado do grupo, era
também o único com liberdade
de movimentos entre os países
da região. Tocou-me ir a La Paz
para conversar com Siles Suazo. Levava, entre outras recomendações, carta de uma amiga dele, alta funcionária das
Nações Unidas.
Consegui falar com Siles no
final de um comício, nos arredores de La Paz. Expliquei a
operação, e ele me encaminhou
a um coronel que era o seu
enlace com as Forças Armadas.
O coronel trabalhara antes
nos serviços de inteligência, o
que lhe dava autoridade para
confirmar que era viável a tese
de que houvesse documentos
que delatassem a Condor. Prometeu que nos ajudaria assim
que chegassem ao poder.
Não chegaram. Pelo menos
não naquela época. Houve outro movimento militar, a eleição foi adiada, Siles Suazo acabou chegando ao poder apenas
em 1982, tão asfixiado pela situação econômica e a pressão
militar que não havia meios para cobrar dele a promessa.
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